Certo dia acordou ativo o coração
Descerrou o alçapão, pois sentia-se preso
Falou tudo em que estava há muito meditando,
Estava-o chateando o pensamento aceso:
— Há melhor vida que essa de aventuras,
Gozos e desventuras, prantos e amores,
Sussurros e rumores, prazer, dor,
Tempos cheios de cor ou de saudade?
— Depois da tempestade, não há calma?
Logo que se cobre a alma de tristeza,
Não se tem a certeza de outro amor,
Em gritos de clamor — nova alegria?
Bradava aos quatro cantos com tal convicção
Mas estava o coração, todavia, apertado:
Constantes decepções o haviam confundido
Quis amor decidido p’ra ser saciado
— Razão cruel e fria, olhe brotar,
Ouça o lindo cantar de uma paixão,
Eu, puro coração, vejo e sou cego,
Sinto inflado meu ego desse encanto.;
Acusou, sem pensar, de culpada a razão
Por tanta confusão que em si mesmo formara.;
Logo a ré reclamou o direito da fala,
Pôs-se ao meio da sala, disse cara a cara:
— Coração, se achas santo, só porque amas?
Quando botas em chamas tua fronte
Não és a própria fonte dos pesares:
Peço-lhe então, encares a ironia.
— Que me adiantaria, ter com isso,
Hoje, ganhar sorriso — rir por tê-lo —
Amanhã, esquecê-lo — então chorar —
O que fiz por ganhar, perder assim . . .
Oh, que perfeito fim para se ter . . .
Calou-se o coração frente à forte defesa:
Sentia-se então presa — não mais caçador —
De mão atadas, sem se esclarecer
Acerca do viver, ou acerca do amor.
(Agosto de 2002) |