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Artigos-->Presença de Yvonne Jean -- 20/03/2010 - 17:56 (Bruno de Alves Borges) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Presença de Yvonne Jean (1)



“A mulher que escreve sente demais tais transes e presságios! Como se bicicletas e crianças e ilhas não bastassem;

como se carpideiras e faladeiras e legumes não bastassem nunca.

Ela julga que pode alertar estrelas.

Uma escritora é essencialmente uma espiã”.

(Anne Sexton, A magia negra) (2)



A luta pelos direitos da mulher no Brasil, especialmente em Brasília, não pode deixar passar em branco a presença da eminente jornalista belga Yvonne Jean. É urgente lembrar de Yvonne Jean. Lembrá-la como pioneira, como exímia jornalista da coluna “O ensino dia a dia”, entre tantas outras colunas, lembrar dela como curadora, como professora universitária da Universidade que, após o Golpe Militar, ela se referiria como sendo a “ex-UnB”. Essa é Yvonne Jean: intelectual de várias faces.

Yvonne Jean desenvolveu inúmeras atividades em Brasília e no Brasil, atividades que tentaremos reavivar.

É fundamental lembrar de sua luta pela mulher, pela mulher escritora, pela Arte e pela vida cultural em Brasília. Por essas e outras ainda vale a pena comemorar a história dessa cidade, das suas mulheres, em uma época em que apodrecem na vergonha nacional as festividades do cinqüentenário da capital.

Algumas pesquisas indicam que Jean foi gestora de uma das primeiras galerias de arte de Brasília, fundada no início da década de 1960(3). É de se cogitar a modernidade das obras que agenciara àquela altura. Boa parte dos artistas que integram a atual coleção da Caixa Econômica Federal – coleção composta na época da Constituinte de 1988(4) - foram difundidos e vendidos por Yvonne Jean no final da década de 1950 e início de 1960. Em inúmeras cartas a intelectuais e artistas brasileiros da época, a também tradutora e intérprete denunciava que: na nova capital, as pessoas que tinham dinheiro não entendiam de Arte ou, quando entendiam, não tinham dinheiro para investir. As coisas não mudaram muito 50 anos depois.

É de Yvonne Jean, por exemplo, a brilhante e inédita iniciativa de reunir em algo semelhante a uma cooperativa, o máximo da produção de artesãs. Produção não apenas da recém criada capital, como também ao seu redor, proporcionando encontros, em Brasília, de artistas locais e regionais. Foi uma das primeiras a propor e praticar o deslocamento da produção artística do eixo Rio-São Paulo, cumprindo a meta de se voltar para dentro do Brasil. Olhar para dentro e dar, ao menos um pouco, as costas ao litoral monopolista da época. Yvonne Jean foi também uma das primeiras, se não a primeira, a dar visibilidade a Goiás Velho, Pirenópolis, entre outras regiões do Cerrado que até então nunca haviam sido seriamente vistas como “patrimônio”. Ainda hoje o Cerrado é bioma pormenorizado pela Constituição Federal.

É de se estudar que as próprias noções de patrimônio material e imaterial mereçam ter em Yvonne Jean, em suas propostas, nas coisas que realizou, uma referência imprescindível, referência hoje fundamental para a História dos Museus e da Arte no Brasil. Para tais pesquisas, abundam manuscritos inéditos, por ela deixados e doados por seu filho João Luis ao Arquivo Público do Distrito Federal.

Com relação à cultura popular, podemos encontrar no Fundo Yvonne Jean diversos cursos sobre o assunto, pois este era tema do seu maior interesse, assunto ao qual ela se dedicou diariamente. Cultura popular: eis uma discussão frequente em suas reportagens, artigos e ensaios. Vale destacar a atenção que deu, há meio século, a manifestações como o boi-de-mamão catarinense, o bumba-meu-boi do Maranhão, bem como seus inúmeros apontamentos sobre tecelagens manuais, renda de bilros e outras artes tradicionais.

