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Textos_Juridicos-->COMO A JUSTIÇA ACABA COM A JUSTIÇA -- 13/07/2011 - 21:15 (Alfredo Bernacchi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A FROTA GUANABARA DE TRANSPORTES LIGEIROS SA interligada ao drama pessoal de quem viveu a sua história, o Sócio Fundador, Diretor Técnico Alfredo Bernacchi e seu pai o “Presidente”.
Recolhida de trechos da Auto-biografia do autor. É autêntica, realista e vai atender à curiosidade de quem se interessar pelo assunto.

CHEVROLET 39 (1960) 19 anos

O meu pai não ia bem dos negócios. O tal edifício 24 de Maio que ele construiu, acabou com ele. Vendeu tudo que tínhamos para terminar a obra e ainda faltava. Isso porque alguns não pagaram o que resultou numa demanda judicial. Vinte anos após o processo sumiu do fórum e tudo acabado. Situação realmente difícil.
Havíamos perdido nossos apartamentos em construção, também o que havíamos comprado na Praia da Bandeira e a casa em Vila Valqueire. Foi caminhão, carro, máquinas, tudo, para terminar a obra e receber… Terminou com um processo extraviado e no prejuízo total
Minha vida era boa. Tinha saúde, descontração e a amizade dos meus pais, irmãos e amigos.
Como adolescente tinha tudo o que poderia esperar da vida. Era feliz no meu pequeno mundo interior entre clubes, festas, praias, garotas e amigos… Mas só tinha uma coisa que incomodava: Eu não achava justo que ainda estudasse sem contribuir financeiramente para a família, enquanto o meu pai, muito abatido, se rendia às injustiças da vida. Sem trabalho, sentia-se mal quando passava em frente a uma obra qualquer.
Larguei os estudos antecipadamente pagos com um gravador de rolo que o meu pai tinha e com 18 anos fui trabalhar com o meu tio Carlos, irmão mais novo do meu pai, numa pequena empresa no ramo industrial de tintas, que ele iniciou. Formamos a “ALCAR Comércio e Representações Ltda.”. AL de Alfredo e CAR de Carlos.
Eu muito novo e inexperiente, esforçava-me no que me dessem para fazer mesmo que fosse vender tintas e pastas de limpeza, coisa intragável para mim.
A empresa ia indo, até que o meu pai me recomendou sair fora. Os negócios do meu tio fornecendo produtos para o governo estavam ficando meio esquisitos. O meu pai devia saber o que estava dizendo e só queria o melhor para mim. Então não hesitei em buscar um novo trabalho.
Pensando em alternativas falei com um barbeiro que estava vendendo um taxi (Chevrolet 1939). Perguntei e ele respondeu, quanto às possibilidades e os ganhos. Dava para faturar Cr$ 30.000,00 por mês. Achei fantástico, porque resolveria o nosso caso de imediato. O meu pai poderia trabalhar de dia e eu à noite ou vice versa. E se trabalhássemos juntos, ainda ganharíamos muito mais.
O barbeiro queria CR$ 220.000,00 mas eu só tinha CR$ 90.000,00 que conseguira como indenização no trabalho da ALCAR.
Precisaria conseguir um empréstimo num banco, ou coisa assim. Falei com um gerente lá da Ilha do Governador e ele me disse que concederia o empréstimo, mas que eu precisaria de um avalista.
Então eu pensei logo no meu tio, empresário da construção civil, muito rico, mas não só rico, como muito amigo. (pelo menos, na minha ingenuidade eu pensava assim). Fui falar com ele. Álvaro Rebecchi, o meu tio Bibi. E ele negou… Arranjou uma desculpa técnica e negou.
Que decepção!… Um tio que fazia guerra de travesseiros comigo e com o meu primo, que me levava para as férias com o filho dele, que me acolhia passando dias na sua casa, (Ou era só para ser bobo da corte do meu primo, paralítico de uma perna?!), que desabafava comigo as suas dificuldades com a minha tia, negar ser avalista de um empréstimo, coisa tão pequena que ele poderia meter a mão no bolso e me dar dado, até?! (*) Metade de um Chevrolet velho de antes da 2a guerra mundial?! Mesmo sabendo qual a importante razão, o meu pai em situação difícil e eu querendo ajudar?!… Negou ser avalista do filho da minha mãe, quase criada com ele, sua cunhada e amiga?!… Que estava passando apertos sérios com seus 5 filhos?!… Todos, sobrinhos dele e da sua rica mulher?!… Primos de 1o grau, amigos do seu único filho?!… Coisas de rico!… Ricos de dinheiro, pobres de espírito. Milionários de dinheiro e miseráveis de espírito! Ah!… se houvesse inferno!...

(*) A exemplo do meu cunhado José Arley, que para ajudar o meu filho no início do seu negócio (1996) ofereceu-lhe, sem que ele pedisse, US$ 2.000,00 para que ele pagasse a perder de vista. Oito vezes mais do que eu pedi ao meu tio, que avalizasse para mim.

Nunca mais o vi nem falei com ele pro resto da vida, e desde esse dia o meu primo passou a ser apenas o chato que ele sempre foi realmente. Acabou o paparico. Morreu e eu não quis saber como foi.
Esse meu tio poderia ter sido a mola mestra que impulsionou toda a Frota Guanabara de Transportes, até hoje, e o co-gerador da grande fortuna que todos iremos receber um dia, mas ao contrário, foi execrado definitivamente da minha vida – Egoísta! De geração encerrada! O fim dos Rebecchi.
Se um dia eu for um homem rico, como em breve serei, vou dizer a ele:
“ Isso tudo, veio do carro velho, que você não quis me ajudar a comprar!…”
Um colega de clube que jogava sinuca com o meu pai, o Capitão Gonçalves da Aeronáutica, assinou a fiança, comprei o carro e fui pagando ao gerente, Sr. Ivo do banco do Cocotá, onde a minha irmã teve o seu primeiro emprego. Paguei tudo, até o fim.

GALEÃO (1960)
Bom, eu tinha 19 anos e ainda sem carteira de motorista trabalhava só de noite na Ilha do Governador com o carro que comprei, fazendo ponto na pracinha principal e o meu pai rodava de dia por aí afora. Parava em qualquer lugar do RJ e passou a ganhar dessa forma o sustento da nossa família. Minha mãe e mais quatro irmãos mais novos. Eu me orgulhava muito de ter resolvido o nosso problema econômico e já sonhava com o meu futuro nos taxis.
Era muito emocionante quando, trabalhando, parava o meu taxi no ponto. Aquele silêncio e o frescor da noite, na Ilha. Identificava-me quando na infância ficava esperando um balão cair apagado.
Às vezes, eu era o único taxi no ponto, por toda a madrugada. Todos já haviam se recolhido e eu ali ficava horas e horas aguardando. Um silêncio… Um frio… Às vezes, voltava alegre para casa contando a aventura do novo trabalho. Às vezes, voltava triste por não ter conseguido um único passageiro, a noite inteira.
Passando eventualmente pelo Aeroporto Internacional do Galeão, via aqueles taxis parados no ponto. A noite toda… Lugar estranho, lúgubre, sombrio, deserto... Alguns policiais… Todo mundo dormindo… Aquelas luzes todas acesas e um silêncio sepulcral... Ficava pensando com os meus botões:
 Como será, parar nesse ponto? Por que essa gente fica aí à-toa?! Não são principiantes nem estão sem a carteira, como eu… Então, por que não vão para a cidade? Ficam aí parados, sem viva alma para pegar um taxi?!…
Quando tirei os meus documentos, em fim, não deu outra: Galeão. Só por curiosidade. Nem imaginava na encrenca que estava me metendo.
Foi uma graça quando eu, garoto inexperiente, encostei o meu Chevrolet 39 naquele reduto de bandidos da bandeira 2.
Era o Paraíba, o China, o Lobisomem (por acaso meu xará), o Tum, o Sabará, o Bolero, o Tião Medonho, os irmãos Barroca, cada um mais feio que o outro, mais apavorante que o outro, com aquelas cigarrilhas nos cantos da boca, mascando charutos fedorentos, barba por fazer, olhar irônico, ameaçador, fama de maus… (Eu apenas tinha 19 anos, talvez fosse o mais novo motorista que apareceu (e ficou) um dia por ali, e assim os via).
A maioria fazia aquela cara de mau, mais como defesa do que outra coisa. No fundo eram homens comuns, chefes de família defendendo os seus interesses. Companheiros que se ajudavam mutuamente. Porém, com certeza, misturados a outros, falsos como cobra, mais perigosos, mais covardes, mais estúpidos, mais ladrões. Precisou algum tempo para distinguir cada um.
A aparência geral era de uma máfia, nojenta, com um ponto fechado, protegidos pela corrupção dos guardas de trânsito que ali trabalhavam e ninguém se atrevia a parar lá. Eles eram os donos do lugar.
Imaginem que os passageiros dos aviões internacionais chegavam, aqueles “gringos” vermelhos ou amarelos de olhos puxados, eles estavam jogando Ronda (baralho a dinheiro) e sequer paravam para atender os passageiros que ficavam como idiotas, ali mesmo, em pé, com as bagagens no chão, esperando. Primeiro terminavam o jogo. Depois, atendiam os passageiros e muito mal, diga-se de passagem. Cobravam quanto queriam, em dólares, em yens, em libras, pesos, etc., e ainda faziam lotação. E imaginem eu, com um carro velho, tão pouca idade e tão novo de carteira querendo fazer ponto logo ali. Impossível!…
Claro que na primeira vez que eu encostei lá, bem na hora do avião desembarcar houve uma “inspeção de trânsito” e não sei por qual irregularidade os guardas apreenderam a minha carteira novinha em folha. Uma semana depois lá estava eu de novo e apreenderam de novo. E eu pensava:
 Aí, tem coisa… e eu vou descobrir o quê.
De outra vez, uns “colegas” até me convidaram para tomar um café. Pensei:
 A coisa está melhorando…  Quando voltei tinham furado os meus pneus.  Ah, é?!…
No dia seguinte eu voltei. Com um canivete automático num bolso e a pistola 6.35 automática do meu pai no outro, disposto a encarar a briga. O que desse e viesse.
Entrei na fila. Quando o avião chegou e a fila começou a andar, o cara da minha frente enguiçou o carro (de propósito) me prendendo atrás dele. Um outro carro, haviam esquecido parado atrás de mim, me imobilizando. Os outros, mais do que depressa, saíram lá de trás e se puseram no vão que se criou à minha frente. Dei marcha à ré, empurrando o carro com força, e saí de trás do esperto, mas já estavam todos arrumados em fila, sem espaço para o meu carro. Não tendo outro jeito, fui lá pra frente e me coloquei na frente de todo mundo. Os guardas não estavam por perto (Porque se estivessem eu ficava no prejuízo). Aí começaram a avisar:
 Ih!... Esse aí é o carro do Paraíba! Sai daí!… Tira esse carro daí, garoto!…
Quem me conhece um pouco já sabe. Eu encarei com toda a fúria dos meus 19 anos.
 Paraíba é o &$%&& !! Vão pra #&%!! Quero ver qual é o filho *@%$(#) que vai me tirar daqui!!!.
Apareceu o Paraíba (um coroa lá pelos seus 40 anos), gingando, cheio de decisão, mas a minha era maior. Era uma situação difícil e isso todo dia, cansava. Você era “persona non grata” o tempo todo, no meio de uma porção de “colegas” de profissão. Era muita pressão e a maioria desistiria. Mas eu, não.
Eu aprendi foi muito com isso. Foi uma lição de vida. Da parte ruim. Passei a defender sempre o que é o meu de direito, com unhas e dentes (E outras coisas). Passei a conhecer a corrupção, a covardia, a inveja, o cinismo, a falsidade, a desigualdade, o egoísmo, a maldade, a contravenção, a malandragem e outras porcarias do meio. (Não é à toa, que o taxista é mal visto)
Eles, no fundo, não eram de nada!… Só fachada. E como disse, misturados como em toda a sociedade. Os piores eram os covardes. Só pegavam por trás, como eu vi, muitos colegas levarem socos, tapas, pancadas com o rabo de macaco e até chave de roda. Uns provocavam pela frente, outros batiam por trás.
Naquele dia, ali mesmo fiquei e por isso mesmo ficou. Peguei o meu passageiro e fui embora.
Na volta, todo cuidado era pouco. Uma vez, eu me distraí e eles furaram os meus pneus de novo. Fiquei quieto. Mais tarde, passei o canivete em pelo menos oito pneus. Paguei na mesma moeda. A diferença é que eles sovelavam, furavam. Faziam aquele furinho com furador de gelo, que vai deixando o ar sair aos poucos, e eu, sem entender lá muito disso, metia a lâmina do canivete, inutilizando os pneus dos que eu conhecia muito bem. Não deixei pistas nem testemunhas.
Foi uma gritaria geral. Vieram pra cima de mim mas não tiveram provas nem coragem. Eu neguei e não deu em nada. Eles sabiam que eu andava armado e se intimidavam, mas não sabiam como nem quando.

O SEU ALVES (61) 20 anos

Lá no Galeão, onde eu estava fazendo ponto com o meu taxi, a coisa continuava feia. Sofria na mão dos guardas e quanto mais eu ficava com raiva, pior. Minha carteira vivia mais tempo presa do que comigo. Aí, aos poucos, eu aprendi a viver sem ela, o que me valeu pro resto da vida.
E um dia, finalmente, chegaram à conclusão de que eu não ia desistir e me convidaram pra fazer parte da caixinha dos guardas. Nessas alturas, o meu pai já estava lá, também, porque eu lhe dei todas as dicas de que se podia faturar ali..
O “seu Alves” chegou de mansinho, encostou o carro lá atrás, pediu uma sobra de corrida que ninguém quisesse e tocava violão… Aos poucos, um foi chegando pra ouvir, outro para cantar, e quando menos se esperava, o meu pai, de seresteiro de motoristas já era o meu “concorrente” mais próximo.
Com o jeito dele de liderança e com o tempo (anos), começou a cativar os mais expertos, mais sérios, e incutiu na cabeça deles a necessidade de uma organização. Outros não gostaram, não participaram e dificultaram até o fim. Houve muita divergência, muita discussão e muita briga. Os irmãos Barroca se dividiram. O Luiz ficou e progrediu. O Antônio, fez até planos de matar o seu Alves (Depoimento dele mesmo, anos depois), mas desistiu. Não agüentou e foi embora.
Eu admirava alguns colegas como o Neguinho Sabará que uma vez, num acidente com um avião que foi parar dentro do mar, saltou da ponte do Galeão para salvar um passageiro que se afogava. Um verdadeiro herói. O Nizo, com aquela postura toda, o Constantino “Vaselina”, com todo aquele finesse, o Narciso, educado, bom rapaz, o Saul, em sua tranqüilidade, bom amigo, emprestou-me o seu carro para trabalhar, quando o meu bateu, uma vez. O Cezar, aquele emproado honesto, o Walter, com aquela austeridade, o Tum, com sua engenhosidade e camaradagem. O China, que praticamente dirigia dormindo (nem pra casa ia), mas era uma mãe de bondade e passividade. Vítima de muitas brincadeiras. Vivia sentado ao volante dormindo de boca aberta e o pessoal enchendo a sua boca com bolinhas de papel. Nem assim ele se zangava.
Um dia o China, conseguiu chegar ao ponto, mas dormiu antes de parar o carro. Resultado: Saiu batendo nos carros estacionados, com aquele Crysler “Tanque de Guerra”.
Certa vez o China era o primeiro da fila. Estava dormindo, como sempre, junto ao volante. Um colega abriu a porta traseira do seu carro, e disse:
Copacabana!…  e bateu a porta, ficando do lado de fora.
O China dormindo ligou o carro e foi embora com o carro vazio, levando ninguém, não se sabe até aonde.
Inspirado naquelas personalidades estranhas e tendo que fazer parte do conjunto, com os mesmos propósitos, passei a fumar cigarrilhas, como uns, (apertando-as com os dentes como o Alfredo Lobisomem, ou deixando-as no canto da boca, como o Sabará), cachimbo como outro, charuto como outros. Só de farra, era claro. Eu era um garoto de 20 anos.
Os colegas gostavam muito de se reunir no meu carro para jogar ronda. Não sei por que, o meu carro. Em algumas vezes, participei também. Produto do meio. Mas às vezes enchiam o saco e eu não podia tirar um cochilo com aquela fumaceira dentro do carro.
Certo dia, para tirá-los do carro, comprei um charuto, daqueles grandes, bem fedorentos, e passei a soprar aquela fumaceira toda dentro do carro também. Eles acabaram saindo, mas eu vomitei a tarde toda, enjoado como fiquei.

BATIDA NO ÔNIBUS (61)

O meu carro era velho (Chevrolet 39). Bom de motor, mas com uns probleminhas crônicos,
como o freio que só pegava depois da terceira bombeada (pedalada).
Uma vez, fazendo uma manobra de ré, a direção quebrou. Desengatou uma peça lá em baixo do carro. Dei um jeitinho, amarrei com um arame e fui com todo o cuidado para a oficina.
Lá na curva do Corpo de Bombeiros, na Ilha, o arame se soltou.
Vi um ônibus da Paranapuam que havia saído do ponto (por sorte), crescendo na minha frente. Pisei no freio uma vez, duas vezes e… o pavor colou o meu pé no fundo da tábua e não consegui bombear a terceira vez. Deitei-me no banco. O meu carro entrou pela frente do ônibus, pegando meio de lado. Foi poeira pra todo lado, água, e estilhaços de vidro.
Sobrou para a minha irmã (Amarilis), que tinha acabado de receber um aviso prévio do banco onde trabalhava. Tadinha… Nem viu a cor do dinheiro. Foi tudo no conserto do calhambeque.

