I
As rimas que trazemos neste dia
Não têm o brilho calmo do luar.
Quiséramos, no entanto, divulgar
O bem e o amor que cabem na poesia.
Mas temos de ditar, bem devagar,
Um tema de total sensaboria,
Senão hão de pensar que alguém faria
Melhor, se lhe cedêssemos lugar.
Assim, quem quer aqui fazer o bem
E dar a conhecer o seu amor
Acaba por perder por mais de cem,
Na angústia de se ver sem ter valor,
Que o bem vai receber de quem não tem
E o amor vai captar só do Senhor.
II
Castelos medievais guardam segredos
Que os homens de hoje em dia nem suspeitam.
São poucos, mesmo assim, que não aceitam
A idéia de que ali houve degredos.
Nós damos, para os que tudo rejeitam,
Noção de algumas cenas dos enredos,
Dizendo serem mil corações tredos,
Serpentes, quais raízes que se deitam.
Saímos para a luz deste evangelho,
Num aspecto de rosto muito velho,
Mas cheio de esperanças de outra lida.
Porém, se a Idade Média quedou longe,
Nos sonhos infelizes deste monge,
Agora a dor exige uma outra vida.
III
Os sinos tangem sempre à mesma hora,
Que a vida se repete sem cessar:
A nau parte do cais e busca o mar,
Deixando em terra sempre alguém que chora.
Não há como essa dor bem consolar,
Que a lei de causa e efeito inda vigora:
Precisa que o que sofre sinta agora
O mesmo que causou noutro lugar.
Periga o desafio do nosso verso,
Que o tema predispõe p ro desconsolo,
Se alguém sofrer por rude e mui perverso.
Não tendo uma outra forma em que dispô-lo,
Acaba em triste pranto mais imerso,
Naufrágio em mar aberto, crise, rolo.
IV
Gostava de ler versos quando vivo,
Fazendo alguns por conta do segredo,
Mas descobri que o gênio, muito cedo,
Se põe a versejar mais criativo.
Diante da falência, pus degredo,
Pois todos fiz passar por sério crivo
E hoje da poesia inda me privo:
De tudo quanto faço tenho medo.
No amparo que me dão estes amigos,
Não sinto tanto a força dos perigos
De pôr em versos simples sentimentos.
Queria conquistar do mundo a moda,
Porque me atrai estar em meio à roda
De quem faz revoar os pensamentos.
V
Existe sensação de plenitude
No fato de encerrar qualquer poesia:
É doce o coração ter alegria,
Mesmo sendo pequena esta virtude.
Eu sei que o bom leitor melhor faria,
Mas tudo isto que fiz foi o que pude.
Quando tiver mudado de atitude,
Virei com outros tons na melodia.
Romântica, esta glosa é de egoísta,
Pois, na verdade, um século já dista
Dos tempos que passou pelo planeta.
Agora quer voltar sem compromisso,
Mas hoje esta poesia é bom serviço
Que o etéreo há de prestar pelo estafeta.
VI
Falávamos de Deus, naqueles dias,
E as rimas se perdiam pelo ar.;
E os versos, na brancura do luar,
Buscavam naturais as harmonias.
Às vezes, bacanais tinham lugar,
Na ingenuidade triste das poesias:
Queríamos viver em alegrias,
Morríamos em torpe lupanar.
O homem mergulhou na realidade,
Buscando o cerne até da natureza,
Deixando para trás o amor-saudade.
Mas muitos que viveram da beleza
E se encheram de orgulho e de vaidade
Agora vêm chorar junto a esta mesa.
VII
Senhor, cedei-me a chave do mistério,
Que o coração se sente arrependido
De tanto ter-vos posto em tolo olvido,
Mesmo após ressurgir do cemitério.
Vós me ofertastes muito, mas duvido
Que, em outro tempo, vos levasse a sério.
Agora, quando quero um refrigério,
Me ponho a lamentar o bem perdido.
— “Quimeras!” — sinto o povo a comentar,
Ao ler estas mensagens doutro plano.
Porém, a vida passa devagar
E o sentimento pode ser insano,
Se as harmonias ficam pelo ar,
Sem dar amor ao coração humano.
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