Autora de quatro livros de literatura infantil, Jean estabeleceu relações com figuras muito importantes da cena cultural, tanto nacional quanto internacional. Esteve próxima a diplomatas e poetas, tanto os consagrados pelas elites, quanto os populares, ditos “menores”. Foi a primeira a valorizar, junto a Agostinho da Silva (homem pelo qual tinha profunda admiração, tendo sido responsável pelas principais e primeiras documentações a respeito do nascimento do Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, o CBEP)(5) Seu Teodoro Freire como pioneiro bastião da cultura maranhense na nova capital. Após cerimônias de matança do boi, quando muitas vezes se organizava uma parelha para fazer-se um tambor de crioula, Yvonne Jean e Agostinho, entre tantos outros coreiros, repitiam a inesquecível toada:

“eu vou levantar bandeira

eu vou levantar bandeira

da cultura maranhense

na capital brasileira”

Isso há 50 anos. Dispensa comentários o seu célebre artigo intitulado “A Capoeira Angola de Mestre Pastinha na Ladeira do Pelourinho”. (6)

Trata-se de uma guerreira que aportou no Brasil ainda na década de 1940, mulher que, em diversos jornais impressos e revistas, bem como nos programas de rádio que realizou, defendeu e afirmou a identidade feminina nas suas mais plurais maneiras de ser. Porque o Ser só pode ser no plural. (7) Belga de nascimento, e talvez por isso extremamente cosmopolita no espírito - assim como Brasília - Jean analisou de maneira singular e pioneira o Código Civil Brasileiro, numa época em que a mulher casada era algo análogo a loucos, selvagens, e crianças. (8)

Na mídia impressa, entre 1940 e 1970, Jean assinou colunas em inúmeros jornais, como, por exemplo, “Você quer escolher uma profissão?” e “Mulher e a profissão” (9) , “Presença da Mulher” (10), “Mulher e a política” (11). A jornalista protagonizou a luta por diversas causas da mulher, sendo digna de nota a série de reportagens que fez em defesa de tratamentos dignos nas prisões femininas(12). Cabe lembrar que Clarice Lispector também escrevia e militava pelas mulheres em jornais comuns aos que Jean escrevia.

Como afirma Alves Oliveira(13), Yvonne Jean “(...) ao ocupar o espaço público o fazia da forma mais temida e indesejada possível: sendo uma mulher comunista, intelectual, escritora, jornalista, promotora cultural, professora. Conseguiu reunir em si todos os perseguidos pela ditadura militar.”

Demitida da Universidade de Brasília e detida em 1964, Yvonne Jean foi presa duas vezes durante a década de 1970, devido às suas relações com o comunismo. Faleceu no início da década de 1980, devido a complicações, entre outros fatores, motivadas por uma artrite violenta.

Fica aqui a nossa homenagem a esta refinada mulher, guerreira, erudita, simples, rica e militante, inesquecível, crucial para cena artística e intelectual do Brasil e de sua filha que completa agora meio século de vida.

É chegada a hora de resgatar o mel da terra!

§

(1) Esta breve nota é resultado de pesquisa realizada por BBorges, Clara Ramthum do Amaral e Pedro Mesquita de Carvalho, a partir de inserções no Fundo Yvonne Jean, alocado no Arquivo Público do Distrito Federal. Fica aqui o nosso agradecimento à professora Eva Waisros Pereira e à toda equipe de pesquisa do projeto Memória da Educação no DF 1956-1964, Faculdade de Educação/Universidade de Brasília (UnB).

(2) Citado na monografia Yvonne Jean e a repressão do regime autoritário em Brasília, de autoria de Christiany Isabel Alves Oliveira (1996)

(3) Tal espaço de encontro de artistas (Athos Bulcão, Glênio Bianchetti, Rubem Valentin, Aldemir Martins, entre tantos outros) se chamava Galeria Paiol.

(4) Trata-se de uma coleção em homenagem a Brasília, adquirida na época da Constituinte, quando inúmeros artistas fizeram pinturas inspiradas na capital. Estes quadros estão hoje expostos na CEF, sintonizando os 50 anos da cidade com aqueles dias importantes para nosso amadurecimento político.

(5)Documentação que pode ser consultada nos artigos do Correio Braziliense microfilmados pela Câmara dos Deputados, bem como no acervo do projeto Memória da Educação no Distrito Federal da Faculdade de Educação da UnB.

(6)Manuscrito datilografado acessível no Arquivo Público do DF, e no acervo da Associação Cultural de Capoeira Angola N’zambi.

(7)Já dizia o Poeta: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa”.

(8)Tríade extraída do manuscrito datilografado intitulado Mulher casada: cidadã de segunda categoria, encontrado no Arquivo Público do Distrito Federal.

(9)Jornal Última Hora, Rio de Janeiro.

(10)Correio da Manhã e Folha da Manhã, ambos do Rio de Janeiro.

(11)Folha da Tarde, Rio de Janeiro.

(12)A Última Hora, 25/10/1956. “Iniciativa para tratamento humano às mulheres atiradas nas masmorras”

(13)Pg. 24 da monografia supracitada.

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