Quando Inocêncio nasceu,
tornou-se viramundo,
no salto da virtude,
e do sofrimento "sorteabundo".
Antes, quem dera, se panela seca tivesse
os grãos de outrora, Inocêncio não precisaria
rodapiar pelo mundo ( por isso virou tocamundo).
Cruzou o Maranhão, o Piauí, Pernambuco,
Ceará... pensou no estreito do canto do garimpo,
na cria do gado, no mato da caça, nos calos
da mão.
Se antes encontrasse a verdade,
a mentira não lhe bateria a porta,
desespero não cortaria o estômago,
ensejo não encheria à alma.
Bicho desumano é o homem,
na vida, não compadece com o irmão.
Prefere tratar da rejeição,
pois o pão do cidadão não carece
de doação, mas sim, de coração.
Inocêncio usou carabina, dente de jaguatirica,
olho de guabiru, rabo de tatu e um punhado
de pólvoras: " Setencio a sede do estômago
em qualquer lugar, desde que tenha mato".
Antes do alfabeto e da escola, veio a polícia.
O ABC não sabia, mas de cabeça soletrava
as cantigas do sertão, ser malandro foi opção,
dinheiro não faltava na sua tira de gibeira.
Desceu Serra Pelada, fez carvão no Tocantins,
fez filho no Amazonas. Assim era Inocêncio:
leve como o vento, solto como a terra, vivo como
uma cobra.
Desbravar era seu forte,
e nisso muito investiu,
ganhou respeito e confiança
nos bordéis em que dormia,
as meretrizes se apaixonavam
por sua cor de raiva e poesia.
"Sou mestiço cor de tudo, herói
domador e vaqueiro trovador".
Inocêncio de Bravo Melo no Rio Negro
Foi nas bandas do Rio Negro que a Ayhuaska
Inocêncio experimentou,
um amigo da Bolívia logo lhe apresentou:
"Quer viajar? É só tomar".
Entrou por Belém, muita coisa já sabia,
no navio de redes e transas,
muitos planos já traçava, como as pernas roliças
que consumiu e as
cabeças esparsas, viajar era seu vício.
Quando a teia do destino trilha seu
caminho, não há encanto que desalinhe
as rotas em seu futuro.
Cavalos e búfalos selvagens,
espíritos do oco do mato,
curandeira de pé-de-estrada
no reduto das bezendeiras autônomas.
Chegando no terreno de Dona Teresa,
Inocêncio pediu com presteza.
"Sou de longe, sertão das Alagoas,
busco juventude e lição da vida sofrida".
Se tu buscas o que te fere, não viestes
ao local certo - não buscamos sua solução.
Inocêncio prometeu o trabalho em troca da desventura, e como outros episódios
do Maranhão, serviu-se de cama, banhou-se
de sono e libertou-se com um copo de açaí.
Certa vez chegou-se a ele, o "Quem-te-dera".
Andarilho noturno, diabo-do-mato, sorteabundo
de vampiro das fazendas.
Transfigura-se no velho de Juma, mãe do igapó,
pai da destreza, irmão do medo.
Quem-te-dera bateu-lhe com três tapinhas
nas costas, como reza a lenda: " Aquele que levar
os cumprimentos no ombro esquerdo, está com os
dias contados".
Quem-te-dera leva um papagaio invisível nas costas, que só Dona Teresa pode ver.
Cresceu um culote em Inocêncio, esse catombo
virou outro papagaio, que inchou. Depois, vôou
longe para o alto Rio Xingu, onde veio a se
transmutar na Matinta Pereira, e depois com o
Curupira, fumar tabaco e beber cachaça.
"Papagaio-arara azul com bico de tucano amarelo".
Cabeça de macaco prego com rabo de guariba,
tem certeza que Inocêncio ainda fica a prosear
com Dona Teresa? Inocêncio fez um filho nela.
Depois, bateu pernas para não sei onde...
Quando Inocêncio morreu, tornou-se
lenda viva, exemplo de destreza e um
pouco de sabedoria.
Mas o que importa é o homem
que faz história, e não o que
se deixa passar sem ela.
Inocêncio é lenda, e lenda é história.
E história Inocêncio continuará fazendo...
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