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Artigos-->A figura do demônio na cultura popular -- 29/01/2002 - 04:40 (Marcílio Dantas Brandão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RESUMO (por Marcílio Dantas Brandão)

"A quotidianidade do demônio na cultura popular." Eduardo Diatahy B. de Menezes. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: Campus, 1985. N&
61616; 12/2, pp. 91-130.





Diatahy começa este denso artigo com uma clássica citação de Thomas Mann em Doktor Faustus que nos faz refletir sobre a presença da figura demoníaca (malígna) entre os povos religiosos, a saber “... onde quer que haja Teologia, o Diabo também deve entrar no quadro, preservando sua autenticidade complementar à de Deus. (...)” Na mesma obra T. Mann continua suas elucubrações acerca da figura demoníaca, expressando incompreensão com relação à análise feita pelos teólogos onde o Diabo figura apenas como um símbolo e o Inferno é um conceito muito mais simbólico do que o Céu. Ora, segundo Mann, o povo sempre se identificou mais com a imagem drástica do Diabo (mais próxima das agruras da vida real) do que com a Majestade Suprema e o seu universo simbólico de paraíso.



I. INTRODUÇÃO

“... examinar alguns aspectos do universo religioso enquanto componente do ethos cultural que se depreende da nossa cultura popular e mais especificamente de nossa literatura de cordel (...)” (p. 56) constitui o objetivo principal desse trabalho, mas vale ressaltar o caráter preliminar dessa intervenção que é apenas parte de uma pesquisa mais ampla empreendida pelo autor sobre cultura popular e religião.

“... as diversas formas de manifestação da cultura popular nordestina constituem um dos principais núcleos fornecedores dos materiais que, devidamente examinados, permitirão desvendar algumas das matrizes da significação e do perfil do que se convencionou chamar de Cultura Brasileira (...)” Os discursos e a realidade existencial coletiva estão, segundo Diatahy, em relativa correspondência. Dessa correspondência e da importância da cultura popular nordestina para a análise da cultura brasileira advém o porquê de estudar a literatura de cordel enquanto “discurso caboclo” (DIATAHY: 1980).



II. A PRESENÇA DEMONÍACA NA CULTURA

As figuras do Daibo e do Inferno constituem um artigo de fé indubitável, mesmo para quem não acredite é um fato histórico indiscutível. A literatura religiosa e, principalmente, a Bíblia tratam destas figuras. Na Bíblia, desde o Gênese até o Apocalipse, o Diabo é um dos personagens mais freqüentes e a escritura sagrada é uma das principais fontes de nossa cultura tanto popular quanto erudita. Diatahy, comenta a forma poética e a estrutura narrativa de um dos livros bíblicos &
61485; Jó &
61485; que, segundo ele, muito se assemelha com um folheto de cordel que relata a disputa do Demônio com Deus. A narrativa dos sofrimentos e provoções a que Jó é submetido até atingir o triunfo é comparável ao folheto Os Martírios de Genoveva de Leandro Gomes de Barros.

Na literatura erudita e clássica também é muito freqüente a presença do Diabo. No Brasil, os exemplos são incontáveis: José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Antônio Cândido são, entre muitos outros, autores que apresentam com freqüência as figuras do demônio e do inferno em suas obras. O drama do homem que pactua com os poderes do mal e depois desafia esse mesmo poder maligno é um tema corrente da Idade Média. O desejo de subversão/transgressão de ordem e condições impostas a necessidade de afirmação do poder do espírito humano também justificam na literatura ocidental muitos pactos demoníacos. Como exemplo dessa presença, podemos citar os Fausto de Marlowe, Goethe, Valéry e T. Mann; o conto medieval revisto por Maquiavel: Belfagor, o arquidiabo em que o demônio assume a condição de homem e casa-se a fim de constatar se a mulher é a origem da desgraça de seu companheiro. Rabelais é outro clássico que trata dessa presença em Pantagruel onde um humilde camponês consegue ludibriar o Diabo.