FORD 51 (1961)

Comprei um Ford 51 e ficamos com dois carros. Por longo tempo passei a fazer parte da máfia do Galeão, mas só no sentido de explorar o passageiro. Com vinte anos, eu lá tinha noção do que era certo ou errado? Se era pra meter a mão nos turistas, então vamos fazer isso direito!
Por isso ganhei o apelido de 5.000 (Cinco mil). Uma corrida para Copacabana, no relógio, dava Cr$ 350,00, mas eu cobrava caro e chegava a cinco mil. Isso deu muita confusão e uma vez fui obrigado a devolver o dinheiro a um passageiro, o que gerou o apelido.
A diversão, a vantagem, era saber quem conseguia cobrar mais. (Sem bronca!…)
Havia aqueles passageiros que, sem nenhuma noção do valor do dinheiro e falando patavinas de português, abriam um leque de dinheiro, pedindo para o motorista tirar o que fosse devido. Isso era comum, principalmente entre os japoneses. E havia os motoristas que “fechavam o leque”, isto é, ficavam com tudo, e não comentavam com ninguém. Japoneses ainda achavam graça, hi, hi, hi!...
Passageiros, fossem quem fossem, que viessem com a história de pagar só o que o taxímetro marcava, ficavam no caminho. Geralmente na Ilha do Fundão pra não ir muito longe. Dali o cara penava para sair e ainda estava sujeito a ser assaltado com aquele monte de malas na rua.
Ora o carro enguiçava, ora o motorista passava mal, e às vezes, como eu, mandava o passageiro descer simplesmente e jogava as malas dele na calçada.
Uma vez, fiz isso com um funcionário graduado do DAC e deu uma confusão danada. Mas confusão, era confusão, que terminava tudo bem. Eles precisavam de nós também.
Eram tantos golpes que os colegas aplicavam nos passageiros que não dá pra contar todos eles.
O taxímetro do Tum tinha quatro marchas com caixa de câmbio e tudo. Dependendo do passageiro ele já saia de 4a.
Às vezes, quando havia dois passageiros a gente levantava a bandeira dois. Chegando ao destino com o preço já bem alterado, a gente ainda multiplicava por 2. Dois passageiros, então multiplica por 2… não é ? Outros travavam o taxímetro. Quando chegava ao destino ele alegava defeito e cobrava o que queria. Outros juntavam vários passageiros e cada um que saltava pagava o valor que estivesse marcando. Outros pintavam mais um zero no taxímetro o que multiplicava a corrida por 10. Outros transformavam os valores de cruzeiros para dólares, e outros, quando se perguntava: How much? Diziam simplesmente: Five Thousand (cinco mil). Alguns pagavam. Outros mandavam me prender.
Aliás, foi assim que comecei a aprender inglês e espanhol.
Na verdade, um pouco de tudo era necessário porque se nós não retornássemos, voluntariamente aquele ponto, quem iria transportar os passageiros lá daquele fim de mundo?! No mínimo tínhamos que receber ida e volta, o que acabou acontecendo com a legalidade da organização.
Passávamos horas e horas a fio, sem sair do lugar. Às vezes por toda a noite, para fazer uma única corrida já com o sol raiando numa fria madrugada. Pra receber o que marcava o taxímetro?!… Impossível.
Eu era um dos que dormiam (literalmente) no ponto. Levava travesseiro e cobertor para enfrentar as noites úmidas. Muito desconforto, muita privação. Quem passa uma noite de plantão num ponto de taxis, precisa se alimentar, também. Aonde?!…
No ponto do Galeão era costume de todos correr muito, para voltar rápido e ainda recolher passageiros do mesmo vôo que, sem mais opções, ficavam aguardando o retorno dos carros.
Eu, praticamente me criei na Av. Brasil, fazendo Galeão - Copacabana, a 120 Km / hora. Primeiro com o Chevrolet 39 que não andava tanto, mas depois, com o Ford 51, a coisa mudou muito.

O GUARDA (63)

Era pra lá e pra cá, no Galeão, faturando com o Ford 51, até que atropelei um sujeito na Av. Brasil, com tanta força, que o cara voou 30 metros e quando caiu parecia mais um saco de batatas. O meu carro não saiu mais do lugar. Para todos eu dizia que foi um cavalo na estrada. (Ele foi totalmente culpado), mas hoje eu não ultrapasso mais um ônibus sem ter total visibilidade e, muito menos, a essa velocidade.
Resolvi eu mesmo consertar o amasso do Ford, e nesse meio tempo, comprei um Cadillac 47. (Na foto, atrás do batido).
Lá pelas tantas, precisei levar o Ford, mesmo em estado de recuperação, para uma oficina fora da Ilha.
Vinha cruzando a pista, na jurisdição da Aeronáutica, sem os pára-lamas da frente, sem farol e o carro cinza da pintura de base, quando na altura do aeroporto um motociclista da Aeronáutica me mandou parar.
 Pois não, seu guarda… Estou levando o carro para a oficina aqui pertinho…  fui logo justificando.
 Deixa ver seus documentos e os do carro também!  Com aquele nojento ar de superioridade.
Examinou os documentos, reteve-os na mão e foi logo adiantando:
 Sua carteira vai ficar apreendida e o seu carro vai ficar preso. Deve ser recolhido ao DETRAN.
 O que é isso seu guarda?!… Eu só estou levando o carro pra oficina!…
Levantou a bandeira dois do taxímetro e enterrou-a para o outro lado:
 Esse taxímetro está adulterado! O carro está preso. Vamos embora!…
 Mas o Sr. quebrou o meu taxímetro!… E eu nem estou trabalhando!…
 Está irregular. O Sr. não pode andar com ele assim desse jeito, sem pára-lamas, nem nada!… Queira me acompanhar!… — Queria ir seguindo na frente para que eu o acompanhasse. Eu era um garoto. Minha carteira era nova… O lugar era deserto, aquele cara estava abusando!...
 De jeito nenhum, seu guarda!… Eu não estou cometendo infração nenhuma e não posso ter o carro preso, só porque o estou levando para a oficina. Ora está sem os pára-lamas, justamente porque está indo para a oficina!… Não posso pagar um reboque porque é muito caro  argumentei e argumentei… nada!
Para criar dificuldades, já que não tinha jeito, eu engrossei.
 Bem, então o Sr. providencie o reboque porque eu não vou levar carro nenhum!…  e comecei a pegar as minhas coisas. E ele:
 De jeito, nenhum!!! Você vai levar o carro, sim senhor!…  insistiu cheio de rancor.
Bem, aí ele extrapolou, porque legalmente eu não era obrigado a levar o carro, mas isso ia estragar o dia dele. Ficar ali tomando conta do carro até que um reboque do DETRAN aparecesse e eu já estava a fim de armar o maior circo. Aí pensei:
 Se eu estivesse no Aeroporto, lá perto dos meus colegas de taxi, ele não poderia fazer nenhuma arbitrariedade. Aqui estou sem testemunhas, nas mãos desse cara, armado, se dizendo autoridade… Estou frito!...
 Está legal, seu guarda. Eu vou levar — e saí em direção ao ponto de taxis que era mais adiante.
Quando chegou à curva da entrada do aeroporto, diminuí a marcha para entrar. Ele percebeu e diminuiu também. Aí, acelerei mais forte e ele me acompanhou. Dei uma freada brusca e uma guinada para a direta em cima dele, mas o guardinha não se amedrontou. Tive que parar o carro no meio do cruzamento da entrada principal do aeroporto.
Dali já fui pegando as minhas coisas (eu estava cheio de livros, daqueles tipo contabilidade) e disse:
 Daí, pra frente é com você  muito folgadamente.
Ele me peitou, muito puto, e eu deixei os livros todos caírem e se espalharem pelas ruas. (bem no meio). E aí, começou o fuzuê.
Discute daqui, empurra dali, começou a juntar gente e parar o trânsito.
 Você está preso por tentar atropelar uma autoridade!!! — vociferou .
 Pode prender, mas o carro é você quem vai levar!  retruquei.
E aí se armou tamanha confusão, chegou tanta gente querendo saber o que aconteceu, os meus colegas do ponto logo juntaram ao meu favor, engarrafou o trânsito, os carros buzinavam, os ônibus não passavam mais, que eu nem me lembro mais o final.
Se ele me prende, o carro fica no meio da rua. Quer que eu tire o carro, mas eu não sou obrigado…
Só sei que preso, fui parar na Aeronáutica, aos cuidados de um comandante que, por acaso, tinha camaradagem com o meu pai.
Claro, que aí, com uma autoridade de fato, pude me explicar, expor as minhas razões e os motivos daquela confusão toda.
Quando o meu pai chegou já estava tudo certo e fui liberado para levar o meu carro para a oficina.
Eu já havia comprado dois carros e tinha planos de partir para o terceiro, o quarto e assim, sucessivamente, mas o seu Alves (meu pai), apareceu com aquelas idéias de modernidade, organização, cooperativas etc., e conseguiu que se criasse uma lei que proibia a exploração de taxis por motoristas autônomos, que era o meu caso. Isso eu não entendi a razão, por que nada tinha a ver uma coisa com a outra. Só por empresas a partir de então e nessa eu dancei, porque a única existente, era a dele. (Ou nossa se preferir… Mas não era a minha!…).
Ora, já fazia 6 / 7 anos, que eu vinha nesse negócio. Passei a maior dificuldade para entrar naquele reduto fechado. Superei a pior fase, agora já estava prático, apenas progredindo.
Com o meu carro segurei a despesa da família do meu pai, quando ele mesmo passou a trabalhar comigo. Eu só tinha um objetivo, desde quando larguei os estudos para trabalhar: Ajudar o meu pai a enfrentar os seus compromissos. Nunca foi por mim e continuava não sendo. O meu pai agora era como um sócio em tudo. Tínhamos ideais semelhantes e eu tinha o maior orgulho em tê-lo ajudado, mas os meus planos eram um pouco diferentes do dele. Eu pensava mais em mim, em nós, e n e os meus planos eram direcionados ao nosso benefício. Parecia uma coisa lógica e eu tinha toda uma vida pela frente para realizá-lo.

Para quem duvidar, está anexo parte dos meus rascunhos datados de 1962, onde formulo meus planos de futuro, nos negócios de taxi. E o meu raciocínio era muito simples: Primeiro porque eu tinha todo o tempo do mundo. Segundo, porque se eu havia comprado e pago o primeiro carro e da mesma forma o segundo, muito mais fácil seria comprar o terceiro e assim sucessivamente.
Há pouco tempo atrás, li uma reportagem de jornal que falava sobre um tal rei do taxi. O cara já tinha 800 carros acumulados e era rico. Porque eu não?!…
Nos meus cálculos anotados, eu não considero o Chevrolet 39 como um carro, porque não pretendia ficar com ele muito tempo, mas vende-lo. Considerava-o apenas como capital que acumulei para comprar e pagar o Ford 51. Já tinha também $ 360 para dar a entrada do próximo, no valor de $ 750.
Não teria dado certo, por quê?!…
Mas a Cooperativa frustrou completamente os meus planos. O meu pai enfiou na cabeça fazer um plano coletivo, altruísta, que envolvesse o progresso de todos por igual.
Acho que ele queria mais era aparecer, porque burro, ele nunca foi. Nunca precisávamos ter feito o que fizemos. Não tínhamos qualquer problema que bloqueasse o nosso progresso individual. Mas assim foi feito. E a vida continuou…

TRANSCOOPASS (65) 24 anos
Finalmente fundamos a TRANSCOOPASS. Uma cooperativa de motoristas com a finalidade de regularizar o que existia de bagunça no ponto de taxis do Aeroporto do Galeão. O meu pai, com sua grande visão empresarial, (desde a minha infância o meu pai já tinha empresas de construção e outras) já sabia que aquele era o futuro.
Alguém precisava providenciar a pintura dos 50 carros existentes e eu saí na frente montando uma oficina. Eu mesmo, com as minhas próprias mãos, pintei e lanternei a maioria dos carros dos associados. Criei o emblema que se baseava num losango deitado, um carro futurista no meio e o nome da empresa, metade em cima, metade em baixo.
As cores dos carros era preta em baixo, pois coincidia com a cor da maioria, teto prateado e uma faixa amarela dividindo. O emblema na porta, donde partia a faixa.
Aquelas assembléias eram um caso sério. Muitos interesses conflitantes, alguns inconformados e outros por pura ignorância.
Eu quantas vezes tive que defender o meu pai na base da porrada. Ele não tinha mais tempo para dedicar-se ao trabalho comum e não queriam dar-lhe um salário ou qualquer ajuda de custo como compensação. Um absurdo!
Aquela organização toda, a disciplina, a responsabilidade a ser assumida pelos associados, contrariou muita gente.
Acabou a caixinha dos guardas, principalmente porque passamos a ser melhor controlados pela Aeronáutica.
Muitos colegas acostumados a ganhar muito (roubar muito), inicialmente boicotavam o que podiam, mas com o tempo e a certeza de que a empresa era irreversível, os inconformados preferiram outras paragens.
Eu fiquei e me enquadrei, embora reconhecesse que era frustrante ao invés de cobrar à vontade, 3 mil, 4 mil, tinha que me conformar com aqueles Cr$ 750,00 que já vinham impressos no bilhete. Já não daria mais para desenvolver o meu próprio plano mesmo, o jeito era empurrar a cooperativa para frente.
Além de motorista, tinha a minha oficina, e às vezes trabalhava no Caixa com o Sr. Eli, o contador, mas não deixava de fazer os meus câmbios por fora. Por isso o meu caixa era uma bagunça. Às vezes faltava dinheiro, às vezes sobrava um dinheirão, e o Sr. Eli no meu pé.
 Você não pode fazer câmbio aqui. Tem que mandar o passageiro na casa de câmbio (ali ao lado mesmo) trocar o dinheiro primeiro.
É que o contador não chegou a conhecer bem o “Cinco mil”. Imagina… eu lá era de mandar lucro pro negócio do vizinho?!…
Demos os nossos carros de entrada na compra de carros novos. O Sr. Alves foi o mentor do negócio de ponta a ponta. Eu apenas ficava como de conselheiro (crítico), chamando a atenção para todas as coisas erradas e enchendo a cabeça dele de idéias novas. Também tinha o meu modo de ver as coisas e quantas vezes disse pra ele que estávamos botando azeitona na empada dos outros. Muito trabalho, favorecendo a terceiros que ainda achavam que o Sr. Alves deveria trabalhar de graça. Precisávamos fazer uma empresa nossa! Só nossa, conforme eu imaginara pra mim um dia.

