Uma das piores notícias da semana passada foi uma notícia velha: o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório da ONU. Embora nossa mídia e o FHC tenham logo tratado de desconversar, exaltando a pequena progressão no IDH, o fato mesmo é que continuamos mal e somos vergonha no mundo por um título inglório. Nossa má distribuição de renda parece destinada à eternidade, desafiando e vencendo gerações de brasileiros.
Das formas pelas quais essa concentração se realiza, talvez a mais importante seja a divisão entre trabalho manual ("o pedreiro") e intelectual("o diretor de banco"). Aspecto que já era ressaltado por Paul Singer - hoje professor na Faculdade de Economia da USP - em livro da década de 80. Hoje, depois da Terceira Onda informacional, a coisa só se acentuou. A proporção entre os ganhos é escandalosa: não é exagero supor que um CEO (o Chefe do Executivos do Escritório, na sigla em inglês) deve ganhar em torno de 30 vezes o salário da faxineira de uma mesma empresa.
Absurdo possível apenas na esteira da cultura de um país que por 400 anos manteve regime escravista, onde havia os que trabalhavam e os que viviam. Quando todos passaram a trabalhar, a divisão se deu entre o bom e o mau trabalho, com valorizações discrepantes que se refletem na diferença entre as rendas.
Precisamos recuperar essa distorção histórica e desumana, que contraria mesmo o funcionamento capitalista do Brasil (para quem pensar que estou sendo radical demais: todo economista bom sabe que um grande empecilho ao desenvolvimento brasileiro é a falta de poupança). O caminho simples seria a reivindicação de maiores salários. Mas não será fácil segui-lo enquanto não tivermos a nítida noção de que cada trabalho é essencial, que o gari que varre a rua não é um ser humano menos valioso que o gerente da estatal, e que por isso merece viver com dignidade.
Não acredito que exista essa consciência hoje, em nosso tempo de valores individuais como Ronaldo e Gisele Bundchen. Nem nunca houve. Na época e local onde meu vó viveu, dava-se pouco valor a um pequeno agricultor ou a um cortador de cana. Bom era ser pedreiro ou comerciante, atividades que ele exerceu. Mas estas não progrediram muito desde então, justamente por que os primeiros não ganharam o suficiente para ter mais casas e comprar mais produtos - salvo a cachaça, para esquecer as "tristeza". Ou seja, todos perdemos no longo prazo. Um microcosmo do Brasil.