Em Portugal, país que “contribui” muito para o nosso legado cultural e de quem herdamos a literatura de Cordel, a presença demoníaca na literatura também é imensurável. Um bom exemplo da manifestação da figura demoníaca na literatura portuguesa é o conjunto de, pelo menos, 11 peças de Gil Vicente (dramaturgo português que mescla tradições eruditas com populares) onde esta figura está presente quer como figurante, quer como tema central.

Na literatura brasileira já citamos exemplos de autores ditos eruditos, mas é sobretudo na literatura que emerge de nossas classes subalternas que essa temática se revela freqüente. “... é inegavelmente em nossa literatura de cordel que o Diabo, implícita ou declaradamente, constitui um dos personagens centrais da maioria de suas histórias e, quase que invariavelmente, é o móvel fundamental na explicação dos eventos, das situações e dos comportamentos.” (p. 60) Vale ressaltar que, segundo Câmara Cascudo (Cf.: Geografia dos Mitos Brasileiros, 2a. ed, Rio: José Olympio, 1976. pp. 51-77), a noção cristã (ainda corrente) do Diabo não existe entre os nossos índios. As missões religiosas, ou seja, a catequese colonial é que a difunde junto com a nossa correlata idéia de Deus. As identificações de Deus e Diabo com Tupã e Jurupari respectivamente, são forçadas pela tradição religiosa judaico-cristã.

No domínio das artes plásticas, da música e de outras manifestações culturais é também freqüente a presença da idéia cristã de demônio, mas neste trabalho não constitui um dos objetos de análise.



III. A SUA ORIGEM

Ao longo de milênios a construção da figura do Diabo reforça-se pela tendência do homem a encontrar um bode expiatório (preferencialmente, não-humano) a quem atribuir culpa pelo mal, pela violência, pelo sofrimento e pela infelicidade. Desde a civilização pastoral, passando pelo xamanismo dos nômades asiáticos, até a era contemporânea, incluindo a civilização industrial e pós-industrial &
61485; os homens têm criado e recriado deuses, demônios e toda uma tradição mitológica sobre felicidade e desgraça em vida e depois da vida, que corresponde e expressa a moral.

O conjunto dos temas orientais, persas, cristãos, etc... desde as concepções mais arcaicas que conhecemos até a atualidade comporta o antagonismo entre Deus e Satanás; onde há um princípio maléfico que representa a antítese do bem. Porém, a concepção judaico-cristã, apresenta-nos apenas um poder primordial e é este mesmo poder supremos que cria os seus “anjos caídos”. Assim, a concepção maniqueísta da realidade parece não está reduzida à percepção judaico-cristã, pois ela apresenta-se em todo o processo evolutivo da humanidade um conjunto imensurável de pares antitéticos que reduzem o real a duas dimensões que se excluem e se completam mutuamente, assim, temos: bem e mal; Deus e Diabo; luz e trevas; verdadeiro e falso; Céu e inferno; branco e preto; vida e morte; rico e pobre; burguesia e proletariado; essência e aparência; macho e fêmea; amor e ódio; prazer e dor; ying e yang; etc.

A origem etimológica da palavra demônio, ligada à dâimon, não designava o que hoje entendemos por demônio, mas sim uma divindade oposta a théos, um deus pessoal. Posteriormente a palavra foi tomando progressivamente o sentido negativo a que hoje está ligada. Significava apenas adversário e, mais precisamente, aquele que no tribunal se apresenta como acusador . É no Novo Testamento que se institui esta imagem do demônio como sendo a antítese do bem e o grande adversário de Deus. “... O seu campo de atuação é definido como o pecado, de que é a origem (...) os maus espíritos lhe são submissos e, no Apocalipse, o Anticristo é o seu instrumento. O Novo Testamento supõe assim a existência de um poder do mal, personificado. (...)” (p. 61) Discute-se a possibilidade de contaminação da concepção judaica pelo dualismo persa, onde Ahriman, o princípio do mal e das trevas, é independente de Ahura Mazda, deus do bem e da luz. Esta contaminação da doutrina judaica poderia ter se dado durante o longo cativeiro babilônico ao qual a Europa foi submetida.