SINCAS (65)

Quando chegaram os Sincas, novinhos em folha, 50 de uma vez, já pintados nas novas cores da cooperativa, o Galeão mais parecia uma casa de marimbondos. Era vapt pra lá e vupt pra cá. Todo mundo. Aí, eu já voava a 140 km/h.
Como bom profissional eu não assustava os meus passageiros na estrada, com raras exceções. Meu critério era o seguinte: Enquanto o passageiro estivesse descontraído, conversando, eu apertava o acelerador com toda a elegância. Isto é, nem freada, nem guinada, nem arrancada. Sem dar qualquer solavanco com o carro. Quando ele calava e ficava de olho no trânsito eu diminuía.
Dois casos interessantes marcaram a minha lembrança.
Uma vez um brasileiro chegou apressado e pediu um motorista rápido que o levasse ao Aeroporto Santos Dumont, pois ele estava a ponto de perder um avião. Eu estava na ponta da fila e o pessoal disse ironizando:
 Pode ir nesse aí mesmo que o senhor vai bem…  Eu gostava!…
Já saí cantando pneu, dessa vez sem elegância, e nem bem chegou ao final da Ilha do Fundão o passageiro pediu pelo amor de Deus para parar de correr porque ele não estava mais agüentando. Tinha amor à vida e não sei mais o que, e preferia perder o avião. Pode acreditar. Em menos de 2 km o cara mudou de idéia.
Também, depois das manobras e ultrapassagens que eu fiz até ali era difícil não se mijar.
Outra foi com quatro passageiros jovens. O da frente ia virado para trás conversando animadamente com os do banco traseiro. E eu, como era costume, fui acelerando, acelerando, acelerando, e eles nada… Não pararam de conversar. Nunca vi assim. Não me deram a dica para diminuir!…
Aí, só para experimentá-los, pisei mais fundo ainda. Avancei sinal, entrei pela conta mão, passei a todo mundo que encontrava pela frente, sem perder a elegância. Sem dar tranco nem solavanco no carro. Lá em Copacabana entrei pela Av. Atlântica (mão nos dois sentidos) e quando alguns carros diminuíram a marcha para entrar para a direita, eu os ultrapassei pela esquerda como de costume. Mas de lá para cá vinham outros carros, que também se posicionaram para entrar na mesma rua. Então sem perder a velocidade, que não era pouca, eu entrei entre eles e o meio fio do lado da praia, pela contramão.
Como outros mais apareceram de lá para cá, não houve como desfazer a manobra de voltar à minha mão e eu continuei por quase duas quadras, totalmente pela contramão a 80 por hora. Logo adiante numa das transversais, cheguei ao destino final.
Os rapazes portaram-se com “dignidade”. Apenas um, antes de se retirar, comentou:
 Puxa, esse seu carro anda hein?!…  Eu sorri discretamente. (Já sabia…)

SONHO DESFEITO (66) 25 anos

As coisas no Galeão iam bem. Carro novo, mulher nova, vida boa, muitos passeios a dois.
O Sr. Alves, depois do sucesso da Transcoopass, resolveu fazer uma representação dos carros da marca Sinca, aqui no Rio. (foi idéia dele). Tudo pra dar certo. Convidou vários motoristas colegas nossos e expôs os planos. Compraríamos os carros da fábrica e os revenderíamos no varejo. Ainda faríamos a manutenção como faz uma concessionária.
Escolhida a imensa garagem, partiu para o Banco e levantou um empréstimo em duas etapas. Primeira, montaria a garagem. Segunda, daria o sinal da compra na fábrica.
Recebida a primeira parte montamos a infra-estrutura.
Na hora da segunda, a gerência do banco mudou, o novo gerente não honrou o negócio e ainda nos convidou a pagar a dívida.
O meu pai chegou para mim e disse:
 Meu filho  com um certo embaraço  Houve prejuízos e precisamos vender os nossos carros para pagar o banco….
 Como, papai?!…  incrédulo  Se vendermos os nossos carros (da Transcoopass), vamos viver de quê?!  acrescentei muito preocupado.
 Não se preocupe, daremos um jeito.  solenemente. E acrescentou:
 Se não pagarmos o banco, vamos perder o nosso crédito e não poderemos mais fazer negócio nenhum. Será pior!…
Esse foi o maior chute nos colhões que recebi nos últimos tempos. Acho que na minha vida...
Casado, já com compromissos assumidos, aluguel por pagar, prestações dos eletrodomésticos que havia comprado… Pô!, depois de 8 anos de batalho no Galeão, salvar o meu pai e a família da merda, todo o meu sonho de fazer uma frota ter ido por água a baixo, ficar sem nada?!… Sem carro, sem profissão?!… Começar do zero de novo?!… Foi cruel. Foi muito cruel…
O meu carro ainda com cheiro de novo, nunca mais iria vê-lo nem poder voar com a Araceli de cabelos ao vento…
Não teve jeito. Restava a esperança de um novo negócio revirar tudo de novo. Eu acreditava na capacidade do Sr. Dario Alves. E lá se foi o meu Sinca Tufão, e o dele, que foi comprado com a entrada conseguida na venda do meu Ford 51 todo reformado.
Pra não ficar parado, arranjei um bico numa empresa de taxis com um fusca, pagando diária.
Dei azar. Amassei o para-lamas do carro no primeiro dia de trabalho.
Fiquei sem trabalhar. Minha situação em casa começou a ficar difícil…

PRIMEIRO EMPREGO (67) 26 anos

O Sr. Ramos, meu sogro, então, me arranjou um emprego. “Auxiliar de Operador de Modelo Reduzido”. O meu primeiro emprego. Sem opções e sem nem saber o salário aceitei e comecei a trabalhar. No fim do mês, soube. Cr$ 133,00, quando o salário mínimo era Cr$ 80,00. (Só de aluguel eu pagava Cr$ 220,00).
Resultado: Fui despejado do apto. da Rua Apiaí, onde morava. Devolvi os eletrodomésticos que havia comprado, para não ficar sujo na praça e fui parar num quarto na casa da nossa família, na Rua Armando Godoi, Higienópolis.
Posso garantir: A Araceli não gostou!… Era muita gente contra ela. Quem sabe o que é morar junto com alguém, imagina o que é morar junto com mais três cunhadas, um cunhado e dois sogros, além do marido. Se a Araceli passou a não gostar do meu pai, foi a partir daí.
Ela era uma menina, mas era gente. E não era burra. Ficou indignada, não concordou com o que eu fiz e brigava comigo. Acham que alguém compreendeu a situação dela? Que nada!… Jamais pensaram que ela não precisaria estar passando por aquilo. Bastava não ter entregue o meu carro ao meu pai. Deixar o nome dele sujo na praça, mesmo, e cada um que se virasse por aí. Eu hoje sei que não há reconhecimento. Não faria isso de novo, jamais!…
Um belo dia, não sei mais por quais razões, haveria muitas, a Araceli deu um tiro na parede do quarto que habitávamos, com a pistola do meu pai. Foi a forma que ela encontrou para protestar, de dizer que não estava feliz. Depois disso, achei que não devia mais guardar a 6.35 comigo e devolvi ao dono.
O meu trabalho, posteriormente, evoluiu e com o passar do tempo passei a desenhista e fui cuidar da minha vida. Meu salário pulou de 133, para 230, depois 280 e 330, na mesma empresa, isso em 6 meses. Saí dessa empresa e o salário subiu para 450, 550, 750 e 900, nos dois anos posteriores. Não sei como o meu pai se virou, mas ele era esperto. Já estava formando a Frota Guanabara, vendendo ações, etc.
Colocou-me fazendo parte da diretoria e estabeleceu um quantidade de ações que ele mesmo arbitrou, (4%) com que critérios nem sei, nem de qual buraco tirou esses cálculos, e nem me importei, (Quer dizer: Qualquer coisa só pra constar) porque naquela época não tinha qualquer significado pra mim. Mas acho que, por justiça, já que ele levava aquilo a sério, deveria ter considerado, no mínimo, o meu carro que ele vendeu, e transformar aquilo em ações. O mesmo que fez com o Magno (5%), noivo da Amarilis (irmã) e com o Arley (8%), noivo da Ana Maria (irmã), para quem vendeu algumas ações. As minhas duas irmãs já trabalhavam fora nessa época.
Depois da porrada que levei, estava mais a fim era de cuidar da minha vida, mas hoje, essa mal tomada providência está fazendo diferença na divisão de um dinheirão que vai chegar, advindo dessa empresa num processo contra a Ford..

CASA DE CACHORRO (67)

Viver na casa do sogro com muitas cunhadas juntas, entende-se que não era uma opção muito bem aceita pela Araceli, por isso, comecei a procurar onde poderíamos nos alojar melhor.
Eu trabalhava ainda no HIDROESB que o meu sogro indicou, lá no Andaraí, e todo dia quando chegava ao trabalho via aquele imenso morro verdinho por trás, com uma arvorezinha isolada bem no meio e ficava admirando aquela paisagem pacífica e tranqüila. De repente, tive a idéia. Compraria umas madeiras e faria um belo barraco ali naquele morro. Seria o mínimo para começar e já daria para sair ali da casa do papai.
Falei com a minha mulher de 17 anos e ela topou ir até lá para ver. Como ela iria viver naquele lugar é que eu não sei. Linda daquele jeito, educada, culta, ia destoar completamente do povo dali. Mas deveria ser melhor do que morar com a minha família, porque ela não hesitou nem um pouco.
Olhou e concordou. Subimos até o local e planejamos a estratégia da instalação. O local era mais além de uma favela existente, e um tanto isolado, como seria mais conveniente. Não queria me misturar com aquela gentalha mal educada.
E assim passei a fazer os cálculos de custo e um desenho de como seria o barraco.
No sábado seguinte, quando recebi o salário, saímos de casa com serrote e martelo e procurei uma serraria que havia por perto do local. Perguntei os preços das diversas madeiras e comecei a calcular.
 Hum… Um tanto caro, não acha?  Comentei com ela.
 É… Diminui um pouco…
E diminuí, diminuí até conseguir compor uma casa com o material possível de comprar com o dinheiro que tínhamos.
Não daríamos para ficar em pé dentro do único micro cômodo. Uma casa de cachorro…
Muito tristes e desiludidos abortamos a idéia e voltamos para casa.

FROTA GUANABARA (69) 28 anos

A Frota Guanabara é uma sociedade anônima e havia muitos sócios acionistas quando foi inaugurada. Muitos taxistas advindo dos tempos do Galeão e que não perderam a credibilidade no “Seu Alves”, colaboraram. Eu, embora tivesse sacrificado toda a minha vida e perdido o meu patrimônio nos negócios do meu pai, fiquei apenas com 4% das ações da empresa além do pomposo título de Diretor Técnico.
O meu pai é um sujeito de muita garra, força de vontade e obstinação. Acredito apenas que de pouca sorte. Um grande negociador também. Vivia atrás de um financiamento para a compra dos tais 50 Sincas.
Comprou finalmente, os cinqüenta carros que ele queria. Só que da Willys Overland que, logo em seguida, seria adquirida pela Ford.
Embora até um pouco afastado, porque estava casado, morava em outro lugar e tinha outro trabalho, nunca deixei de participar, colaborar e me interessar pela empresa. Principalmente na condição de diretor.
O logotipo da empresa, mais uma vez eu fiz e no dia da entrega eu fui buscar os carros com mais 49 motoristas, mas não pude participar ativamente do dia a dia da empresa, o que muito me incomodava.
Alugamos uma imensa garagem, instalada até com bomba de gasolina, elevadores de serviço, compramos 50 taxímetros importados, 50 tacógrafos, equipamos os carros com 50 Rádios VHF, com uma antena repetidora no morro do Sumaré e outra em Teresópolis, uma estação central com painel de controle de tráfego, com serviço de telefones direto com os clientes e os motoristas.
Os carros chegaram de S. Paulo já pintado nas cores da empresa e foram espalhados pelas concessionárias da Willys, para a 1a revisão dos 400 km, enquanto providenciávamos os emplacamentos.
Nesse ínterim a Ford comprou a Willys e interveio no negócio exigindo um seguro de crédito não combinado. E queria que nós o pagássemos. Ora, carros vendidos, faturados, entregues, sob contrato de alienação fiduciária, não comportavam mais nenhum seguro. Idéia maluca deles.
Quando, com as placas na mão, fomos apanhar os carros, a Ford os havia seqüestrado todos, das concessionárias onde estavam fazendo a revisão e os levaram de volta à S. Paulo.
Isso gerou um prejuízo enorme e um processo que dura até hoje, embora em fase final. Primeiro com a reintegração de posse que durou 20 anos e ganhamos. Depois o de lucros cessantes, que a Ford já perdeu no tribunal de Alçada 3 x 0. (Tinha que perder, não tinha?!…)
Mas o Sr. Dario Alves, ainda tentando o impossível, comprou outros 20 carros da Crysler, (foto) e inaugurou a empresa, mesmo assim. De qualquer forma, seria muito difícil 20 carros suprirem o custo montado para uma infra-estrutura criada para 50 veículos, 50 tudo! Taxímetros, Tacógrafos, Rádios VHF, motoristas, garagem enorme, etc. Portanto, a empresa só não foi pra frente com esses carros pela sacanagem que a Ford fez conosco. Foi muito difícil livrar a falência antes mesmo de começar.


DESENHISTA, NÃO! (69)

Outro drama corria paralelo: Eu insistia com o meu pai que queria trabalhar na empresa disposto mesmo a largar o meu emprego, mas ele envolvido com os problemas da administração, uma baita dose de individualismo, egoísmo, arrogância e idolatria, não participava nem compreendia da minha ansiedade.
O meu pai começou a sentir-se auto-suficiente e empurrava com os pés todos aqueles que o ajudaram por idealismo, por diletantismo, ou que ele explorou a boa fé e o entusiasmo. Eu sentia isso mais forte porque fui a principal vítima dessa sua atitude. Quem o conhece bem, sabe que esse é o estilo dele. Antes, era:  Nós vamos fazer isso e nós vamos conseguir aquilo.  Depois, é:  Eu faço e eu aconteço. Quem não estiver gostando que se mande. Andava de Ford Gálaxie 0 km, o carro mais luxuoso da época, pra cima e pra baixo, que comprou com o argumento de alugar para casamentos, colocou a frota a disposição do casamento da Amarilis e agia como se estivesse nadando em dinheiro. E a contabilidade, como ia?!… E os carros batidos se avolumando num canto da garagem, como seriam pagos?!
O meu pai subia e se destacava na sociedade, no meio das atenções, das reportagens e das comemorações, sendo cada vez mais respeitado e admirado, enquanto eu ia caindo no esquecimento junto com todo o meu sonho, minha frustração e o meu trabalho. A Frota era a continuação de todo um ideal meu, forjado com a compra do meu primeiro taxi, o Chevrolet 1939, e que vi frustrado mais de uma vez por culpa dele mesmo. Poderia pelo menos ter o meu carro próprio, não depender de ninguém. E não tinha. Tive que me virar para sobreviver com a minha mulher e comi o pão que o diabo amassou até me recuperar sozinho. O Crédito que ele tinha para comprar esses carros, não foi arranhado, graças aos meus carros que foram vendidos para pagar suas dívidas.
Ainda assim, eu queria trabalhar, queria participar, porque acreditava, porque era o meu ideal e tanto insisti, porque cada vez mais as coisas mais cresciam e fugiam do meu conhecimento que ele me colocou no escritório com uma lente enorme, verificando a velocidade dos carros nos cartões dos tacógrafos (um troço pra lá de supérfluo).
Como sempre, em toda a minha história, eu estava oferecendo a minha contribuição gratuita e voluntária. Eu já percebia coisas erradas sendo feitas e chamava à atenção para elas como, por exemplo, a contratação de motoristas, inexperientes (um ano de carteira) que estavam batendo, acabando, destroçando mesmo, com os carros novos em folha. Quem testava os motoristas, era o Magno, meu cunhado subserviente, que nem dirigir sabia, nem carteira de habilitação tinha.
E eu era cada vez mais fósforo apagado, intencionalmente sendo posto de lado. O meu pai não queria dividir os louros da vitória com ninguém. Era o presidente, o poderoso e o único, que se cercava de jovens inexperientes como o Arley, o Magno, o Alexandre, ou adultos incapazes, que não se arriscariam a dar palpites nas diretrizes dele.
Eu insisti mais um pouco e escutei:
 Nós não temos lugar para desenhista aqui!… (!?…) Puta que pariu!... Vou repetir a Frase:
 NÓS NÃO TEMOS LUGAR PARA DESENHISTA AQUI!…

Nós, quem? Aquela merda era minha também! Eu, mais do que quaquer um e ele mesmo, tinha o direito de ser possuidor daquela empresa que caminhava rápida,ente para o buraco! Sócio fundador, com a minha vida enterrada ali, Diretor Técnico, chutado na bunda pelo próprio pai com um deus na barriga!
Esqueceu-se que eu o salvei da merda várias vezes, com o meu sacrifício e me ofendeu desse jeito.
Profundamente magoado, virei às costas e fui embora. Para sempre.
Pensei comigo, com muita convicção:
 Essa merda vai afundar — E disso eu já tinha certeza. Estava batendo na cara!
Tempos depois ele passou no meu escritório (onde eu trabalhava como desenhista) e queria que eu assinasse uns documentos. (Afinal eu ainda era o Diretor Técnico, pode?!…)
 Não, de jeito nenhum!... O único documento que eu assino aqui é a minha retirada de diretor dessa porcaria!...  Falei com muita convicção e seriedade.
Precisava ver o que uma pessoa faz para conseguir alguma coisa. Nem um pouco de vergonha, nem brios, nem caráter teve.
 Mais meu filho…  cínica e mansamente  eu sei que certas coisas, ás vezes não são bem colocadas e geram maus entendidos… Na verdade eu só queria o seu bem… Você tem um bom emprego…  ia enrolando e enrolando…
 Já disse papai. Traz aqui a minha demissão dessa droga, porque eu não quero mais falar disso.  Afirmei, sem dó nem pena.
 Mas meu filho, tente compreender… não é por mim que eu te peço isso… é pelos seus irmãos!… - Cinismo à flor da pele.
 Está bem, papai. Eu assino… Mas junto com a minha retirada dessa empresa.
E assim foi feito. Eu não sei que documento era. Nem tomei conhecimento, mas assinei juntamente com a minha saída da empresa.
Soube depois que o Alexandre (meu irmão 10 anos mais novo) ficou no meu lugar e não perdi tempo.
 Alexandre… preste bem atenção: Não se iluda com esse negócio de diretor. Cuide sempre dos seus estudos porque aí está o seu futuro. Diretor é ilusão. Eu também fui diretor e quando a empresa acabou eu era nada!… apenas um nada. No máximo, um motorista de taxi… Sem taxi…
 Essa empresa vai afundar — E disso eu tinha certeza.
E afundou…
Se eu fiquei feliz?!… Não… Não fiquei, mas me senti vingado!

