A vingança do santo Pedro
Geni de Lima van Veen
Pedro, um homem muito simpático, atencioso,calmo
e pacato. Casado com Gercina, uma mulher
tirana e encrenqueira.
Ninguém, naquele vilarejo, entendia o casamento
daquelas duas pessoas tão distintas.
Esse já era o segundo casamento de dona Gercina.
Do primeiro casamento, ela teve um filho, e do
casamento com o senhor Pedro, nasceram cinco
meninas.
Por ordens dessa tirana as meninas foram
impedidas de frequentar uma escola, e só tinham o
direito, estabelecido por ela, de ir para a
colheita na roça.
O sonho do marido era ver as filhas estudadas e
preparadas na vida. Mas o sonho dele não tinha
importância alguma para sua esposa, afinal de
contas, ela era o chefe da tribo.
O tempo foi passando, as meninas cresceram, se
casaram e formaram famílias, e Pedro continuava
sonhando em silêncio e acompanhando a vida
passar, ao lado da sua cruz.
Um dia, uma das netas resolveu passar férias com
os avós. Foi quando viu aquela vida primitiva dos
velhos. Sim, porque a velha católica, apostólica
romana, não admitia sequer uma televisão dentro
casa.Geladeira... nem pensar! E fogão?... Jamais!
Tinha que ser fogão à lenha!
A opinião de dona Gercina à respeito da
tecnologia, eram invenções do demônio.
Foi quando a neta, cansada de tomar banho frio e
canequinha, resolveu presentear a avó com um
banheiro, onde tinha privada e chuveiro. A velha
aceitou, desde que a neta quando fosse embora,
tirasse tudo e deixasse como antes.
Seu Pedro não se cabia de contentamento. A
felicidade dele fazia brilhar em seus olhos, mas
também não se atrevia em balbuciar uma palavra de
alegria.Trazia sua satisfação escondida em seu
coração simplório e sofrido.
Pobre coitado... A primeira exigência que dona
Gercina fez a ele, foi pra que não usasse aquele
banheiro, e quando ele fosse para o banho ou
outras necessidades, que usasse o galinherio que
ficava no fundo do quintal.
E assim o coitado fazia, sem lamúrias ou
queixumes!
Pedro, sempre obediente a ela, nunca se atrevia a
ir contra suas ordens ou opiniões. Realmente, ele
era um santo!
Por muitas vezes dona Gercina fazia Pedro ir à
feira pra comprar peixe em plena quarta-feira,
sendo que o dia da feira era nas quintas. Mas seu
Pedro para não contrariá-la e não deixá-la
furiosa, não ia contra suas ordens e caprichos.
E lá ia ele, totalmente corcunda, passos lentos e
encarando uma andada de pouco mais de 20 km.
Horas depois ele voltava, e dirigindo um olhar
decepcionado a sua esposa, por não ter conseguido
agradá-la, diziá-lhe que a feira era só no dia
seguinte.
Mas dona Gercina sempre fazia isso com o velho
nas quartas-feiras.
Num determinado dia aquela neta retornou à casa
dos avós. Ela estava de férias e também já havia
feito muitas amizades no vilarejo onde os avós
moravam.
O banheiro que ela havia reformado antes, não foi
destruído, mas também estava intacto, nunca mais
ninguém fez uso dele.Quando ela perguntou ao avô,
por que ninguém o usava, o avô lhe respondeu que
por ordens de Gercina, só as visitas usariam
aquele banheiro.
_E onde vocês tomam banho e evacuam? perguntou-
lhe a neta perplexa com a resposta do avô.
_Ah filha! A gente continua usando o galinheiro
lá
no fundo do quintal, e as galinhas já tomaram
outro rumo. Sua vó fez um novo galinheiro pra
elas! Respondeu o avô, naquela complacência que
só ele tinha.
Realmente, a neta não entendia de onde esse homem
tirava tantas forças pra aguentar as caduquices
da avó. Não entendia como ele conseguia viver
tantos anos cercado de tanto domínio e tirania, e
sempre humilde e conformado.
Logo no dia seguinte dessa conversa, já raiando
o dia, o avô pisando nas pontas dos pé, foi até o
quarto onde a neta dormia, e muito cuidadosamente
a acordou.Falando bem baixinho, pediu à ela que
não fizesse nenhum barulho e apenas o escutasse.