Em resumo, esse é o legado demonológico que chegou ao Brasil com Cabral; incrementou-se com a catequese jesuítica e as missões religiosas, somada às contribuições indígenas e africanas; e continua a criar-se e recriar-se no Brasil e no mundo contemporâneo tão religiosamente sincrético.



IV. A QUOTIANIDADE DO DEMÔNIO NA LITERATURA DE CORDEL

Após a discussão da origem e da contínua presença desse personagem na cultura que, como trataremos daqui por diante, dá-se de forma mais intensa nas manifestações simbólicas das classes subalternas. O problema mais específico que preocupa o autor dessa comunicação é &
61485; a despeito da maléfica e perturbadora influência desse personagem &
61485; procurar saber por que o Demônio é tão presente na produção mitopoética de nossas camadas populares. A hipótese que orienta o trabalho é a de que não existe um “ciclo do Diabo” na literatura popular, mas que a presença desse personagem perpassa de forma central ou periférica toda a produção de folhetos de cordel tanto da Idade Média quanto do nordeste brasileiro.

Consonante à ampla argumentação acerca da hipótese de orientação desse trabalho, Diatahy nos apresenta diversos exemplos da presença do Diabo nos folhetos de cordel. É isso que tentaremos fazer nessa comunicação escrita: mesclar os exemplos de cordel à análise da narrativa que possibilitará a evidência da identificação dos autores &
61485; provenientes do meio rural nordestino &
61485; com o pólo diabólico do antagonismo fundamental que orienta o percurso histórico.

O folheto A mãe que xingou o filho no ventre e ele nasceu com chifre e com rabo do poeta baiano Minelvino Francisco Silva que se autodenomina “O Trovador Apóstolo”, narra o acontecimento explicitado no título: uma mãe xinga seu feto e à meia-noite do mesmo dia em que o xinga, ela começa a sentir dores. É levada ao hospital e, através de uma cesariana, dá luz a uma estranha criatura, conforme o autor descreve: “De rabo, asa e esporão / Com dois chifres na cabeça / Pretos da cor de carvão.”

Espantado, o médico tenta liquidá-lo com uma injeção: “Daquelas que extermina / E aplicou no moleque / Para cortar sua sina / Mas ele sorriu e disse: / Para mim é vitamina.”

Depois de comprovar que nem jaula de ferro prende este negro, os personagens apelam para Jesus Cristo e, enfim, conseguem o seu intento. Assim, comprovamos que o poeta apresenta suas reflexões de acordo com o modelo de moral exemplarista de fidelidade à Deus e repúdio ao Demônio, necessário para evitar os castigos celestiais. Esta é a mesma hipótese que orienta as narrativas mitopoéticas da Grécia clássica: o exemplarismo que desvia o olhar do povo do que há de sombrio e tenebroso na vida quotidiana .

Dada a inverosimilhança da história aqui narrada, o poeta tenta isentar sua responsabilidade com os seguintes versos: “Se isto não for verdade / Esta história que rimei / Não sou eu o mentiroso / Pois nada presenciei / Apenas estou vendendo / Pelo preço que comprei.”

Este é um tipo de folheto que continua sendo produzido e consumido, em boa proporção. Isto deve-se, entre outros fatores: ao incentivo à diversidade e pluralidade das formas de manifestações culturais populares que hoje encontramos na mídia e até mesmo no discurso político contemporâneo; à retomada do discurso exemplarista feita pelas novas doutrinas religiosas que têm se instalado no Brasil.

A aproximação do poeta com a figura do mentiroso é muito freqüente na literatura de cordel. A propósito dessa questão Suassuna em A Compadecida e o Romanceiro Nordestino (1973: 162), diz: “... o poeta é parente próximo do mentiroso, ambos necessitados de criar um mundo transfigurado e poético, um mundo que faz violência à realidade para ser mais fiel ao real &
61485; esse enigma que só poeticamente pode ser atingido e sugerido”. É aqui que a perspectiva nietzchiana da arte me parece mais evidente: a inspiração demoníaca (dionisíaca) da arte nos leva a uma rebelião contra o deus-criador (apolíneo), dado que temos o caótico na arte como sensível e de alguma forma compreensível, o que já não acontece na economia e na política, por exemplo.