No meu trabalho, o progresso era visível, porque sou um cara inteligente. Ganhava bem já como projetista. Muito bem. Mais do que os Arquitetos existentes nas grandes empresas e mais do que os engenheiros novos. Em torno de 15 a 20 salários mínimos (do bom), quando trabalhava na Montreal, Rio e São Paulo.
Participei de projetos de estrutura da Usina Nuclear de Angra dos Reis, estrutura do Porto de Taquari, drenagem da Vale do Rio Doce, ante projeto da Hidrelétrica de Furnas, estrutura da Eclusa de Boa Esperança, estrutura e hidráulica do Metrô do Rio e São Paulo, estrutura da Turbina Hidrelétrica da Voith (Light) estrutura de aço das Plataformas de Petróleo de Garoupa e Namorado, projetos de Usinas de tratamento de esgoto, elevatórias, e um sem fim de projetos importantes e inéditos.
Em 1969, dois anos depois de largar os táxis e o meu pai, com as trapalhadas dele, (eu disse dois anos) eu já tinha o meu nome com agradecimentos por destaque, num livro técnico com capa de couro e 8 cm de espessura, com tiragens em português e inglês, assinado por um diretor internacional e outras personalidades.
“Merece também reconhecimento e agradecimento, a equipe técnica da ENCIBRA, especialmente o desenhista Alfredo Bernacchi.
“To my fryend Alfredo Bernacchi, the best draftman that ever work to me. Good Look” – Tradução: Ao meu amigo Alfredo Bernacchi, o melhor desenhista dos que já trabalharam para mim. Boa sorte. Assinado, Ronald Campbell, diretor de projetos da Engineering Science Inc. EUA. Dedicatória sobre trabalho apresentado.

A DROALER’S (73)

O meu pai estava de novo caído. Sem rumo na vida. Sem trabalho, sem idéias. As tais frotas dele já tinham ido todas pro espaço… Havia o processo contra a Ford que só gerava despesa e mais nada.
Não é um privilégio dele. Eu também já passei por isso muitas vezes.
Mas nessa ocasião eu estava muito bem e já tinha esquecido algumas mágoas passadas.
O meu pai foi sempre assim. Quando ele está por baixo é um santo. Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, você me ajuda aqui e depois ali, e nós, e nós e nós, etc. Uma humildade de fazer dó.
Quando ele está por cima, mete os pés em todo mundo, não precisa de mais ninguém, ele é o sabe tudo, o presidente, e você só escuta:  Eu faço, eu quero, eu é que sei, etc. Uma arrogância de dar nojo. Já disse.
Mas eu esqueci (relevei), quatro anos haviam se passado, fiquei com pena dele e cheguei junto. Afinal, era o meu pai, que me queria bem e sempre zelou por mim na minha infância.
 Papai, você é um cara tão experiente em construção civil, já fez tantas obras importantes, edifícios… e o Alexandre está estudando engenharia, logo vai se formar. Por que vocês não se juntam e desenvolvem uma firma de construção?! Eu até poderia ajudar na parte de projetos. Quando vocês precisarem podem contar comigo.
E o papai aproveitou a idéia e registrou uma empresa com o nome de Empreiteira Cacique, direcionada para construções e reformas, mas não quis fazer parte nominalmente porque estava envolvido com os processos da Frota Guanabara contra a Ford. E aí, convidaram o Arley, meu cunhado, que também meio sem rumo ainda, depois que a Frota fechou, aceitou fazer parte nominalmente desse novo empreendimento.
 Meu filho… é muito importante para uma empresa, ter um telefone e se você pudesse ajudar, cederia o seu só por uns tempos até nós comprarmos outro, e eu pago todas as contas, sem preocupação.
 Está bem, papai. Pode transferir o telefone.  Mas a Araceli não gostou, pode ter certeza.
 Algum tempo depois: Por telefone.
 Meu filho… nós estávamos pensando em colocar um anúncio nas Páginas Amarelas. Você ajudaria a pagar?
 Claro papai! Porque não?! Quanto vai ser?
 Onze mil cruzeiros, meu filho… Onze mil cruzeiros… [valores hipotéticos e equivalentes a 1/3 do meu salário na época]
 Está bem papai. Eu estou ganhando trinta mil, vai dar pra ajudar sim.
Algum tempo depois…
 Meu filho… você vai mandar o dinheiro das Páginas Amarelas, quando?!
 O que, que é isso, papai?!… de novo?! Já mandei não mandei?!  Meio espantado.
 Mas todo mês tem, meu filho… não é?!
 O quê, papai?!! Todo mês??! Mas não era uma vez só?!… Onze mil cruzeiros!…
 Não… são doze prestações de onze mil…
 Está doido, papai então são cento e tantos mil, e eu não tenho dinheiro para isso!… De jeito nenhum!… Então você se vira por aí.
Pronto, lá foi o nome do Alexandre para o protesto. Meu pai... Vou te contar!... Não é mole!
A essa altura, o Arley que já tinha arranjado um emprego num banco, tratou de sair fora, antes que o nome dele entrasse também na dança.
Aí, com a saída do Arley, o papai me chamou para ser sócio do Alexandre meu irmão.
 Está bem, papai, mas vamos estabelecer as condições:
O nome passou a ser Droaler’s Services, e não Empreiteira Cacique. “Dro”, de Dario, “aler”, de Alexandre e Alfredo.
 E eu vou querer entrar na atividade da empresa também. Decisões somente por voto da maioria, certo?!
E assim nasceu a Droaler’s.
De fato, na minha profissão eu não achava mais progresso. Dali pra cima, só tendo diploma e eu não tinha. Com uma empresa, os horizontes se abririam, e os limites estariam bem longe. Valia à pena tentar.
Continuei trabalhando empregado como projetista, enquanto o papai e o Alexandre desenvolviam a empresa. Eu ajudava sempre que podia. Fiz alguns pequenos projetos de estrutura para eles.
De vez em quando eu lembrava ao papai, que queria fazer parte ativa da empresa e que, quando houvesse a primeira oportunidade, abrisse um espaço para mim. E o tempo foi passando sem que isso ocorresse. Já havia obras de algum porte, como um posto de gasolina na Barra, e eu não fui convidado a participar da administração.
A desculpa era sempre a mesma:
 Você ganha muito dinheiro e a firma não pode sustentá-lo.
No início tinha graça, mas depois encheu o saco. Ora, eu não entraria para dividir, mas para acrescentar. Era esse o meu pensamento. Do contrário, para que empresa?!…
E assim, inconformado, continuava no meu emprego enquanto o tempo passava.

A NOVA DROALER’S (75)

Passaram-se dois anos, e no trabalho, a coisa continuava na mesma. Meu pai com a sua empresa, que não atava nem desatava. Fazia lembrar quando ele disse que não precisava de desenhista na Frota. Então eu me aborreci, e avisei:
 Já que não tem lugar pra mim, vou desenvolver essa empresa sozinho, trabalhando paralelamente a vocês. Farei tudo separado, mas a empresa será a mesma — E assim fiz.
Saí do emprego na Promon e com o dinheiro da indenização (6 meses apenas), iniciei o investimento na empresa. Mandei fazer novos impressos, cartões, e saí a cata de trabalho.
Nada entendia do assunto e não sabia sequer dar um orçamento para a pintura de uma parede. Eu era um projetista do bom, mas nesse tipo de trabalho não tinha experiência. Não era o meu ramo.
O meu telefone estava cedido à empresa, instalado na casa do papai, na Rua Armando Godói. A empresa estava parada e quem usava o telefone era o Alexandre, para namorar. Precisava dele, então mandei re-transferir para a minha casa. O papai chiou, é claro. E mais adiante ele aprontou. Confira.
Eu continuava morando na Cobertura da Rua do Matoso e ali mesmo resolvi desenvolver a empresa. Já com telefone, comprei uma máquina de datilografia antiga (Royal), passei a colocar anúncios no jornal e no ano seguinte, nas Páginas Amarelas. Quanto mais anúncios, mais telefonemas, mais orçamentos e mais obras. O início, sem qualquer suporte, foi um sufoco muito grande. Precisava trabalhar de madrugada com desenhos avulsos para me sustentar, mas com o tempo, as coisas foram se encaixando e o dinheiro começou a entrar. Encontrei inclusive, um ex-colega de trabalho, o Silvio Colim, trabalhando numa posição privilegiada na Atlantic, que me deu algumas reformas de postos de gasolina.
Contratei uma Auxiliar de Escritório, para me ajudar nos orçamentos, (A Odete, uma morenaça de botar ciúmes em qualquer esposa) e em seguida, um rapaz para a contabilidade que, mais adiante, viria a ser meu sócio. Nunca foi fácil, muito pelo contrário, mas eu tinha muita garra e raiva. Queria, porque queria, e havia de mostrar ao meu pai que eu acrescentaria, se estivéssemos juntos na mesma empresa e não subtrairia, como ele só pensava.
As atividades do meu pai se acabaram. A empresa, a parte dele, estagnou-se e o Alexandre acabou vindo trabalhar comigo. Era de se esperar. Mas foi por pouco tempo. Não demorou ele saiu de sócio. Só ele sabe a razão. Acredito que ele por ser um engenheiro, não se sujeitou a ser subalterno do irmão. Lembro-me de uma vez que dei uma bronca nele por ter encomendado uma banca de pia de mármore com as medidas erradas. Daí ele não gostou. Sinto muito, é a vida e é assim que a gente vai errando e aprendendo.
Aos trancos e barrancos, fui crescendo, crescendo, e acabei por alugar uma loja de luxo em Ipanema, no edifício mais luxuoso, do bairro mais luxuoso do Rio, com ar central, som ambiente, carpete, persianas verticais e fachada de blindex. Comprei mais telefones um caminhãozinho Ford F 100, máquinas elétricas, agora móveis novos para o escritório de muito luxo, móveis de couro, aço inox, veludo, mármore e, no ano de 1975, finalmente, o meu novo Cadillac, dessa vez um 62, que adquiri na cor cinza e mandei pintar de branco.

Em seguida, comprei um Fusca para o meu sócio, um Dodge Dart usado, para a Araceli, e outro Dodge para reserva. Contratei uma secretária executiva (Josete 40 a), e a empresa ia de vento em popa.
Passaram-se uns 4 anos nisso tudo. Ou seja, a partir do zero até aqui.
Só eu sei o quanto batalhei para chegar aonde cheguei, arrastando aquela tireóide, já sob medicação.

A REMISSÃO DO MEU PAI (80)

O meu pai, Dario Alves (havia anos que estávamos zangados), a partir da minha ida para as ilhotas vizinhas à Ilha Grande, ele apareceu, e passamos uma borracha nas coisas do passado.
Já estava, a essa altura, também me ajudando no processo de reintegração de posse da ilha, cobrindo algumas despesas e, em uma de suas visitas ao bangalô de sapé, expus os nossos problemas. Ele se ofereceu então, a trazer-nos de volta ao Rio.
Pagou as minhas contas, o aluguel atrasado e as passagens até a sua casa, hospedando-nos lá.
O meu pai é assim. Às vezes erra, às vezes acerta. É o comum de todos. Temos qualidades e defeitos. Erros e acertos. Agora, acertar é muito mais difícil do que errar. Precisa ter amor no coração. E ele sempre teve. Por isso, ele, de vez em quando, acerta como mais essa vez. Tirou-nos de uma tremenda encrenca e ainda dividiu a sua casa conosco. Eu posso esquecer isso?!… De jeito nenhum!… Tá escrito!
(Justamente hoje, 20 anos após, no momento em que estou escrevendo estas palavras, ele está ali, dormindo no chão do corredor da minha casa, em uma cama improvisada. Tive que tira-lo da casa de saúde onde estava internado, queixando-se demais, praticamente preso. Em capítulo próprio, eu explico isso. Agora está me trazendo um monte de problemas com os meus irmãos, mas eu tenho essa dívida com ele. Quem não sabe já me acusou de interesseiro, porque o meu pai está para receber um dinheiro muito grande, de um processo contra a Ford. Acontece, que uma boa parte já é meu por direito, portanto, não justifica. Cada um, entretanto, julga os outros pelo que é…)
Mas estava difícil morar lá na casa dele. Duas crianças são duas crianças e quando o Arahom queixou-se, que ele bateu com um pau no braço dele, a Araceli teve um chilique e quis sair no mesmo dia. Foi provisoriamente para a casa da mãe e levou as crianças. Coitada… como sofreu comigo, essa mulher.

A POUPANÇA DO PAPAI (85)

Nessa época, meu pai, recebeu parte do dinheiro que lhe coube, no processo da Ford, Reintegração de Posse, pelos meus cálculos, daria para ele comprar uns 3 apartamentos pequenos no Flamengo. Tratou, obviamente, de gastá-lo, da maneira mais burra possível. O que me admirou muito, vindo de uma pessoa inteligente como ele (e esperto). Acho que mais esperto do que inteligente.
Enfiou na cabeça que não precisaria mais trabalhar, e começou alugando um apartamento no Hotel Paissandu. Um hotel de luxo. Quer dizer, começou aí a jogar o dinheiro fora.
Esqueceu-se, no entanto, dos meus táxis, que pagou a última dívida dele no banco. Do meu ganha pão, que acabou, para consertar os seus negócios falidos!… Que me devia, no mínimo, um carro zero km, e era uma boa hora para pagar, e me deu uma esmola, em torno de US$ 120,00 aproximadamente, que eu nem tomei conhecimento. Passei para a mão da Nádima (minha segunda esposa) e na dela sumiu. Esqueceu-se disso, e gastou o dinheiro todo, sozinho. Aliás, o Alexandre ajudou bastante.
Como eu estava tranqüilo e os meus negócios iam bem, na época, até mesmo estava procurando um apartamento maior para alugar, não me importei com isso. Apenas comentei com a Nádima o ridículo do dinheiro que ele me deu, como se dissesse:
 Segura essa fortuna aí!… Estamos quites agora!… As pessoas são assim mesmo. Esquecem (!)…
Com o dinheiro que recebeu, poderia ter comprado pelo menos um apartamento para se garantir e outros dois para investir, mas não! Resolveu aplicar todo o dinheiro na Caderneta de Poupança, que na época do Presidente Sarney, rendia muita correção monetária. Ora, correção monetária não é rendimento, embora eles o chamem assim. “Rendimentos de Poupança”, para enganar os trouxas menos esclarecidos, não é?
Eu cansei de adverti-lo, expliquei que isso não existia, e que enquanto ele “ganhava” 20% na poupança, perdia 22% do valor em bens. E se ele consumisse 10 % desse dinheiro para sobreviver, estaria na verdade, dilapidando 12 % ao mês do seu patrimônio, que não voltaria mais.
Enquanto o valor nominal do dinheiro crescia no banco, 100 mil, 150 mil, 225 mil, etc., o seu valor real de compra, diminuía: 3 apartamento, 2,5 apartamentos, 2 apartamentos, etc.
 Mas meu filho! Eu não preciso fazer nada!… Boto hoje na poupança 100 mil e no mês que vem tenho 150 mil!… Uma maravilha!…
Quem poderia lhe convencer do contrário, se o próprio governo enganava o povo com propagandas convincentes?!
Eu gravei uma conversa dele com a minha sogra Eurides, (tenho a fita) dizendo mais ou menos assim:
 Estou milionário!… Estou rindo à toa!…
 Éh?!… e por quê?
 Eurides, quanto você ganha por mês no seu trabalho?
 Ah… Não sei… Talvez uns duzentos cruzados!…
 Pois olha, eu estou ganhando 10 vezes mais do que você, por hora!…
 Poxa que maravilha!… Quando é que você vai comprar um sítio para nós morarmos juntos? etc.
A Eurides gostava dele. Tinha carinho e atenção, mas ele sempre a destratou e esnobou e humilhou, até que ela desistiu. Não sei como, ainda hoje, se preocupa com ele.
Nessa conversa gravada, a grande ilusão. Confundia correção monetária, com rendimentos (lucro), e dizia que ganhava uma coisa que não ganhava. Acho que a Eurides, ganhava mais do que ele, pois trabalhava.
Dias depois, o meu irmão, brigou com a mulher, a Marília, e saiu de casa.
Para onde que ele foi?!… Quem advinha?!…
Isso mesmo!… Para o hotel onde o Dario estava hospedado. E ainda levou a nova mulher junto.
Mais tarde, alugaram juntos um apartamentão na mesma rua do hotel, compraram todos os móveis novos, e os utensílios também. Ou seja, vida nova e lá vai a correção da Poupança pro ralo.
Como se não bastasse, o Alexandre ainda arranjou uns investimentos na bolsa, para acelerar o fim do dinheiro do meu pai. Dinheiro é isso. Vendaval… Só saiu de lá para o seu novo apartamento próprio.
Digo isso, porque eu cansei de avisar. Cansei de me alterar em eméritas discussões, no interesse dele.
 Compra um Ap. pra você, e outro dois pra alugar!… Você vai perder esse dinheiro!…
Queria pelo menos o bem dele que, já com uma certa idade, como eu agora, não arranjava mais o que fazer.
E o dinheiro foi acabando, acabando, acabando… e... acabou!
O que restou na poupança, o safado do ex-presidente Collor confiscou e nunca mais devolveu os últimos 80% de correção que existiram.
E a partir daí, tivemos mais um pai totalmente dependente dos filhos.
Mas eu avisei, não avisei?!…
.............