A príncipio ela se assustou com tantos
cuidados.Chegou até a pensar de que o avô teria
dado o seu grito de guerra, e dado cabo à vida da
velha
maluca.Mas não foi nada disso.
Na verdade ele só queria dizer à neta que ele
iria à casa da irmã , que ficava do outro
lado da rua. Mas se a avó perguntasse por ele,
era pra neta dizer que não sabia onde ele estava
e que nem o viu pela manhã.
É claro que a neta não poupou esforços nenhum
para ajudá-lo. Muito pelo contrário, jurou a ele
que jamais diria alguma coisa à ela.
E assim, ele tomou rumo para a casa da irmã.
Seria a última casa que a avó iria, mesmo porque
elas eram inimigas de longa data.
Passado algumas horas a avó acordou e a neta que
já estava acordada, fingia dormir. A avó preparou
o café e logo em seguida começou a gritar pelo
marido. Cansada de tantos gritos em vão, dirigiu-
se ao quarto onde estava a neta e perguntou-lhe
se ela havia visto o avô.
_É claro que não vó. Aliás acordei com os seus
berros!
_Meu Deus! Onde é que o Pedro se enfiou? disse a
vó, aflita.
_Calma vó.Talvez ele tenha ido até a lagoa dar
uma caminhada. Disse a neta no intuito de acalmá-
la.
Qual não foi a surpresa da neta, quando a avó se
pondo histérica, começou com aquela gritaria,
chamando a atenção de todo o vilarejo!
_Ai meu Deus, meu marido morreu afogado.Tenho
certeza que Pedro se afogou. Socorro, me ajudem!
Fiquei viúva! Socorro, me acudam, meu marido
morreu!!!
E assim entrou numa crise de desespero. E a neta
tentando acalmá-la com aquele amontuado de gente
que chegava pouco a pouco na casa.
Foi sem dúvida, para a neta e os demais, uma das
cenas mais ilárias que dona Gercina já havia
feito.
Mas mesmo assim, a neta não se dobrou e muito
menos quebrou o juramento que fez ao avô.
Entre uma cena e outra da avó, e aproveitando o
aglomerado de gente que entrava e saía da casa,
ela foi saindo bem de mansinho e foi ao encontro
do avô. E lá estava ele, na casa da irmã, calmo e
tranquilo, saboreando aquele cafezinho matinal.
A neta contou-lhe o pandemônio que estava
ocorrendo, e pediu pra que voltasse logo pra
casa, antes que a avó chamasse a polícia e os
bombeiros.
Ele pediu para que a neta voltasse, pois iria
logo em
seguida, assim que acabasse de tomar o café.
Voltando para casa da avó, a neta ficou em choque
quando viu o número de pessoas que lá se
encontravam, e o choque maior ainda, foi aquela
cena: a avó já toda vestida em preto, com aquele
véu fúnebre que lhe cobria o rosto!
_Seu primo Anibal, já foi até a lagoa buscar o
corpo de Pedro! Disse em prantos à neta!
_Vó, mas que absurdo é esse? Como a senhora pode
afirmar que meu avô está morto? Indagou a neta,
sufocando o riso na garganta.
_Seu avô nunca se separou de mim pra nada, muito
menos, nesses anos todos, nunca se ausentou sem
que dissesse a mim onde iria.Tenho certeza de que
morreu, e agora só me resta cuidar do
sepultamento, e quero que seja o enterro mais
bonito do vilarejo, afinal de contas eu não perdi
apenas um marido, perdi meu santo guardião. Já
pedi para que o padre compareça e seu primo
Janilson foi comprar a coroa de flores que
enfeitará o caixão.
Foi nesse instante que a neta sem outra
alternativa, e com a demora do avô, resolveu
contar a veracidade dos fatos, mas antes que
abrisse a boca, foi detida com o avô entrando em
casa e estarrecido com o aglomerado de pessoas
que
já velavam seu corpo ausente.
A avó num grito súbito dizia estar vendo o
espírito de Pedro, chegando e a chamando para o
lado dele.
E sem que ninguém esperasse, a velha caiu em
terra. Estendida no chão, olhos abertos e corpo
inerte.Era a morte da megera, causada pela curta
liberdade do santo Pedro.
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