A literatura de cordel é expressão de um mundo submetido a forças moralizadoras bastante rígidas mas, apesar de na grande maioria dos exemplos de manifestação literária popular termos o subjugo de uma moldura normativa, temos também, aí nessa mesma literatura popular, boas fugas à tradição submetida pelos séculos de doutrinação religiosa por que passamos. O lado contraditório e sofrido, pobre e covarde da figura demoníaca, muitas vezes, está muito mais próximo da realidade concreta da existência humana que o lado sublime da entidade divina; assim, em um bom número dos folhetos, os poetas se identificam e solidarizam com a parte dominada da antinomia religiosa. É esta identificação das classes subalternas com a figura do Diabo que orienta a discussão proposta por Diatahy. A relação do divino com o demoníaco é isomorfa à relação dos segmentos opostos na sociedade nordestina tradicional. Assim, o pacto com o demônio, na poesia popular torna-se uma saída para que os pobres e oprimidos afirmem sua identidade diante dos opressores.

Ainda segundo Diatahy (1985: 65), “... existe uma homologia entre o plano do simbólico (as relações com o sobrenatural) e o plano do real (as relações sociais concretas) &
61485; é nisso que reside a significação mais concreta dessa vertente da literatura de cordel. Em outras palavras, a ordem sobrenatural quotidianizada pelo imaginário popular opera, na verdade, uma subversão da desordem e da injustiça social; e os conflitos reais são mitologicamente transpostos para o plano da luta entre Deus e o Diabo provindo daí a identificação dos oprimidos com este último (...) símbolo metafórico da liberdade e da rebeldia.”

Para falarmos de literatura de cordel, nada melhor que apresentarmos alguns folhetos e tentar analisá-los. Como este trabalho constitui apenas um roteiro de apresentação da análise feita por Diatahy B. de Menezes e da análise que eu faço de alguns folhetos de cordel, não pretendo aqui transcrever os folhetos que apresentaremos em comunicação oral. Além da análise dos folhetos de cordel, ressalto a possibilidade de se tecer algumas considerações acerca da produção iconográfica dos xilógrafos que acompanhavam os poetas populares e, muitas vezes, se confundiam com eles, sendo poetas e xilógrafos a um só tempo.

Os folhetos que analisaremos podem dividir-se em 2 grupos:

1) sob a perspectiva apontada por Diatahy:

- A mulher que xingou o filho no ventre e ele nasceu com chifre e com rabo, (op. cit.);

- Carta de Satanás a Roberto Carlos, de Enéias Tavares dos Santos;

- O twist no inferno, do baiano Antônio Teodoro dos Santos.

2) sob minha interpretação:

- Brosogó, Militão e o Diabo, de Patativa do Assaré;

- Glosas sobre o comunismo, também de Patativa.

Justifica-se a inclusão dos dois últimos folhetos, visto que o trabalho de Diatahy aborda folhetos produzidos até a década de 70 e, principalmente, na Bahia. Destacamos os dois referidos folhetos de Patativa: 1&
61616;) por ele se tratar de um grande expoente vivo e ainda produtivo da literatura de cordel cearense; 2&
61616;) por ter vivenciado ativamente grande parte da história desse gênero literário e 3&
61616;) por se tratarem de dois folhetos da década de 90.







Referências Bibliográficas Complementares



CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. 2a. ed, Rio: José Olympio, 1976.

CAPELO, Peregrina. Tragédia e epopéia. Fortaleza: Dep. C. Sociais e Filosofia/UFC, 2000, mimeografado.

MENEZES, Eduardo Diatahy B. de. A quotidianidade do demônio na cultura popular. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: Campus, 1985. N&
61616; 12/2

__________. O Enigma do Caboclo: para uma literatura sociológica da literatura de cordel. Fortaleza: Dep. de C. Sociais e Filosofia/UFC, 1980, mimeografado.

SUASSUNA, Ariano. O Auto da Compadecida. Rio: Agir, 30a. ed, 1996.

__________. A Compadecida e o Romanceiro Nordestino. In: Literatura Popualr em Prosa e Verso. Série Estudos, tomo I. Rio: MEC-FCRB, 1973.



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