1998 – Trecho: Existe também o dinheiro da ação contra a Ford, que poderá sair dentro de um a cinco anos. Ninguém sabe, porque depende da lentidão da nossa justiça, embora seja uma causa já ganha. Isso resolveria tudo.
É difícil você viver com essa expectativa de contrastes. Hoje, sem dinheiro nenhum, passando os maiores sacrifícios e humilhações. Amanhã, dinheiro demais, que poderá gerar preocupações e aborrecimentos. Novos problemas em diferentes aspectos, e vou ter que aprender a lidar com isso ainda. Preocupações com a família… Segurança… Voa todo mundo em cima, querendo te explorar.
Eu quero ajudar muita gente. Já tenho uma lista. Primeiro atender as minhas dívidas. Pessoas que prejudiquei involuntariamente. Depois os amigos, que me atenderam e me ajudaram, se precisarem de mim. Depois as pessoas boas, do meu conhecimento. Mesmo que não tenham feito diretamente a mim. Pessoas que nem de Deus esperam compensação. Vou ajudá-las, também. Depois o resto sem fim. Jamais vão pensar em mim como um sovina, que trata os amigos com usura, mas eu sei que não vou poder salvar o mundo. Vou fazer só o que estiver ao meu alcance, sem me prejudicar.
Aí liga o telefone: Meu irmão. Ele quer falar sobre o processo da Ford. (Essa conversa é apenas ilustrativa. Uma síntese irônica da realidade).
 Mas Alfredo, estive verificando essa divisão aqui, 60 milhões para você, não é muita coisa?!… Tira 30 milhões, dá 15 pra Ana e 15 pra Amarilis! Assim divide mais eqüitativamente!…
 Ora Alexandre, eu tenho que defender os meus interesses, e não vou dividir 60 milhões com ninguém porque nunca ninguém dividiu nada comigo!…
 Pra que você quer tanto dinheiro rapaz?!… Se a Ford deve 3,5 bilhões, e a gente faz um acordo por baixo, em torno de 1 bilhão, ou aí pelos 500 milhões, ou em último caso 200 milhões, você pode ficar até com 150 milhões, e em último caso, 40 milhões!… Então dá 10 milhões para cada uma, pronto!…
 Ah não, Alexandre!… Isso pode demorar… E eu posso até dividir 200 ou 500 milhões, que são da herança do papai, mas a minha parte, que pode nem chegar a 30 milhões, é o resultado do meu trabalho individual, e não vou dividir com ninguém!… Tenho uns investimentos que quero fazer na área social…
 Está bem!… Então ficam 50 milhões para você, 40 milhões para mim, e 20 milhões para cada um dos outros, e o Papai fica com 30 milhões para dividir como herança…
Depois da longa e milionária conversa:
 Olha, Alex… A Nádima está querendo que eu faça uma compra pra ela aqui, depois a gente vê melhor esse negócio… Depois eu falo mais contigo… Um abraço, tá?…  Desligo o telefone.
 O que é que você quer, Nádima?
 Alfredo, dê uma chegadinha ali na feira, e veja se consegue umas folhas de beterraba. Eles geralmente jogam fora, e é só você procurar. É muito nutritivo, sabia?!…
E lá fui eu, para a feira, procurar folhas refugadas, com aquela velha história do “É pros coelhinhos das crianças”… (Aqui a culpa é dos coelhos que nem existem).
Mas eu levei o meu filho para a feira:
 Papai, porque você vendeu o seu carro?  Pergunta nos seus 4 anos.
 Já disse isso pra você, filhote!… Precisei comprar comida pra nós e eu não tinha mais dinheiro!…
 E por que você não compra esse aqui?! Não é bonito?  Apontando para um carro da agência.
 Amanhã!… Hoje eu não tenho dinheiro. Ainda vou juntar.
 Eu tenho dinheiro papai!… Olha aqui!…
 Esse é pouco, filhote. É preciso de um caminhão cheio de dinheiro!… Muito dinheiro!…
 Então eu vou juntar, papai. Vou comprar um pra você!…
 É bem capaz filho…  só pensei  É bem capaz...
Então, na volta eu deito-me na minha rede, e começo a pensar…
 Já fiz de tudo na vida… Estou cansado… Bem cansado… 58 anos… Qualquer coisa que eu tento hoje, não dá mais certo… Emprego, não consigo… Fazer o quê?!…  Dou uma balançadinha na rede…
Tirar um dinheiro para colocar um anúncio no jornal, oferecendo algum serviço, só me deu prejuízo, ultimamente. Até a empresa, em que eu investia R$ 1.000,00 todo mês, não gerou dinheiro nem para pagar a propaganda… e acabou com a minha indenização. Em Caraguatatuba, cheguei a oferecer-me para consertar e limpar fossas, e mesmo assim, perdi o investimento da propaganda...
Aí dizem assim pra mim:
 Você devia fazer isso, ou aquilo, trabalhar com comida, ser jardineiro!… — Então, pensei:
— Eu já fui vendedor de tintas, vendedor de livros, motorista de táxis, guia turístico, motorista de caminhão, operador de modelos hidráulicos, desenhista, projetista civil, pintor de quadros, artesão, pescador, sexólogo, mecânico e pintor de carros, lanterneiro, pedreiro, eletricista, armador (de construção), pintor de paredes, encarregado, supervisor e mestre de obras, consertador de fogões, construtor e recuperador de barcos, locador de barco, fotógrafo, garçom, cozinheiro, copeiro, churrasqueiro, empresário de transportes, empresário de construção, corretor de imóveis, gerente de hotel, gerente de restaurante, gerente de empresa locadora, gerente de loja comercial, gerente de confecção, costureiro (overlock e reta), modelista (criação exclusiva), estampador de silk screen, marceneiro, carpinteiro, comerciante de motos, contrabandista, (segundo eles – que honra!…), agiota, cobrador, editor gráfico, digitador, escritor… fora o que fiz sem o intuito de ganhar dinheiro, ou quase, como: Colunista de jornal, dinamitador, cabeleireiro, modista, amestrador de cães, professor, instrutor de motorista, mestre Arrais, agricultor, fruticultor (com manual editado e tudo), pequeno criador, piscicultor e jardineiro. Mais algumas coisas que devo estar esquecendo, e eu já fiz tudo isso aí, e conheço tudo isso muito bem, para saber que não vai dar certo fazer de novo. Não hoje!... Garoto de programa seria até interessante, mas não dá mais, não é?!… Só se fosse “Coroa de programa”. Talvez, mas minha mulher não deixa… Não sei por quê!…
Estou desempregado… e não tenho coragem de gastar dinheiro, colocando um anúncio para começar qualquer coisa. Muito menos investir em qualquer coisa, gastar o que eu não tenho. Mesmo entre as coisas que ainda não fiz, porque vou perder o tempo e o dinheiro.
Aí, o quê, que eu faço?!… Vamos pensar... Os meus filhos precisam comer!… Até eu mesmo, preciso. Nem havia pensado nisso… Bom, o ministro Malan, que diz: “Não comprem”, continua aí. Vai ver, ele tem razão… Não comam é melhor ainda... Ajuda a equilibrar a explosão demográfica.
A casa que nós moramos, é da minha irmã Ana Maria. Não é que ela esteja assim… deixando… mas também não está me cobrando... Não tem como nos tirar mais daqui. Seria catastrófico. Por isso, já há algum tempo, desistiu de me perguntar:  Até quando?… — Porque isso, nem eu mesmo sei dizer. Mas aluguel, pelo menos, não estou pagando. (Amanhã eu pago a ela, pode deixar). Acho até que de uns tempos pra cá, ela entendeu o meu drama. Não tenho certeza. Acho que sim.
Eu já sugeri, que ela me financiasse a autonomia de um táxi, mas não colou. Eu jurei que iria pagando aos poucos (R$ 40.000,00), mas ela negou. Ao meu cunhado, ou ex-cunhado, sugeri que construísse algumas casas para vender. Eu ganharia na mão de obra. Ele no resto. Mas também não tive sucesso na tentativa. Até eu, ganhei dinheiro com construção, mas ele acha que vai perder em relação aos investimentos na bolsa e prefere me arranjar mais uma recomendação de emprego. O que não sai...
Os anúncios que tenho visto, e nas entrevistas que tenho feito, os resultados têm sido excelentes. Elogios não faltam, o que me “anima muito”. Um resolveu até aumentar, por conta própria, a minha oferta de salário, de 1000, para 1200. Mas não chamou… Outro rasgou seda!… (eu pedi 800). Não chamou. Outro “ficou impressionado” com o que lhe apresentei e ficou preocupado porque não poderia pagar muito. Eu aceitei pouco. Mas ele também não chamou. Outro disse simplesmente:  “Você podia até ser o Einstein, eu quero mesmo é um Mestre de obras”… Enquanto eu, continuo gastando paciência e dinheiro com jornal, passagens e cópias de currículos.
Então eu pensei:  Vou pedir um emprego de servente. R$ 250,00… Virar massa, empurrar carrinho nas obras… Mas será que vão escolher um cara (58 a) sem experiência para fazer isso, com mais trezentos jovens na fila?… Difícil…
Minha pobre mãe nunca deixou de me ajudar, mesmo que enentualmente com insignificantes R$ 50,00 por mês. Ela dava escondido para que os meus irmãos que a ajudavam não soubessem, e eu não tinha como recusar. Chegava sempre numa hora que eu não tinha mais nada. Meus irmãos também ajudavam, um pouco, mas e daí? Faltava tudo e geralmente nem para a passagem eu tinha, para ir a lugar nenhum. Eu fazia editoração, uns cartõezinhos aqui outros ali, fazia trabalhos de faculdade para alunos preguiçosos. Fazia qualquer coisa que me rendesse qualquer coisa, mas nem isso havia. E EU ESTAVA CANSADO...
Sair por aí, batendo perna, perguntando quem pode me ajudar, é uma ilusão. E um gasto a mais. Meu dinheiro, já acabou há muito tempo e ninguém vai se importar...
Acabou… Vou ficar deitado na rede, e esperar o tempo passar. E não estou brincando!  Dou mais uma balançadinha  Mas… e as crianças?… Não sei… Você tem alguma idéia?…

ROUPA SUJA (2000)

Fui levar o meu pai ao médico. Ele, forçando a respiração, olhos embaçados, perdidos no seu mundo interior, de amarguras e abandono, aos 80 anos de existência… Ele quer a nossa presença constante. Hoje, sente a solidão da sua velhice. Impossível é atendê-lo… Seu maior pecado: Ser velho.
Meia hora de mãos trêmulas, para encontrar os documentos, entre saquinhos de mercado, espalhados pelo chão, num canto da sala onde guarda suas coisas (Não tem armário). A cama improvisada, foi o que conseguiu o meu irmão Alexandre com seu esforço e sacrifício ($), num canto da sala da pensão, que não tinha vaga para ele.
Queria levar o boné sujo, com propaganda da empresa distribuidora de leite do meu cunhado J. Arley Costa. A menor dentre as que ele tem. Não deixei. Caminhando lentamente, meio trôpego, acabou por se apoiar no meu ombro. Fingi que não percebi, porque ele, ainda orgulhoso, não aceita bem que o apoiemos, nem para atravessar uma rua.
Parava no caminho, e com as mãos na cintura, ofegante, olhava para o fim da primeira quadra, como se aquilo fosse uma escalada impossível. Eu pacientemente aguardava a sua recuperação e pensava, que se tivesse dinheiro para um táxi, não hesitaria em esticar o braço. Pensava na minha irmã, Ana Maria Bernacchi Alves (ex Costa), filha legítima, fazendeira rica, com seu Citröen importado, possivelmente passeando por aí, em suas casas de praia ou visitando suas contas nos bancos da Suíça… Sim, porque não trabalha fora, não tem compromissos e vive buscando o que fazer. Aliás, salvo os primeiros anos da sua juventude, nunca trabalhou fora, nunca soube o que é ter uma família dependendo do seu ganho, e eu, com pouco mais de US$ 5,00 no bolso, lutava com a minha consciência entre pagar-lhe um táxi, tirando esse dinheiro, já emprestado, diretamente da boca dos meus filhos, ou insistir no sacrifício daquele pobre velho.
Como de muitas vezes, tive ímpetos de revolta. Sacudi a cabeça, irritado, e pronunciei um merda, calado. Eu estou mais uma vez, desempregado… Como pode haver tanta injustiça no mundo? Onde é que está o tal Deus, que tantos querem que eu veja, que não vê isso que está batendo na nossa cara?!… Onde está o Deus que vocês dizem por aí que existe?!… O tal que é justo!… Claro que não existe… Ou claro que não é justo.
Os ônibus passavam sem atender aos nossos sinais, debaixo do sol quente. Sabe como é… Idoso, entra pela frente… e demora…
Enfim, chegamos ao destino. Agora só restava outra caminhada, do ponto do ônibus, até o hospital. Seguimos vagarosamente por quase 400 metros (com barreiras).
Quando no caminho ele parava, eu podia olhar o seu semblante perdido no espaço. Fôra um grande homem… Lutou renhidamente, por toda a vida. Criou cinco filhos, Deu-lhes casa boa, comida, saúde, lazer, estudo, segurança, conforto e dignidade. Nos seus últimos trinta anos, brigou bravamente contra a Ford, uma multinacional poderosa, e ganhou. O seu legado, deixará 5 filhos milionários, graças a 90% do seu esforço, graças a 100% da sua fé. Homem imbatível. Eu acompanhei de perto toda essa batalha. Quantas vezes desisti de torcer. Quantas vezes vi tudo perdido, tanto esforço em vão. Quando a Justiça nos obrigou a caucionar as despesas do processo milionário, não tínhamos dinheiro algum, e era preciso conseguir bens, imóveis, valores imensos, para colocar à disposição, e poder fazer valer o nosso direito de justiça. Eu desisti até de olhar. Ele conseguiu…  Que raça! Que fibra!… Que homem imbatível!… Pensava enquanto assistia às suas narinas arfantes, movimentando-se forçadas, no ritmo da respiração.
 Vamos, papai…  animei  já está quase chegando.
Lá no hospital, avisaram que o plano de saúde dele fora cancelado.
 Só emergência, agora…
E eu lembrei que quem pagava o plano até então, (US$ 125,00 mais ou menos) era a sua outra filha legítima, Amarilis Bernacchi Alves (e Prata), advogada, aposentada do judiciário, ganhando uma pequena fortuna mensal. A tal que disse que chamaria a polícia, se ele insistisse em bater à sua porta. Mudou-se agora para uma casa na Barra da Tijuca, e desde então, é festinha por qualquer motivo.
Voltou o meu pai de lá, há poucos dias, indignado. É que o levaram até lá para, junto com o neto, comemorar o seu aniversário octogenário. Ofereceram-lhe churrasco, com toda a amabilidade, no meio daquela algazarra de comes e bebes, sem saber que ele há muito, não pode mastigar direito, com a boca toda ferida, por causa de uma dentadura antiga, que o inflama na gengiva. (Essa história é velha!…).
 Deixam-me jogado lá onde estou, não me dão um centavo para ajudar, e agora querem que eu coma churrasco em comemoração. Comemorar o quê?!…  Foi o que me disse o velho, mas não insano pai, ainda. Esclerosado, mas não burro. Cansado, mas perfeito nos seus sentimentos e mágoas.
 Contaram piadas e ele sorriu, mesmo sem entender (porque não escuta direito). Ficou no seu canto, até a hora de vir embora. O barulho da festa não o incomodava, a música não lhe dizia respeito. Apenas sorria por amável. Surdo como sempre. Aguardando que um dia, Deus lhe conceda um aparelho auditivo para que as coisas para ele, tenham melhor sentido. Mas Deus insiste em lhe proteger dos deboches das crianças, e das falsidades que lhe recitariam aos ouvidos, se escutasse melhor… Não é?!… Deus é tão bonzinho, não é?!…
Chegou em casa, e jogou fora o pedaço do bolo que lhe deram para trazer.
 Pode estar envenenado…  argumentou, na sua exagerada lucidez, com a Celina da pensão.
Quando o meu pai morrer, todos correrão para repartir os pedaços do bolo da sua vida. Do seu esforço. Muitos milhões irão engordar as contas bancárias de quem nem precisa, mas com certeza, farão questão até das migalhas do que ele deixar. Aí, esquecerão como por encanto, tudo que fizeram com ele, e principalmente, o que não fizeram por ele. Aí,… serão herdeiros!… Do dinheiro, mas não da dignidade…
 Mas meu filho, o dinheiro é meu! Eu sou o presidente!… Eu é quem vou dividir!… E a primeira parte, será a dos meus filhos!…  (é como ele pensa ainda, sem entender o que se passa à sua volta…).
 Vai nada, pai!… A lei já decidiu, que você, desde os 65 anos de idade, está morto para os seus herdeiros. São eles, os seus filhos, é que vão dizer, quanto vai ficar para você… Talvez nada… E se você contestar, se alguém contestar, serão mais vinte anos para decidir o que é de cada um, e até lá teremos mais um advogado rico, e você, já estará enterrado pela segunda vez!…

Se vocês perguntarem a mim, Alfredo, “por que isso?”, eu não tenho resposta. Mas se não conseguirem concluir, e quiserem uma resposta personalizada, podem perguntar às minhas irmãs. Os nomes delas, eu escrevi aí, com todas as letras, para que não sejam confundidos.

