Seu nome era Maria. Uma Maria qualquer, como tantas outras!
Maria Ninguém! Maria em vez! Maria sem voz!
Ainda estava escuro quando ela sentou-se na cama e, tateando buscou o pequeno relógio para olhar as horas. Ainda era muito cedo, mas ela pouco dormira durante a noite.
Levantara-se várias vezes agitada, ansiosa, angustiada com as muitas preocupações: o aluguel prestes a vencer; a conta da luz, que mesmo com toda economia feita, viera alta demais; o material escolar das crianças, o gás que estava por acabar; o arroz e o feijão quase no fim; o desemprego do marido; a corrupção dos políticos, a miséria do povo...
Nesta noite de insônia, quantas coisas se passaram pela cabeça dessa mulher que se preocupava não só com a sua situação, mas também com a situação desesperadora dos seus semelhantes.
O marido, deitado ao seu lado, na velha cama, roncava. Bebera muito na noite anterior, numa tentativa inútil de esquecer os problemas e as dificuldades que se faziam presentes. Tão cedo não acordaria.
A mulher recostou-se no travesseiro e suspirou. Precisava encontrar forças para enfrentar o novo dia que se iniciava, mas o desânimo inundava todo seu ser e ela imaginava que tudo seria triste e cinzento. Sentia-se impotente, o coração dolorido, os sonhos desfeitos, as ilusões perdidas, os ideais ao léu.
Logo, o barulho da rua anunciava a manhã que chegava alvoroçada. Ela deixou os devaneios de lado, pulou da cama, esticou os braços para o alto, espreguiçando-se toda, tentando afastar a preguiça e a dor das costas.
Foi nesse momento que Maria notou um luminoso raio de sol que entrava pela fresta da janela, colorindo o velho lençol puído, como um retalho de esperança e de vida nova.
Ela o recebeu com um sorriso e viu que as trevas da noite davam lugar à luz. Era o dia clareando... Entre os escombros do seu coração, ouviu-se um gemido... Havia vida, e onde há vida a esperança marca presença.
O brilho do sol tem o poder de dissipar os medos e os dissabores da noite escura e ajuda a refazer os sonhos, a reencontrar as ilusões, a reconstruir projetos e a buscar novos ideais.
Ao perceber que o sol entra pelas pequenas frestas que deixamos, Maria Ninguém elevou aos céus uma prece de agradecimento e, sentindo-se dominada por um novo ânimo, endireitou o corpo e foi à luta. Saiu de cabeça erguida, respirando fundo, sentindo o sol em seu rosto, cheia de alegria, dominada por um sentimento enorme de otimismo e coragem.
Ela sabia ser uma simples Maria no meio da multidão que se atropela no dia a dia, cada um voltado para os seus próprios interesses.
Infelizmente é assim.
Porém, Maria Ninguém não queria isto para ela: queria olhar para os lados, olhar para as pessoas, dar e receber sorrisos e cumprimentos, ajudar e receber ajuda. Queria ser solidária e livre de todo preconceito que discrimina os “ninguém” assim como ela; queria ser respeitada como gente, como mãe, como esposa e principalmente como mulher.
Aquele raio de sol fora, para Maria, o sinal verde que ela tanto precisava. Ele parecia dizer-lhe: Fala Maria, a palavra é sua!
E assim, a cada manhã quando o raio de sol entrava pela sua janela, Maria renovava suas forças e suas esperanças. E , saía de peito aberto, levando seu amor a todos que encontrava, sempre com uma palavra de consolo, de ânimo e de incentivo.
Maria Ninguém sim...
Maria sem vez sim...
Mas nunca Maria sem voz!
Sua voz não mais se calaria, pois trazia no coração a certeza de que assim, um dia, chegaria a sua vez de ser Alguém. |