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Contos-->As vezes o veneno funciona -- 29/09/2002 - 19:39 (Rogerio Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Me falou com todo o entusiasmo do mundo:

- A moto tem que tá no meu nome, se eu morrer deixo com você um recibo no valor, aí é só pegar com minha mulher. São quinhentos reais limpo todo mês.

Trabalhava dez, doze horas por dia levando gente para todo lado, queimado do sol e já sentindo dores na coluna e em todo corpo. Enquanto negociávamos a sociedade, não se queixou das dores. Meu primeiro impulso diante da proposta foi procurar a concessionária, a rescisão daria para tirar uma honda. Preferi esperar, pensar melhor.

A cabeça roda depois que a caneta pára sobre a carta de dispensa. Lembrei dos comentários que fiz sobre outros que foram demitidos antes de mim. Lembrei de minha pose equilibrada e das falhas que lhes apontei e que assim, vista pela ótica da vítima, pareciam ridículas.

O sistema não perdoa, nunca perdoa.

Oficialmente desempregado e entorpecido por uma angústia que ainda não havia sentido, fiquei sabendo que ele havia perdido uma moto por roubo, mesmo assim, sem opção e acreditando que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, resolvi topar a sociedade.

Não consegui ligar. Pre-pago desligado ou fora de área, fui lá e me disseram que ele estava internado no hospital municipal. Foi traído pela mulher que conhecera com dois filhos, e que há um ano sustentava e venerava como a própria vida. Tentou suicídio ingerindo veneno de rato.

Pensei em como o mundo é um amontoado de gente infeliz e de como a felicidade é um rótulo criado pelos fabricantes de cerveja.

Perdi o negócio, mas por outro lado em meio ao desespero, senti um estranho conforto - não iria ganhar em cima da desgraça que era o trabalho dele.

Passa um ônibus lotado. A cabeça gira e meu mundo esta desmoronando, não consegui dormir. A cidade acorda e do portão de casa vejo outro ônibus cortar o silêncio ainda escuro. Atrás daquelas janelas, exprimidos e amarelados, todos os olhos são meus.

Até então nunca havia pensado na morte como um opção plausível e desde de então, a vida começou a parecer uma opção absurda. Em pouco tempo a indiferença em mim e em minha volta, tornou dormente minha alma e criou um vazio ensurdecedor.

Lembro que ouvi algumas vozes de alguns amigos tentando trazer-me de volta. Lembro que senti saudades de mim mesmo, senti falta de um tempo que passou, de um amor, de sexo e sono, de fome e sede. Lembrei-me da vida e de como essa vida parecia agora tão bela nos olhos da morte, e como último pensamento, me veio "que as vezes, o venenos funciona, em todos os sentidos que podem fazê-lo funcionar".

Rogério Ferreira





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