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cronicas-->Os 88 anos de minha mãe -- 12/06/2000 - 14:37 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Treze de maio de 1912. Dia abençoado. Nasce Odívia, minha mãe, fruto do amor de José Carrano e Maria da Conceição Lima Carrano.
A origem do nome ? Ninguém sabe. Talvez esteja na mistura de sílabas dos nomes das filhas: "o" de Otacília, "di" de Edite e "via" da própria Odívia.
Naquela época, o Brasil tinha 24 milhões de habitantes, cerca de 14% da nossa atual população.
Governava a Igreja Católica o Papa Pio X, filho de um humilde carteiro de Riese, localidade situada ao norte de Veneza.
O Brasil tinha em sua direção o Presidente Hermes da Fonseca, que havia derrotado Rui Barbosa nas eleições de 1910. O Marechal Hermes, eleito com a promessa de acabar com os grupos oligárquicos dominantes, enfrentava alguns levantes, como a Revolta da Chibata e o do Batalhão Naval, prontamente sufocados, e a Guerra do Contestado, estourada em Santa Catarina.
Minas Gerais tinha à sua frente o Governador Júlio Bueno Brandão. Recreio, torrão onde minha mãe veio ao mundo, era, na época, distrito do Município de Leopoldina.
A dívida externa do Brasil atingia 1.391 contos de réis, o que equivalia a 93.334 libras. Surgiam no País vários movimentos de protesto contra a carestia.
Nair de Tefé, que viria a casar-se com o Presidente Hermes da Fonseca, fazia caricaturas na imprensa brasileira, colaborando em publicações como a "Gazeta de Notícias", "Careta", "Fon-Fon" e "O Malho".
A revista infantil mais lida era o "Tico-Tico", com personagens como o "Chiquinho" e o "Zé Macaco".
Era intensa a entrada de imigrantes no País. Os italianos já não detinham a liderança do processo migratório, pois o maior contingente era de portugueses, seguidos pelos espanhóis.
O anarquismo crescia. O seu grande apelo era a negação radical do Estado e da propriedade privada e o recurso à ação direta para a conquista da igualdade e liberdade.
Era um período com muitas greves, sendo de se registrar, em 1912, a de operários gráficos, têxteis e da indústria de calçados, de São Paulo, e a greve geral de Juiz de Fora (MG).
Foi nesse contexto e ao som dos batuques que comemoravam 24 anos da abolição da escravatura que nasceu Odívia.
Sua primeira viagem foi a Santos Dumont (MG), onde foi batizada em 31 de janeiro de 1913 pelo Padre Raimundo Vital Alves Pereira, na Matriz de São Miguel e Almas. Os padrinhos foram os tios maternos: António da Costa Grilo e Geraldina Maria de Lima Grilo.
Em 17 de fevereiro de 1916, uma tragédia atingiu sua família: a morte de sua mãe. No mesmo ano, faleceu, com poucos meses de idade, a irmã caçula.
Odívia foi, então, colocada aos cuidados da tia Antonieta Carrano Gouveia, que dela cuidou com desvelo e carinho, em um momento em que a falta da mãe era tão sentida.
Quando o pai casou-se pela segunda vez, em 24 de dezembro de 1918, a menina, então com seis anos de idade, passou a viver com a madrasta, Maria José Guimarães Carrano, que sempre a tratou com todo respeito e atenção.
O apoio recebido pela criança permitiu que ela mantivesse seu equilíbrio emocional e curtisse com alegria as brincadeiras à sua disposição na pequena cidade onde nascera.
Logo chegou a hora do estudo no Grupo Escolar Olavo Bilac, tendo a menina se destacado pelo interesse e bom aproveitamento.
A tranquila vida do interior mineiro emoldurava os dias de minha mãe, dedicados ao aprendizado e aos divertimentos infantis.
A Primeira Guerra Mundial preocupava os adultos, mas a pequenina não se interessava pelo conflito, com pouca repercussão na região.