PREVENDO E ANTEVENDO (2000)

Eu vinha caminhando apressado pela rua do Catete, quando vi um ajuntamento de gente no meio da rua. Todos olhavam para alguma coisa no chão.
 Atropelamento  pensei logo.  E bem em frente onde o meu pai reside.
Poxa! O meu pai só atravessa a rua, fora da faixa e eu já cansei de adverti-lo por isso...
Apressei o passo na direção da confusão e arrisquei uma olhada por baixo, entre as pernas do povo.
 Poxa!... Os tênis do meu pai. É ele que está estirado ali no meio da rua!...
Cheguei afastando todo mundo e fui logo me identificando ao policial presente.
Quando olhei, o meu pai, 80 anos, com os braços cruzados por baixo da cabeça, conversando animadamente e dando ordens pra todo lado.
Muito nervoso, pelo tanto que o adverti, só dava bronca nele:
 Está vendo?! Não disse?! Isso é pra você aprender!...
O povo até ficou contra mim, e ele só saiu dali, quando a ambulância do Resgate chegou.
Três costelas quebradas, quinze dias no hospital e mais trabalho para nós. Foi um susto também.
Pensa que ele aprendeu? Que nada! Está pronto para outra e continua atravessando fora da faixa.
É pena que a gente fala e fala, mas não adianta nada. Não é premonição. É lógica, é vivência, é experiência, são estatísticas, probabilidades. Mas não adianta. Se eu fosse um homem rico, todos me respeitavam. Mas hoje sou fósforo riscado. O que eu digo não tem qualquer valor.
O meu filho, Arahom, já brigou com o sócio, e está cheio de problemas. Perdeu muito tempo e se desestruturou todo. Ele ainda tem muito que amadurecer, mas não adianta porque ele não vai me escutar mesmo!... Se tivesse escutado, hoje seria um gerente de banco. A vida é dele... Mas eu avisei, não avisei?
O meu pai vai acabar sendo atropelado outra vez. (pode ser fatal da próxima) e o meu filho vai acabar duro como eu. É preciso adivinhar?!...

E POR FALAR EM DINHEIRO (2000)

A Ford, condenada no 1º Tribunal de Alçada de S. Paulo, a pagar à nossa empresa uma indenização por lucros cessantes, foi surpreendida pelos primeiros cálculos do perito judicial. Digamos, uma “fortuna.”... Só falta agora calcular e cobrar. Foi 3 x 0. Unanimidade. Mas eles conseguiram recorrer.
Gritaram e disseram que não vale. Reclamaram que o perito era apenas um engenheiro, (que ficou oito meses fazendo levantamento de custos para o seu cálculo) e não um contador (daqueles que acochambram as contas, e conseguem transformar lucros e prejuízos). Mas não vai adiantar. Está próximo, depois de mais de trinta anos, o dia em que eles vão pagar direitinho, tudo o que nos devem e eu, jamais voltarei a trabalhar na vida. (Tentar, quer dizer...)
Ainda falta o julgamento, em última instância, do Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Cinco ministros. Achamos que até o fim do ano, sai. E eu fico numa situação difícil, sem um centavo, sentado, aguardando ficar milionário. É difícil isso!
Pena que eu talvez precise deixar o meu país, por causa da violência, dos assaltos e seqüestros. Uma pena, mas fazer o quê?!… Não poso consertar o Brasil que os brasileiros escolheram. Viver disfarçado, escondendo a minha família, não poder mais sair à rua e tomar um banho de cano estourado?!… Ser obrigado a morar junto com aqueles riquinhos metidos a besta. Detesto isso!… Prefiro ir para outro país.

TUDO OU NADA (2000)
A Nádima, depois de tanto vai e vem, mudou a cabeça. Acho que finalmente conscientizou-se de como é a vida, e acabou definitivamente com esse negócio de ir pra S. Paulo. -“O meu lugar é aqui”- diz ela.
A Eurides (minha sogra), por sua vez, agora ajuda mandando dinheiro para a filha, que está estudando muito para um concurso, que pretende fazer aqui mesmo no Rio. Eu apoio e incentivo. Esse pode ser o caminho da salvação, mas sem levá-la à ilusão. Não será nada fácil… Se ela um dia conseguir um trabalho, vai ser uma ótima ajuda. Eu preciso mesmo passar esse bastão e já não é sem tempo… Mas, vai ter que correr atrás… Ela estuda e estuda, na sala, no quarto, até na cozinha, enquanto eu ainda reclamo que ela poderia me ajudar com os bonecos na sala. Ela agora já descobriu um caminho. Ela pode. Ela sabe que pode, e leva isso a sério.

Estou hoje vivendo um jogo de tudo ou nada. O dinheiro que vem da Ford é muito grande. Uma indenização de uma empresa impedida de trabalhar por mais de trinta anos, não pode ser pouco.
Se vier, vem muito, vem demais. Ou não vem nada e aí será o fim para mim. Serei um nada. Um zero à esquerda. É ficar milionário, mantendo a liderança da família, o meu potencial de trabalho, vivendo intensamente o que sobrou da minha vida até morrer, ou ser um morto vivo, esperando a vida passar por mais vinte ou trinta anos. Assistindo o desenrolar do futuro difícil da minha família. Não há meio termo.
É claro que tem certas coisas que eu não entendo: Se ganhamos o processo no 1º TASP de 3x0 (três a zero), como é que ainda caba recurso ao STJ? Para que serve um Tribunal de Alçada, se suas decisões unânimes podem ainda ser discutidas e podem ser modificadas. Então?!... Enfeite... Mero enfeite!...
Bem, cinco ministros vão julgar tudo de novo, aquilo que já havia sido decidido, em unanimidade, por três desembargadores. Eu confio na justiça brasileira, até que me provem o contrário. Afinal somos ninguém, lutando contra o poderio de uma multinacional corrupta como a Ford e até aqui vimos ganhando de goleada. Afinal, a razão está conosco (vide o capítulo FROTA GUANABARA-68). Falamos em acordo, mas eles, tão arrogantes como sempre, nem deram bola. Poderiam fazer um acordo baratinho, mas nem ligaram. Parecem muito tranqüilos, para quem está à beira de um colapso. Então eu pergunto a mim mesmo. Estarão confiando em quê? Ou é muita confiança de reverter uma causa pra lá de perdida ou muita burrice. Trinta anos de burrice. Ou será na corrupção?
Os dois pensamentos são muito difíceis de serem aceitos. Uma multinacional burra?! Um Superior Tribunal de Justiça corrupto?! (Cinco ministros?!...).
Valores imensos em discussão. E nós temos que esperar mais algum tempo. Quanto tempo? Minha vida passando, meus 60 anos chegando (eu tinha 25 quando tudo isso começou).
Como você acha que eu me sinto?

O POBRE RICO POBRE (2000)

É difícil descrever a minha situação hoje.
A expectativa de ficar milionário da noite para o dia está muito próxima da realidade. Mas é certo também que passo por um momento muito difícil. Digo momento, porque a vida é muito longa, mas é um momento longo, que levam anos para passar, se arrastando no dia a dia, difícil de chegar ao fim.
No país, a crise do desemprego bate novos recordes. Dizem que o Real melhorou a vida de quem permanece empregado (o que é mentira) Mas é incontestável que desgraçou a vida de 20% da população de trabalhadores formais, reduziu o valor real dos salários e triplicou a população dos informais (aqueles que “se viram” para não morrer de fome). Eu estou no meio desses, só que com quase 60 anos e muito cansado.
Eu perco o controle das coisas. Nada mais importa em volta. Só quero que o dia passe logo, para que eu possa dormir. Sou um mendigo de luxo, vivendo da esmola dos outros. Uma máquina encostada pela sociedade, mas tenho muito valor para mim mesmo. E ainda procuro ânimo para brincar de carrinho com o meu filho de 5 anos. No meio de tanta desgraça, no dia a dia da família de um desempregado, sem dinheiro para nada, eu ainda encontro palavras de ânimo e consolo a mim mesmo:
 Ora, não se preocupe... Daqui mais algum tempo, eu vou comprar um veleiro oceânico para mim. Um, não. Dois ou três, para poder caber toda a família.
E uns iates de 80 pés, com dois motores de 500 HP cada, virão logo atrás com os meus amigos meus seguranças e a minha equipe de servidoras.
Minha lista de dívidas e presentes aos amigos já passa de 4 milhões de reais e muitas casas eu vou dar de presente. Para nós, uma mansão na Barra, outra no Espírito Santo, outra em Pernambuco, outra em Sta. Catarina, para fugir do clima. Outras em Miami, nos EUA, Sidney na Austrália, por aí... Mas na verdade, pretendo mesmo é viver em hotéis de muitas estrelas, passeando pelo mundo afora, de trailers aviões e iates.
A Adwinnie quer uma suíte com hidromassagem, sala de estar inclusa e outra suíte para a sua melhor amiga, bem ao lado. Interfones... e mais algumas suítes para as outras amigas... Outra casa na praia e uns carros na garagem, com motorista.
O Adwilsthor já me pediu “um quarto com banheiro dentro” e uma coleção de Ferraris de verdade.
Eu, já quero uma mansão numa ilha particular, com trinta secretárias para me servir. Uma fazenda especial, com zôo, rios cachoeiras e muito lazer. Uma imensa casa sede, com piscinas térmicas, quadras de esporte e salões de festas... Construir o meu Palácio de Cristal. Ah!... A foto do Palácio de Cristal que eu desenhei, está aí ao lado.
A Nádima me despertou com o cafezinho. Ela é tão carinhosa comigo...
Me perdi.... Aonde é que eu estava mesmo?
Ah!... lembrei!... O meu dente canino esquerdo, que quebrou e me deixou uma falha feia no sorriso. Não posso sorrir direito agora. Que chato!...
Mas não faz mal. Já planejei um implante total lá nos EUA. Uma plástica de renovação no rosto e uma lipoaspiração na barriga. Uma super alimentação e umas massagistas variadas. Finalmente vou poder comer presunto ou churrasquinho com frutas no café, queijos, yogurtes, ovos quentes e geléia real. Vou contratar o grupo É o Tcham, as garotas do Faustão e a Daniela Mércuri para uma apresentação especial na minha mansão. E uma orquestra. Sim, claro uma orquestra para tocar no meu salão toda semana...
Como eu não tenho o que fazer, fico escrevendo essas bobagens aqui, deixando o tempo passar.
Vontade eu tenho mesmo, é de desligar dessa vida e só acordar daqui a dois anos ou três anos, quando tudo isso seja possível fazer. Eu sei que vivo um drama. Um drama triste, fantástico, que habita a minha “caixola”, enquanto a minha mulher estuda desesperadamente para um concurso, que lhe garanta um trabalho.
Tenho medo de ficar doente. E dormir, só com calmantes, não tem jeito. E se eu morrer antes de ficar rico? Não posso morrer logo agora!...
Vendi a impressora que pifou e comprei uma rede tarrafa, para pescar aqui na praia. Com muito sacrifício, cheio de dores musculares, dores nas pernas provenientes da coluna, o peso da tarrafa e dor no próprio braço direito causado por uma tendinite, vou trazendo uns peixinhos, siris e mexilhões para complementar o difícil cardápio da casa. Já não tenho mais 20 nem 40 anos. É tudo muito difícil... Faço o máximo que posso e muita gente não percebe, mas é a minha cota de sacrifício. A única que eu posso.
Já me aconselharam a não ficar só parado, aguardando o dinheiro da Ford sair, pode?! Você tem algum conselho também? Alguma sugestão interessante, para que eu não fique parado? Talvez eu deva treinar para a maratona, sair correndo por aí, ou ficar dando pulinhos no mesmo lugar durante esse período!...
Eu já botei um anúncio no jornal, oferecendo R$1.000.000,00 (hum milhão de reais) para quem me ajudar com R$ 3.000,00 por mês durante dois anos (tempo estimado) Ou seja, 500 mil por ano. O cara investe 36 mil em um ano e recebe uma Ferrari igual a do Ronaldinho. Sabe o que aconteceu? Ninguém acreditou. Nem apareceu. E eu gastei o dinheiro do anúncio.

PLANTANDO UM ACORDO (2000)

A Nádima finalmente passou num concurso para o IBGE, e já está trabalhando. Até que foi rápido. Metade do tempo que eu previ. Ela se esforçou muito, e mereceu. Está toda orgulhosa e se realizando mais uma vez. Agora como profissional. Ela merece. Eu fiquei tomando conta da casa e das crianças. Não estou reclamando. Acho tudo necessário, uma excelente alternativa para o momento e uma despreocupação para nós. A grana não é muita, mas vai trazer alívio financeiro e mental.

Venho buscando a Ford, com umas cartas, propondo um acordo no processo. Depois de quase seis meses, lá e cá, consegui marcar uma reunião na 8ª Vara Cível em São Paulo, com o diretor jurídico da multinacional aqui do Brasil.
Foi difícil. Tive que enviar cartas até para os EUA, gastar telefone, correios, fax e Internet. Paguei tudo às minhas custas, porque ninguém concordava ou acreditava em mim. Resta ainda a conta do telefone, metade do salário da Nádima, para pagar.
No dia 6/6, coloquei o terno azul marinho do casamento e os sapatos novos que o Alexandre me emprestou.
Do aeroporto, um avião da TAM me levou até S. Paulo. O Arley pagou todas as despesas. Eu cheguei com três horas de antecedência e fui conhecer o Fórum de S.P. por dentro.
No corredor, eu esperava, com as mãos geladas. Estava sozinho, sentado no banco em frente à sala do Juiz. Comecei a cantarolar, andando pelo corredor, para distrair a emoção. Afinal eu ia ter uma reunião com a cúpula jurídica da Ford. Íamos discutir sobre alguns milhões, dinheiro pra lá de inassimilável na minha mente de pobre. Eu sei que vinha chumbo grosso, mas me considerava preparado, fosse pra quem fosse. Só não podia ter um troço ali, antes, porque ia pegar mal...
Já havia passado cinco minutos da hora marcada e ninguém havia chegado. Estava vendo a hora que iríamos ser chamados, e nem o meu advogado que vinha ali de perto, estava presente.
Aos poucos todos chegaram e já dentro da sala, acomodados na grande mesa em frente ao juiz, acompanhado do nosso advogado, defendi os direitos da nossa empresa, e o objetivo maior, que era fazer constar em ata, os valores baixos propostos para um acordo e descarregar um pouco a tensão do STJ, que vai ter que julgar, pressionado pela responsabilidade de bilhões de reais. No fundo ninguém esperava que viesse da Ford, qualquer proposta conciliadora, inteligente ou interessante.
E foi assim o diálogo, transcrito parcialmente do relatório que apresentei a nossa diretoria ao retornar:

A AUDIÊNCIA (2000)
“Já acomodados na grande mesa em frente ao juiz, quase que simultaneamente eu e o Dr Cássio sinalizamos ao Mmo.Juiz, permissão para discutir a conciliação.
Juiz  Claro, desde que seja (razoável)!
Alguém levantou a assunto relativo ao valor periciado, e o juiz já saiu descartando qualquer hipótese de referência aquele valor.
Juiz  Aquele valor é absurdo e eu mesmo já (cancelei) e vamos fazer uma nova perícia.
Dr. Cássio, nosso advogado  Exa., aquele valor não está descartado, porque houve uma (apreciação jurídica) e dois votos validaram aquele valor, tornando-o hábil para uma discussão.
Juiz  Não, aquele valor está fora de cogitação. Eu mesmo já o (impugnei). Aquele engenheiro não fez um trabalho correto e não tem mais valor.
Alfredo  Mas Exa., esse é o único parâmetro que temos para basear uma discussão. Sem esse valor não temos como discutir um acordo. Eu posso até apresentar uma proposta de 1% sobre o valor do perito, mas só posso fazer propostas em função desse valor.
Advogado da Ford  (em termos técnicos) Já está sendo providenciada uma nova perícia a aí então teremos um valor realmente hábil para discutir.
Juiz  É... Esse valor é um absurdo!
Dr. Cássio  Mas não foi V. Exa. mesmo, que contratou o perito, ele não é de sua confiança?
Juiz  É, mas ele cometeu erros inaceitáveis. Está fora.
Dr. Cássio  Mas que erros, Exa.?
Juiz  Ele subcontratou um contador, para fazer o trabalho. Ele não poderia ter feito isso!
Dr. Cássio  Não, Exa. Ele fez todo o trabalho. O contador apenas revisou com ele, segundo o seu parecer contábil.
Juiz  Não, ele passou para outra pessoa fazer o trabalho que era dele. Está fora. Não trabalha mais pra mim!
Alfredo  Exa., pelo que eu soube, ele levou 8 meses fazendo levantamentos e colhendo informações técnicas, e isso é o trabalho de um engenheiro, não de um contador...
Juiz  Não, não... (me cortando) está fora de cogitação!  e voltando-se para os representantes da Ford  Vocês têm alguma proposta para fazer?
Dr. Nelson Diretor jurídico da Ford  Temos sim Exa.
E começou o Dr. Nelson a desenvolver sua proposta, riscando sobre um papel à nossa frente.
Dr. Nelson  Um táxi, rodando o dia todo, consegue no máximo o faturamento de (números) e gasta gasolina de (...) Tem também o desgaste mecânico...  e voltando-se para mim que estava bem à sua frente  Você sabe que tem o desgaste mecânico...
Alfredo  E daí, o que tem tudo isso a ver com a sua proposta?  Logo que percebi a sua intenção de não chegar a lugar nenhum.
O tempo passando, todo mundo parado, olhando ele dissecar aqueles cálculos sem objetivos.
Dr. Nelson continuando  ...que multiplicado por 49 carros...
Alfredo  Cinqüenta!
Dr. Nelson  É... cinqüenta. Dá... (não sei quantos mil) que ...
Alfredo  Exa.,  Voltando-me ao meritíssimo, preocupado se naquele ritmo, teríamos tempo de discutir todo o nosso assunto  eu não sei aonde o representante da Ford quer chegar, (eu sabia bem) mas está nos fazendo perder tempo, sem objetividade, com esses cálculos sem importância nenhuma.
Juiz  Não... Vamos ouvir. Ele está fundamentando a sua proposta.  e dirigindo-se ao Dr Nelson:  O sr. Vai apresentar uma proposta, não vai?
Dr. Nelson  Claro, Exa.!
Juiz  Então vamos ouvir.
Alfredo  Então vamos ouvir...
Dr. Nelson depois de encher muita lingüiça  Então chegamos ao valor (tal) que podemos arredondar para cinqüenta carros, o que podemos propor.
Juiz  Que tipo de carros o Sr. Está pensando?
Dr. Nelson  (Um tipo de carro lá qualquer) na faixa de R$ 20mil cada, dá um milhão exatamente.
Alfredo  Agora só faltou o Sr multiplicar os seus cinqüenta carros por 33 anos.
Juiz  Voltando-se para nós  O Srs. Aceitam a proposta?
Alfredo  Não. Não aceitamos. De jeito nenhum. É uma proposta descabida, que não está considerando aquilo que viemos buscar aqui. Uma conciliação. Desse jeito não chegaremos a lugar nenhum.
E aí começou a primeira discussão.
Dr. Nelson  Mas Alfredo, pense bem, vocês tem que botar os pés no chão. São um milhão, é muito dinheiro! Dá pra fazer muita coisa com tanto dinheiro.
Alfredo  Vocês estão brincando, se acham que eu vou pensar em considerar uma proposta dessas. Um milhão é nada, diante de todos os prejuízos que vocês nos impuseram até hoje. São trinta anos de prejuízos.
Dr. Nelson  Mas que prejuízos vocês tiveram? Vocês não tinham dinheiro nenhum! Dinheiro nem para pagar o seguro!
Alfredo  Negativo! Tivemos muito prejuízo! Toda a infra-estrutura que preparamos foi perdida, só eu, investi os meus dois carros 0 km que tinha na Transcoopass. Está lá até hoje a primeira empresa que fizemos, progredindo, faturando...
Juiz  Mas aquilo é uma cooperativa!
Alfredo  A Itapemirim nasceu na mesma época que nós, a 1001 está aí, milionária, e nós ficamos com cinqüenta placas de táxi nas mãos, sem ter o que fazer com elas.
Dr. Nelson  E por que vocês não compraram outros carros? Cortando-me.
Alfredo (continuando)  Ficamos com uma garagem vazia, rádios taxímetros, tacógrafos sem ter o que fazer com eles, um monte de associados que investiram seus carros, dinheiro, terrenos ...
Dr. Nelson (insistindo)  Que gastos? Vocês não tinham dinheiro!
Alfredo  Tínhamos dinheiro sim. E perdemos tudo! Até a nossa dignidade foi ameaçada! Ficamos foi cheios de dívidas!
Dr. Nelson  Por que vocês não compraram outros carros? Ninguém impediu!
Alfredo  Comprar cinqüenta carros não são cinco carros, levam seis meses uma negociação dessas, e em seis meses nós estávamos era lutando para não falir, gastamos o nosso dinheiro pagando dívidas, fazendo acordos com nossos credores e associados.
Dr. Nelson  E a empresa de vocês existe?
Alfredo  Claro que existe !
Dr. Nelson  E está funcionando ?
Alfredo  Como?! Vocês nos tomaram os carros e nos largaram cheios de prejuízos, como queria que funcionássemos. Estamos brigando até hoje, por causa disso, justamente!  e exaltando para os demais  Você já imaginou se o Henry Ford, tivesse montado um carro e não recebesse o motor e ...
Juiz  (meneando a cabeça e não me deixando continuar) Não, não, nada disso...
Dr. Nelson  E o que vocês fizeram com aqueles 17 carros que vocês receberam?
Alfredo  Que carros?!  (Cheguei a pensar que ele estivesse perguntando sobre os tais carros que foram comprados depois, como se estivesse jogando um verde)  Que carros? Não sei de carro nenhum!
Dr. Nelson  Voltando-se para o Juiz.  Exa., eles receberam muito dinheiro no encontro de contas que fizemos... (E começou de novo a enrolar contando, detalhadamente, aquela história do processo de reintegração de posse.)
Como ele estava dirigindo-se ao juiz, eu deixei rolar um pouco, mas lá pelas tantas, eu interrompi.
Alfredo  Exa., ele está falando de um assunto que já está enterrado, pra lá de extinto.
Juiz  Não, mas é importante saber a origem das coisas para se chegar às conclusões...
Alfredo (insistindo)  Esse assunto está extinto! Essa matéria já foi liquidada pelo STJ. Foi transitada em julgado, não temos mais que falar sobre isso. Viemos aqui para tratar de lucros cessantes. Estamos discutindo lucros cessantes, não reintegração de posse que eles já perderam...
E a essa altura estava falando todo mundo junto, e uma confusão generalizada. O Dr. Nelson insistia que nós já tínhamos usufruído lucros, naquela época, que dava para comprar 17 carros.
Dr. Nelson  O que vocês fizeram com aquele dinheiro?
Alfredo  Que dinheiro?! Vocês nos exigiram que caucionássemos a ação, e tivemos que conseguir um financista para isso, porque era muito o valor da caução...
Dr. Nelson  O tal de Manuel? Ele era o quê, de vocês?
Alfredo  Era um financista, que fomos obrigados a contratar. Ele ficou com a metade do dinheiro e o advogado ficou com a outra metade. Não vimos dinheiro nenhum. Você está pensando que aonde se consegue um monte de propriedades para caucionar uma ação daquelas?
Dr. Nelson  Então como eu disse, vocês não tinham dinheiro, nem para pagar o seguro. Se vocês não tinham como pagar os carros, nós não entregamos os carros!...
Alfredo  Nós tínhamos crédito, crédito em qualquer lugar! Além do mais vocês nos cobraram pelo seguro, e não o fizeram. Queriam que pagássemos tudo de novo. Fizemos um contrato com reserva de domínio, que era muito comum, e vocês nos levaram os carros assim mesmo.
Dr. Nelson  Então vocês compram 5 Boeings, não tem como pagar, nós pegamos os aviões de volta e vocês querem indenização de 5 Boeings?
Alfredo  Fizemos um contrato. E quem ia pagar o hangar que foi construído? E as pistas?
E voltando e insistindo com o juiz  Exa., estamos perdendo tempo falando de assuntos enterrados.
Juiz  Vocês têm uma proposta ?
Alfredo  Temos sim. Mas a nossa proposta tem como referência os cálculos existentes, feitos pelo perito.
Juiz  Nem pensar...
Alfredo  Se V. Exa. me tira a referência, tira a base de sustentação da minha proposta, como posso fazer uma proposta?
Juiz  Proposta com base nos cálculos que eu mesmo já (impugnei), não.
(Não entreguei o documento que havíamos feito, porque o advogado desaconselhou)
Alfredo  Bem, mas eu insisto. Quero fazer a minha proposta assim mesmo, com base nos cálculos do perito, e a nossa proposta é de 20% sobre esses cálculos.
Juiz  E qual é esse valor?  Perguntou a todos.
Advogado da Ford  Hum bilhão, duzentos e quarenta (e não sei quantos milhões).
Alfredo  É, mas esse valor atualizado é de 3,5 bilhões.
Juiz  Mas quanto é esse valor da proposta?... O valor da proposta.
Dr. Cássio  Setecentos milhões.
Juiz  Mas então está perto do que vocês estão propondo...  dirigindo-se aos representantes da Ford.
Advogado da Ford  Não, Exa. nós estamos propondo um milhão. São setecentos milhões o que eles querem!
Juiz  Virando a cara pro lado,  fúúú.... Isso não é proposta!...  e acrescentou  Não posso considerar nada com relação a um (laudo) que não tem valor...
Alfredo  Então V. Exa, considere apenas o valor de Setecentos milhões [de reais].
Juiz  Eu já nomeei outro perito. Então vamos esperar o novo laudo, para atualizar o cálculo.
E aí todos falaram ao mesmo tempo, concordando em submeter a proposta a um futuro cálculo.
Alfredo  Não, Exa. Nós não queremos vincular nada a nenhum cálculo futuro. Eu não sei se no futuro, nós estaremos interessados em fazer nenhum acordo. A nossa proposta só tem validade pra hoje. E assim sendo, pra mim, a reunião está encerrada.
E aí houve uma falação geral que eu não memorizei mais, porque não me importei.
Antes de encerrar, eu ainda sinalizei ao juiz que queria fazer duas observações. Ele me fez sinal para esperar, enquanto alguns assuntos eram discorridos, e eu já não acompanhava mais mentalmente.
Juiz  Então o que o Sr. Ainda queria acrescentar?
Alfredo  Primeira, queria deixar registrado aí na ata, a proposta que estamos fazendo, se não puder ser vinculada ao cálculo do perito, então que seja pelo valor que definimos.
Juiz  Virou a cara pro lado e balbuciou com ele mesmo alguma coisa como quem não vai fazer o que eu pedi.
Alfredo  Segunda, eu ainda quero fazer uma modificação na nossa proposta para apenas 10 % do que está na perícia. Dez por cento, ou seja, trezentos e cinqüenta milhões. Uma das duas coisas o Sr. Pode colocar aí. (Era fundamental que ele constasse em ata esse valor).
E ele disse que não iria colocar valores na ata. O Dr. Cássio ainda insistiu com ele, mas ele ditou à escrevente os termos que ele quis, e ficou por isso mesmo.
Todos assinaram a ata da reunião e eu assinei também, porque não adiantaria mais fazer nada de diferente.
 Esse juiz está comprado pela Ford, não adianta... Pensei comigo mesmo.
Despedimo-nos e saímos juntos da sala. O juiz ainda acrescentou ao Dr. Cássio, nosso advogado em São Paulo:
Juiz  Ainda vou ver você aqui de bengala!...  com ironia.
Alfredo  É... O como o meu pai... Já está de bengala.

NOS BASTIDORES (2000)
O Dr. Nelson, da Ford, ainda veio do meu lado, e ficou insistindo naquelas baboseiras, e passando o braço pelo meu ombro dizia:
Dr. Nelson  Vocês têm que pensar bem na proposta que eu fiz.
Alfredo  Nem adianta...
Dr. Nelson  Você leve pra sua diretoria, estudem com carinho e pensem: Eu ainda posso melhorar mais essa oferta...
Alfredo  Nem adianta. Está muito longe da nossa. Eu não vou nem pensar em levar uma coisa dessas para lá. Um absurdo...
Dr. Nelson  Pense bem, rapaz... Um milhão dá pra fazer muita coisa...
Alfredo  Olhe esse dinheiro vai ter que ser dividido por muita gente. Eu estou representando 180 pessoas aqui! (isso foi uma mentira)
Dr. Nelson  Iiiii!... Então não vai sobrar nada pra você.
Alfredo  São 40 associados e suas respectivas famílias. E já que você está oferecendo tantos carros assim, por que você não manda um pra mim? Eu estou sem carro! Manda um pra mim de presente!... (Como quem diz: Me compre, que eu vou gostar!...)
Dr. Nelson  Olhe, vão existir ainda 4 perícias! Vai haver mais despesas por aí...
Alfredo  Não tem importância. A gente paga. Temos outro financista agora.
Dr. Nelson  Vocês vão perder lá no STJ. Nós temos um ministro infiltrado lá... Vocês vão ter que pagar as custas dos advogados, também.
Alfredo  É... Nós sabemos que vocês têm um ministro lá, mas nós confiamos na justiça. Deixa julgar. Depois que vocês perderem e se conscientizarem da necessidade de fazer um acordo, então voltaremos a conversar. Você leu a minha carta, não leu?
Dr. Nelson  Li.
Alfredo  Então?!... Está tudo lá!...
Dr. Nelson  Li a que você mandou para os EUA também  Com ironia, porque eu critiquei muito a eles aqui do Brasil  Eles me procuraram e queriam saber o que estava acontecendo, mas eu os tranqüilizei e informei que não era nada daquilo...
Alfredo  Pois é, mas você ainda vai mudar de idéia...
Dr. Nelson  Lembre-se eu ainda posso aumentar essa oferta. Posso dobrar essa oferta!...
Alfredo  Então você lembre-se dos seus prejuízos também. Vocês ainda vão ter muita dor de cabeça, seus bens penhorados...
Dr. Nelson  Que nada, eu não vou deixar isso acontecer... Vou entrar com recurso!...
Alfredo  Você está aqui em S. Paulo, não é?
Dr. Nelson  É... Estou.
Alfredo  Que pena... Se não, poderíamos tomar um chope de vez em quando e discutir o assunto.”
E assim encerrou-se a conversa e cada um foi pro seu lado. De lá eu votei pra casa.

JOGANDO NO STJ (2000)

Agora vamos aguardar para próximo, talvez ano que vem, o julgamento do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Vai ser tudo ou nada. Ou Ficamos ricos, ou endividados pro resto da vida!
Fiquei pensando comigo mesmo: Eles praticamente ofereceram 2 milhões de reais. Dariam mais ou menos R$ 600 mil pra mim. Seis apartamentos médios na Zona sul.
Pra quem não tem onde cair morto deixa água na boca...
Bem ou mal, eles superaram as nossas expectativas. Nunca até hoje admitiram pagar nada, e já agora propõem pagar dois milhões. É um progresso. Vamos jogar tudo no STJ.
Só fiquei pensando uma coisa: E se eles tivessem proposto 50 milhões? E nós não aceitássemos, como não aceitaríamos! Estaríamos jogando com 50 milhões, como se apostássemos esse valor num jogo.
Se perdermos, eu teria deixado de ganhar 15 milhões. Um prêmio acumulado da Mega Sena! Como explicaria isso depois à minha mulher (minha ex-mulher, segundo ela) e aos meus filhos? Dureza!...
Ainda bem, que eles só ofereceram 2 milhões. 100 carros zero km. Jogo 29 fora que é a minha parte e não vou me arrepender.
Se, como a gente espera, ganhamos no STJ, vai ser só calcular o quanto vai ser a fabulosa indenização, fazer um novo acordo e partir para o abraço. Possivelmente, porque isso levaria mais dez anos para cobrar.
Concluí que esse Dr. Nelson é a pedra no caminho, e vou tentar desestabilizá-lo através dos EUA, mostrando todas as besteiras que ele já fez, prejudicando a Ford do Brasil. Quem sabe, na próxima reunião de conciliação, ele não apareça mais...
Depois de amanhã, tenho uma reunião com a nossa diretoria e advogados, para discutir os rumos da ação.

A NOVA ESTRATÉGIA (2000)

Há uma preocupação geral, entre nós, levantada pelo advogado Dr. Fontoura, um excelente advogado, quanto às influências que a Ford tem no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília. Já sabemos que o ministro relator, o mesmo que admitiu o recurso no STJ, é pai do amigo do amigo de um ministro de lá, sabe como é?... E o advogado já advertiu que eles vão pedir coisas impossíveis de se apresentar, como comprovantes de lucros cessantes. É uma guerra, podes crer!... Desigual, desleal e covarde...
Como vamos apresentar provas de lucros cessantes se nunca sequer funcionamos? E daí? Tivemos prejuízos, pelo lucro que nunca pudemos ter! Fomos impedidos de ter!...
O cara atropelou uma vaca prenhe da primeira cria, e depois de vários anos, condenado, quer pagar com um boi manco e deixar por isso mesmo. Está certo isso? Nós queremos também o leite que a vaca deixou de dar!... E as crias!... Mas e se a vaca nunca deu leite?... Não temos como provar que daria. Por isso não temos direito?!
Acontece que depois de tanto tempo, 33 anos, o leite e mais o desenvolvimento natural das crias e futuras vacas, e o leite dessas, etc., é tanto, que todos estão assustados, falando em absurdo. Se o processo durar mais cem anos, se tornará impagável. E por se tornar impagável, o STJ não vai querer mandar pagar. Mas o 1º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo nos deu ganho de causa por unanimidade!... Disse que temos direito sim, pelas presunções e por conclusão de que teríamos o leite e as crias, pela ordem natural das coisas.
Eis aí a questão. Se o STJ disser: “A Frota tem razão”, poderá estar condenando a Ford do Brasil à falência. Por isso, a tendência é dizer não, cometendo uma grande injustiça, mas não há uma terceira opção. E nós pagaremos o pato. A terceira opção era o acordo que não saiu.
Então, estamos alinhavando uma estratégia que no meu entender é muito boa:
No dia do julgamento, na hora do nosso advogado fazer a sua exposição oral, ele irá propor um acordo, quebrando a rotina do julgamento. Um valor bastante baixo, já sabendo que a Ford não vai aceitar. Entretanto, não baixo demais, para que, se na hipótese da Ford aceitar, não nos sintamos prejudicados. Pensamos em R$300 milhões, ou na pior hipótese, R$100 milhões.
Se desgraçadamente eles aceitarem, eu compro 30 fazendas, ou mil carros zero Km. Não está mal. Se eles não aceitarem, fica desmantelada a teoria dos impossíveis bilhões e aumentam as possibilidades do STJ julgar a nosso favor, que é o que interessa.
O lucro recorde da Ford esse ano, foi próximo de R$ 13 bilhões. Será fácil para eles agüentar o tranco que estaremos preparando para eles, depois do STJ...
................

