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Contos-->O FIM ESTAVA DIANTE DE MEUS OLHOS -- 31/08/2002 - 23:40 (DENIS RAFAEL ALBACH) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



O fim estava diante de meus olhos

Eu cri na promessa que li no livro “Nada melhor que um dia após o outro”. Ali, naquela sala de hospital, ouvindo gritos no corredor e gemidos de dores nos quartos, não podia crer como quanta gente ainda poderia ver a luz do sol do dia seguinte. Na teoria tudo ia bem, não havia nela nenhuma demonstração de dor. Mas a realidade era outra. O fim estava diante de meus olhos. Estava no sangue de todo mundo que passava por ali.
Maurício não havia me alertado do tamanho que era a dor. Ele só me mostrou o caminho do prazer nos quartos do motel. Hesitei no começo às suas insinuações e aos convites de fazermos amor sem camisinha. Ele se retraiu, deu semblante de bravo e disse que era ilusão se proteger... você pode morrer ao atravessar a rua num acidente.
Entreguei-me antes da véspera do noivado. Ele pediu-me perdão por todas às vezes que saiu com outras mulheres e não resistiu. A carne do homem também é fraca, ninguém segura um olhar e uma cantada sensual. Perdoei-lhe, pois o amava muito. E foram sucessivas às vezes que transamos antes do dia do nosso casamento.
Agora me lembro de como lhe perdoar foi uma experiência agradável. Lembro-me de seu sorriso de satisfação e de seu rosto... enfim, choro ao recordar, acho que esse foi o momento que mais mexeu comigo, porque mexeu muito com ele também. Eu guardo aquela cena do seu sorriso porque foi uma das melhores coisas que me deixou. Maurício trouxe-me um bûquet de flores no dia dos namorados, duas semanas antes de oficializarmos nosso compromisso e disse amar-me para sempre. Eu não esquecerei de suas palavras: “Vou te amar por todos os meus dias!”. Eu sorri, eu chorei um pouco, mas de felicidade. Maurício jamais estaria fora de mim nem eu jamais estaria longe dele.
Dois dias antes de nos casarmos ele teve uma convulsão muito forte. Vômitos, crises de febre, ânsia e um sufoco que lhe roubava a respiração. Foi parar no U.T.I do hospital, caiu em coma. Os médicos constataram sua doença, estava com HIV positivo e uma pontada aguda no coração provocou seu fim. Maurício não retornou mais. Não sofreu nenhuma conseqüência. Tinha até um semblante bonito no seu caixão.
Ele me deixou como a morte deixa a vida. Joguei uma dúzia de rosas vermelhas sobre seu túmulo e fiquei por último entre um choro agudo e cortante. Escrevi com letras douradas sobre o túmulo da família Vieira meu pensamento de amor: “Tinha feito um caminho nas estrelas dos teus olhos. Te amo!”.
Ele não pôde ver o nascimento de Rebeca, minha filha que nasceu oito meses depois de sua morte. Levo a pequena menina a visitar o túmulo do pai que ela jamais conhecerá. Depois de sair daqui, visitarei o cemitério pela última vez. Não agüento de tanta saudade. A dor da ausência come o meu coração e nem minhas lágrimas o refrescam.
Sempre acreditei que amanhã ia ser melhor. Algumas crises de vômitos e sinais diferentes na minha pele me trouxeram a fazer o exame de sangue. Hoje é o dia do resultado. Aguardo o doutor nessa sala de espera até que me chamem. Ouço gemidos de dor de pessoas que têm aids. Como geme essa gente que até dói a minha alma! Não precisava passar por isso. Nada valeu a pena. Nenhum amor por maior que fosse. Nenhum prazer que corte a vida pela metade. Não é justo ser assim. Espero que outro dia seja melhor como a promessa que tinha lido. O sol nasce para todos.





O médico me chama. A cena é terrível. A imagem desse filme é cortante. Até a sala do doutor há um corredor com suas portas abertas que dão para os quartos. São almas feridas que estão lá dentro, um ou dois dias de vida a mais e deixarão os tubos que lhe proporcionam a respiração que só assim os ajudam a viver. Tudo é uma grande dor..
Pego o exame de suas mãos. Não saberia abri-lo na frente de tanta gente. Eu preferia mesmo poder estar onde Maurício estivesse. Junto dele e veria a resposta...
Os passos até o cemitério são longos e tortuosos. Levo Rebeca no seu carrinho de bebê. Deixo-a mais longe do túmulo, dormindo como um anjinho inocente que esperará sua mãe voltar: “Mamãe já volta, meu amor”. Eu ainda poderia voltar, mas um dia seria já o último onde a deixaria por causa dessa vida que é injusta.
Sento-me ao túmulo de Maurício, passo a mão sobre seu retrato e converso consigo por alguns minutos. É, a vida deu uma grande volta, meu bem. Você não escolheu estar aqui. E agora, o que sobrou para mim? Nosso fim será igual? Paro com as palavras, não aguentaria esperar mais. Olho o carrinho de Rebeca logo adiante.
Limpo uma lágrima. Lembro outra vez dos momentos com Maurício. Um beijo de despedida lhe dou. Um suspiro sufocante e um nó na garganta acontecem. Abro o exame e vejo o resultado. Um filme se passa por minha cabeça. Não necessariamente nessa ordem.



Denis Rafael Albach

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