Os negócios de seu pai progrediam e a família crescia. Sete irmãos nasceram no período de 1919 a 1938.
O apego aos estudos levou José Carrano a matricular a filha, como aluna interna, na Escola Normal de Cataguases, fundada no mesmo ano do nascimento da adolescente.
Ali, Odívia formou-se professora em dezembro de 1928, tendo sido a oradora de sua turma. Em sua caderneta escolar foram feitos os seguintes registros pela Diretora do educandário:
a) por seu modo de agir na prática do magistério, foi a melhor das tirocinantes;
b) foi sempre assídua, carinhosa, enérgica, apesar de sua natural bondade, o que mostra que estas duas últimas qualidades não são contraditórias;
c) apresentou sempre ótimas preparações de lições;
d) é delicada e revela vocação para o magistério;
e) na qualidade de aluna interna, foi sempre irrepreensível, deixando no Colégio o seu nome escrito na coluna das exemplares;
f) a sua banca examinadora, no fim do curso, apesar de não ser do Regulamento o louvor, pediu permissão para que a sua nota de exame de "Prática Profissional" fosse distinção com louvor.
Em um certo dia, Odívia encontrava-se em Recreio, debruçada sobre o parapeito da janela de sua casa, quando um militar que passava pela rua chamou sua atenção. Era Wilson, então vinculado à Marinha, onde cursava a Escola de Aviação Naval. Os dois trocaram olhares interessados, iniciando um belo romance.
Como José Carrano entendia que a filha era muito jovem para namoro, não houve muita facilidade no relacionamento dos jovens.
Diante dos movimentos revolucionários que ocorreram no País, com a participação dos militares, Wilson foi punido com o desligamento da Armada. Retornando a Recreio, reencontrou Odívia já com os estudos concluídos, e estabeleceu-se na localidade, trabalhando na ceràmica de seu irmão Leónidas Albuquerque.
Anistiado pelo Governo, Wilson póde voltar à Marinha, talvez com recompensadora patente e remuneração.
Mas ele tinha seu coração preso à linda professora e o sogro entendia que a delicada filha não poderia residir no Rio de Janeiro, longe da proteção paterna e sujeita às constantes viagens do marido. Era a Odívia ou a farda.
O amor à namorada, a mais bela e meiga jovem que havia conhecido, fê-lo permanecer em Recreio, alheio aos pedidos das autoridades militares para reincorporar-se.
O casamento civil foi realizado naquela localidade em 21 de junho de 1930, às 17 horas, pelo Juiz de Paz Sebastião da Costa Neves. O enlace religioso, celebrado pelo Padre Vito Guido, ocorreu no mesmo dia.
O matrimónio foi, certamente, a decisão mais importante das vidas dos noivos, aquela que lhes permitiu vida em comum durante mais de 48 anos, com amor, lealdade e dedicação, tanto nos momentos tristes como nos felizes.
Em 7 de novembro de 1931, o Presidente do Estado de Minas Gerais, Dr. Olegário Maciel, assinou a nomeação de Odívia para o cargo de professora do Grupo Escolar Olavo Bilac, de Recreio (MG), onde lecionou até 1953.
O casal teve um punhado de filhos: José, em 1932, Luís, em 1934, Maria Patrocínia, em 1936, Maria Emília, em 1938, Paulo, em 1939, Maurício, em 1941, Pedro Wilson, em 1943, Daniel, em 1946, Eduardo, em 1949, Maria Georgina, em 1953, e José Maria, em 1957.
Pais amorosos, Odívia e Wilson tudo faziam pela prole, esforçando-se para que nada lhe faltasse.
Sempre me senti seguro com a presença e o apoio de minha mãe. Sua tranquilidade e os carinhos dispensados aos filhos davam-nos a proteção necessária à nossa evolução.
Suas zangas e palmadas eram sempre leves e bem absorvidas. Nós mesmos dizíamos: pancadas da mamãe não doem.