A Ford conseguiu anular o valor da primeira perícia, de maneira que vamos começar tudo de novo. Um a dois anos mais de atraso. Perita comprada, juiz corrupto, etc. Um caos. É com isso que convivemos no dia a dia da nossa “justiça”.

ARREMATE (2001)

Era de se esperar. A contadora que fez a nova perícia da Ford, “calculou” o valor da indenização 3 mil vezes menor que o anterior, 2 milhões em média (após corrigidos). Um pouco maior que a nossa expectativa que era Zero e muito igual a proposta que eles mesmos haviam feito para o acordo... Totalmente comprada pela Ford, não poderia fazer nada diferente mesmo. Como pedimos a impugnação dela, não sei o que vai dar. De qualquer forma, acabaremos no Tribunal Superior de Justiça, para resolver isso.
Quanto à indenização que vem da Ford, poderá mudar muito a minha vida. Será outro capítulo, com muita coisa nova para acontecer. Eu tomarei cuidados para não destruir as coisas preciosas que já consegui, mas estou sem paciência para paparicar “amigos sociais”. Estarei olhando para as pequenas coisas e para o meu semelhante injustiçado, tentando ser justo, com certeza, e cuidar de mim também, nesse horizonte sem fim, pelo mundo afora, buscando as ilhas desertas para explorar e fazer amor. Então, com muito dinheiro, cuidarei desse livro e mandarei imprimi-lo.
Mas pode ser que o livro fique por aí, sem ser editado, por falta de dinheiro e você não venha a lê-lo. Quem sabe a única cópia que já estou preparando, debaixo do meu braço, e eu, debaixo de qualquer viaduto, em qualquer esquina… Pelo menos, o livro já está escrito, é o que importa, e a vida sem ele, ou com ele enchendo as livrarias, continuará, assim mesmo…
Quem já passou por tudo o que eu já passei, nem mais acredita que no dia de amanhã, vá acontecer alguma coisa diferente, do que me aconteceu nesses últimos quase 60 anos. Isto é: Não sei...
Estou pronto para o que der e vier. Pronto para ficar milionário, curtir a vida com intensidade, mas pronto para apanhar da vida, também. Vou lutar. Lutar pelos meus interesses, pelas minhas concepções, pela minha dignidade, pelos meus sonhos e ideais. Preparado para começar tudo de novo, indefinidamente, com humildade e resignação, até o meu dia final. No meio do pó das “irrealizações” e desencontros da vida, eu sempre acho a semente da felicidade. Seja nas coisas grandes como a minha família, enquanto durar, através dos meus grandes amigos, no amor, ou nas coisas pequenas, nas coisas simples como numa flor ou nesse livro… E não vou deixar de reconhecer a felicidade, onde ela possa existir. O prazer, de onde ele possa ser tirado, porque eu só tenho essa vida.

STJ – FROTA GUANABARA – 2003

Finalmente, o novo julgamento do processo da Ford. Sabem o que aconteceu? Perdemos!
5 a 0 !... Ou seja, anteriormente, ganhamos por unanimidade. Já parecia dinheiro no bolso. Agora, perdemos por unanimidade. Como é possível isso? Só a corrupção explica!

Publiquei no Fórum Jus Navigandi (E está lá até hoje)

AGORA, O JULGAMENTO SERÁ DO POVO.
Alfredo Bernacchi | Empresário / Rio de Janeiro
14/06/2003 01:35
RETIFICAÇÃO DE TEXTO
“Por um lamentável equívoco, troquei os nomes dos julgadores do processo abaixo citado, formando assim um lamentável equívoco e a estes peço desculpas. Segue o texto abaixo retificado:

Em 1967 a minha empresa fechou um CONTRATO com a ex-montadora Willys Overland, sediada em S.Paulo, que fez a melhor proposta entre outras, para a venda de 50 (cinqüenta) veículos que fariam parte da primeira frota de Rádio-Táxi do Brasil, totalmente financiados. Preparamos a infra-estrutura para receber os veículos e meses depois fomos diretamente à fábrica e trouxemos os 50 veículos rodando pela via Dutra, para o Rio de Janeiro, com toda a documentação em dia, já pintadinhos nas cores da empresa Frota Guanabara de Transportes Ligeiros S.A., criada pelo mesmo grupo que fundou a Transcoopass estabelecida no antigo Aeroporto do Galeão, empresa pioneira e premiada internacionalmente que funciona até hoje.
Nesse ínterim, a Willys foi comprada pela Ford do Brasil, empresa americAna que se recém instalara aqui.
Por força do contrato de garantia dos veículos, levamo-los todos menos um, às concessionárias daqui para a revisão gratuita dos 400 km.
Por alguma insatisfação interna, a Ford discordou dos contratos elaborados pela Willys, veículos faturados e entregues, sob garantia de Alienação Fiduciária, e alguns dias depois, na calada da noite, seqüestrou todos os veículos das concessionárias e os levou de volta a S. Paulo, causando imensos prejuízos à nossa empresa, que havia se preparado por meses, comprado todos os equipamentos caríssimos (rádios VHF, Centrais de Operação, antenas repetidoras, tacógrafos, taxímetros, garagem, oficinas, escritórios, ferramentas, 100 motoristas, pessoal de serviços, emplacamento, documentação etc.) para atender os 50 veículos, custos pagos com os bens pessoais (carros, terrenos, poupança) dos quarenta sócios da SA.
Perplexos, abismados e ultrajados, protestamos e como não se chegou a um acordo, entramos com um processo de Reintegração de Posse contra a Ford.
Desesperados com o prejuízo que se avolumava, após alguns meses, conseguimos, ainda que emergencialmente, adquirir outros vinte (20) veículos da Chrysler e chegamos a inaugurar e funcionar precariamente a empresa no Rio de Janeiro, com esperanças de resolver o problema com a Ford, mas isso não se deu. Não fomos capazes de superar os entraves acumulados desde o início (20 carros cobrindo o custo de uma infra-estrutura feita para 50 ficou muito pesado) e não tivemos como conciliar mais os interesses da empresa. Devolvemos os veículos à Chrysler e perdemos todo o equipamento comprado e o capital investido, para não chegar à falência.
Vinte anos após, depois de uma batalha imensa, onerosa, que nos exigiu fazer das tripas coração, onde a ré tentou todos os recursos possíveis e inimagináveis numa contenda desse tipo, ganhamos a Reintegração de Posse. (20 anos após).
Constava do Acórdão os seguintes termos do MM. Juiz PENALBA SANTOS do STJ que nos deu ganho de causa:
“DEIXO DE CONCEDER PERDAS E DANOS, POSTO QUE AS RECONHEÇA DEVIDAS, POR ENTENDER QUE O PROCEDIMENTO DA AÇÃO NÃO COMPORTA ESSE TIPO DE CONDENAÇÃO”
Como a Ford não tinha mais os veículos para ser entregues, e como teríamos que pagá-los, e como isso não mais interessava, pois não havia mais empresa, aceitamos a pequena diferença a nosso favor, entre uma coisa e outra, atualizados os veículos para os novos fabricados e corrigido monetariamente, e entramos com o processo indenizatório lembrado pelo iminente julgador. Pedimos os Lucros Cessantes, porque a maioria dos documentos relativos às perdas e danos foram prejudicados nos acordos e encerramento da empresa e ainda estes eram menos significativos.
Mais 15 (quinze) anos de batalhas judiciais correram contra uma multinacional poderosa, com uma equipe de 50 advogados, capaz de comprar até os móveis da justiça, que dirá os serventuários!
A Ford argumentava que não tínhamos como comprovar lucros cessantes, visto que não chegamos a funcionar. Mas segundo a lei, conseguimos um favorável Acórdão por UNANIMIDADE na Sétima Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada de S.P. que nos garantia o direito aos lucros cessantes, nos seguintes termos:
§ “Diante disso, parece certo que a identificação em cada caso dos lucros cessantes deverá levar em conta a sua natureza de “elemento negativo”, CUJA PROVA CABAL POR ISSO MESMO NÃO É DE SER EXIGIDA, MAS QUE DEVE SER RAZOAVELMENTE PRESUMIDA, em face de cada caso concreto, conforme recomenda a abalizada doutrina.”
§ “De fato, ensina o EXMO.M.I. CARVALHO DE MENDONÇA que “o lucro cessante, porém, NÃO COMPORTA ESSA PROVA ABSOLUTA E ADMITE ILAÇÕES OU PRESUNÇÕES, pois que tratamos de FATOS NÃO SENSÍVEIS, MAS PROVÁVEIS”
§ (art. 1059), significa que “até prova em contrário, admite-se que o credor HAVERIA DE LUCRAR AQUILO QUE O BOM SENSO DIZ QUE LUCRARIA” ... “tendo em vista os antecedentes” – (ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO). – [Antecedentes que no nosso caso eram os melhores possíveis].
§ “Bem assimiladas estas lições, parece razoável concluir que A APELANTE LUCRARIA COM A AQUISIÇÃO DOS VEÍCULOS, já que...”; “A falta de provas em contrário recomendava, - OUSA-SE OBTEMPERAR, CONSIDERAR, COM EFEITO, VERIFICADOS OS LUCROS CESSANTES, RESTANDO APENAS APURAR O QUANTUM”.
S. Paulo, 17 de março de 1995
ARIOVALDO SANTINI TEODORO – Relator,
ÁLVARO LOBO – Revisor e CARLOS RENATO Juiz.
Os anos que se seguiram, foram batalhas judiciais apurando esse quantum, recursos e mais recursos e mais recursos ainda, e todos ficaram assustados quando a primeira perícia atingiu o valor aproximado de US$ 2,000,000,000.00 (dois bilhões de dólares), o que significa uma empresa que iniciada com 50 veículos, lucraria e se expandiria em 20 anos de trabalho, mais juros e correção monetária atualizados à data, a exemplo do crescimento da Itapemirim da mesma época.
Tentativas infrutíferas de acordo foram feitas por nós, a Ford nos humilhou ao oferecer R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), “talvez o dobro” e a partir daí, a coisa complicou. A última perícia oficial, cujas despesas da perita foram sustentadas pela Ford, conseguiu calcular o mesmo valor da proposta de acordo, ou seja, em torno de R$ 50,00 por mês de lucro por cada carro (?)- Até um mendigo ganha mais - enquanto nós pedimos sobre o valor da tabela oficial existente na justiça para indenizações trabalhistas, o que resultaria em aproximadamente R$ 700 milhões de reais, algo razoável e irrefutável, passível ainda de um acordo para resolver.
Não se sabe como, a Ford, apesar de perder por 3x0, conseguiu um Recurso Especial para o STJ que mais dois anos após, julgou pelo acórdão da 3ª Turma, em 17/12/02, por unanimidade, razão à Ford, ou seja, que não temos direito a qualquer indenização, e temos ainda que pagar as despesas judiciais e advogados, em torno de alguns milhares de reais.
Foram estes os ministros da 3ª Turma que deram razão à Ford:
ARI PARGENDLER – Relator
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
NANCY ANDRIGHI
CASTRO FILHO
ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Eu só não posso esquecer que o Gerente Jurídico da Ford, Dr. Nelson Renato de Campos, quando em acordo nos ofereceu 50 carros como indenização, em particular, foi bem claro:
“- Vocês vão perder lá no STJ. Nós temos um ministro infiltrado lá... Vocês vão ter que pagar à custa dos advogados, também.”
Eu não acreditei, pois em virtude do andamento processual sempre favorável a nós, ainda tinha esperanças. Acrescentei:
- Eu confio na Justiça!... – Mas quem não sabe do lobby que rola nos bastidores da justiça? Quem não sabe?!
Era com esse mesmo lobby que o advogado da Ford Dr. Adir Passarinho quase gozava na nossa cara: Temos gente nossa lá...” Ora, lobby pra mim é o mesmo que quadrilha de ladrões. O que se pode deduzir disso? É você quem vai julgar.
Quando não se pode mais confiar nos expoentes da nossa justiça, vamos confiar em quê? Quando se sabe que desembargadores e juízes estão por aí, se vendendo barato, rola por terra qualquer hipótese de democracia e justiça. Ficamos entregues às baratas, a mercê da honestidade de cada um. É possível isso? Se o juiz é honesto, você ganha, se é corrupto, você perde? E quanto você acha que uma empresa que corre o risco de desembolsar 700 milhões de reais, poderia oferecer a 4 ministros para mudar a sua concepção de justiça? E você pode ir lá quebrar o sigilo bancário deles para provar isso? Aonde?! Na Suíça?!...
Claro que se fosse lá nos EUA eles não fariam isso!
Diante desses fatos eu, Alfredo Bernacchi, diretor e fundador dessa empresa, bastante revoltado, totalmente indignado, estou denunciando esses procedimentos espúrios e covardes, cansado de esperar por 37 anos a reparação de um direito que é meu e está sendo negado pelo que se conhece por JUSTIÇA, se é que, um processo durar 40 anos pode ser justo, e você que está lendo esse texto deve bem imaginar como e porque perdemos o último acórdão.
É preciso que nós internautas, mostremos a nossa força divulgando esse manifesto. É preciso que o mundo saiba como funciona a Justiça Brasileira, é preciso que o povo saiba o que as multinacionais americanas como a Ford vêm fazer aqui no Brasil. São as arrogantes, donas do mundo que manipulam o nosso país, pela força do capital e da corrupção. Achincalham, os nossos direitos, nos humilham, envergonham, dão uma gorjeta para os nossos juízes mortos de fome e obtém sucesso, tratam-nos como tupiniquins analfabetos, desrespeitam, avacalham, tripudiam, gozam e ainda conseguem razão.
Por isso, amigos, divulguem, espalhem pelo mundo todo, para que a vergonha caia sobre esse país, assim, quem sabe, os homens de bem que ainda têm alguma dignidade e poder, reajam de alguma forma contra isso.”

Entretanto, por incrível que pareça, ainda há Recurso. Porque há uma divergência entre dois processos semelhantes com decisões diferentes da mesma turma. (Cá entre nós, num processo eles levaram muita grAna para julgar diferente do lógico, no outro foram “honestos”, não é?) A isso se chama Embargos de Divergência. Continuará no Superior Tribunal e será novamente julgado, dessa feita por uma quantidade ainda maior de ministros do Órgão Especial que reúne várias turmas de julgadores, ou o Supremo, quem sabe? Isso demora, mas vamos aguardar. Quem sabe, meus netos...
Na verdade não tenho mais esperanças. Entrou a corrupção, saiu a razão. Acabou.

DARIO MIGUEZ ALVES - 2005

O meu pai, com toda aquela idade e largado por aí, acabou levando um tombo e quebrou a bacia ou o fêmur, nem sei mais.
Internado em um hospital conveniado com seu Plano de Saúde, não saiu mais depois de dias induzido em coma total.
Bom, ele já estava muito idoso e deficiente da saúde, com problemas nos pulmões devido ao fumo na juventude e ao abandono na velhice.
No final da sua vida, já estava esclerosado e não sabia mais o que fazia corretamente, criando muitos problemas para quem o assistia.
Mas o meu pai deixou a sua história. Foi um grande guerreiro, certamente, ao jeito dele acertou e errou muito na vida. Os maus exemplos que deixou, circunstâncias profissionais, por exemplo, serviram para quem estivesse atento tirar lições de vida, assim como os bons exemplos, naquilo que ele acertou, também. Indiscutivelmente, era um homem de muita garra. Imbatível na sua força de vontade. Um negociador de extremos. Como um construtor de carreira curta, que nem diploma tinha, conseguiu fazer um empreendimento financiado pelo governo e construiu um edifício com 4 blocos de 6 andares? Como é que um cara sem dinheiro consegue comprar 50 carros financiados numa fábrica e mais 20 em outra? Como uma pessoa consegue transformar um bando de motoristas de taxi irresponsáveis, numa organização de cooperativa, a primeira no país, de tremendo sucesso?
Era um visionário e buscava o que queria com uma persistência e capacidade única. Conseguiu ganhar um processo contra a Ford do Brasil, de Reintegração de Posse de 50 carros e ainda arranjou um bom lucro para ele. Assim era o meu pai.
Mas o meu pai não foi bem orientado na vida, pois ficou órfão de pai aos 5 anos. Pobre, ajudava a mãe que costurava pra fora. Por isso mesmo, também não foi um bom orientador nem parceiro, e eu entrei pelo cano também na minha vida profissional, como ele e com a “ajuda” dele.
Não foi Feliz com a minha mãe, embora gostasse muito dela, pois não sabia lidar corretamente com a mulher. Acabou ralando o casamento. Mas foi um ótimo pai de família, carinhoso, cuidando o máximo para que todos fôssemos Felizes. Deu proteção e lazer para todos, sempre o melhor que pode, com boa vontade. Desde crianças (1956) tínhamos sempre casa boa com quintal, aparelho de som “hifi”, televisão que era raro na época, bicicletas e carro para passear. Minha mãe reclamava dos lençóis velhos. Nunca agrediu os filhos nem os tratou com grosseria ou humilhação. Sempre foi honesto, honroso e digno. Lamentavelmente, não soube viver, mas foi Feliz na maior parte da sua vida. Tinha os pulmões fracos, com enfisema por causa do cigarro arranjou umas pneumonias por abandono. Agora virou história. No dia de Natal, desligaram os aparelhos, que o mantinha em coma... Presente pra ele. Faleceu sem saber o que se passava. E assim eu conto.



Alfredo Bernacchi
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