Os filhos não prejudicavam a atuação da professora, sempre competente e querida por seus alunos. Por outro lado, as aulas nunca atrapalharam a criação dos meninos e meninas que agitavam a casa.
Como já havia dito a Irmã Maria Madalena de Pazzi, Diretora da Escola Normal de Cataguases, mamãe sabia combinar amor com energia.
Assim, os cuidados com a educação, saúde e a alimentação dos filhos eram constantes e prioritários.
Não deve ter sido fácil para a minha mãe lidar com tantas e tão travessas crianças, mas ela solucionava os problemas que apareciam com paciência, sabedoria e firmeza.
Em 1953, meus pais resolveram residir em Leopoldina (MG), onde a maioria dos filhos estudava em colégios internos. Como Odívia lecionava em Recreio, tinha de enfrentar, diariamente, com a Maria Georgina no ventre, desconfortáveis viagens nos ónibus que ligavam as duas cidades.
Felizmente, o Governador Juscelino Kubitschek transferiu minha mãe para o Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em Leopoldina, onde exerceu o magistério até sua aposentadoria, deixando fama de professora de grandes predicados.
A "Gazeta de Leopoldina", em sua edição de 24 de fevereiro de 1957, no artigo "Aposentadoria", assim se referiu ao encerramento de suas atividades escolares:
"Pelo Governo do Estado, acaba de ser aposentada a professora Odívia Carrano de Albuquerque. Lecionando durante longos anos no Grupo Escolar Olavo Bilac, de Recreio, e, ultimamente, no Ribeiro Junqueira, Dona Odívia, mestra competente e mui dedicada, fez-se credora da estima de seus numerosos ex-alunos e da consideração das autoridades escolares. Nos últimos meses, bibliotecária no Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, reorganizou a valiosa biblioteca, facilitando às colegas e aos alunos o intenso movimento das consultas. Recebendo, agora, o merecido prêmio aos seus esforços, a Gazeta envia-lhe felicitações".
Os momentos difíceis foram muitos em sua vida, mas a minha amada progenitora sempre os enfrentou corajosamente. Seu maior sofrimento ocorreu, certamente, com a morte dos filhos Eduardo e José Maria.
O mundo mudava aceleradamente, mas minha mãe absorvia bem as modificações ao seu redor.
Acompanhou, preocupada, a Revolução de 1930, a Segunda Guerra Mundial, as Guerras da Coréia e do Vietnã, o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jànio Quadros, o Golpe Militar de 1964, a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética e o crescimento das armas atómicas.
Presenciou, também, o galopante desenvolvimento científico, com reflexos positivos na vida do homem. Assistiu, ainda, pelos meios de comunicação, a chegada do homem à Lua e a transferência da capital do País para Brasília.
Ela e o marido não conseguiam ficar afastados dos filhos. Para acompanhar seus estudos em Leopoldina, haviam mudado de Recreio para aquela cidade. Da mesma maneira, transferiram-se para o Rio de Janeiro, onde a prole teria um campo mais fértil para desenvolver-se profissionalmente.
No Rio, Wilson, acometido por grave enfermidade, passou a receber toda a atenção da esposa, até o seu falecimento em 1978.
A doença e a morte do companheiro foram golpes que Odívia muito sentiu. Entretanto, não se deixou levar pelo desànimo, pois os filhos, apesar de crescidos, sempre precisavam de seu alento, compreensão e carinho.
De repente, aquele bebê de 1912, a escolar de 1920, a professora de 1928 e a jovem esposa de 1930 vê-se no Século XXI, completando em 13 de maio de 2000 oitenta e oito anos de vida.
Felizmente, a idade não a atingiu. Bebeu água da fonte da juventude. E continua bonita e saudável.
E ela vê, com orgulho e alegria, os filhos à sua volta, todos realizados, acompanhados dos filhos e netos.
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