O significado das palavras, no que diz respeito ao contexto, pode ter múltiplas facetas.
Há que se interpretar, minuciosamente, a idéia que pode ter originado determinada expressão, para não incorrer em análises equivocadas.
Captar o sentido de um texto rotineiro de função referencial é algo muito simples.
Ninguém, por exemplo, terá dúvidas, diante da manchete:
“A qualquer hora, vêem-se as crianças a brincar sob sol escaldante do meio-dia.”
Porém, ao deparar-se com os versos de Camões:
“Em uma hora acho mil anos e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.”
·Um leitor “despreparado” poderia dizer:
Este poeta, “data venia”, escreveu algo sem pé nem cabeça”. Onde já se viu,
achar
MIL ANOS em apenas UMA HORA...
e não conseguir achar
UMA HORA em MIL ANOS...
Ah! Os poetas... Do que não são capazes essas almas que interpenetram constantemente o”Reino das Palavras”?
Temos de imergir fundo na LINGUAGEM POÉTICA para compreender as “artimanhas” da expressão.
Camões, nos versos citados, vale-se de um poderoso recurso estilístico, a hipérbole (exagero de expressão) para enfatizar o desconcerto em que o deixa a simples visão da mulher amada, fato que, se analisado literalmente, seria um despropósito!
Assim ocorre com Pessoa, em UMA ESTROFE de um poema, que um incauto leitor teima em chamar de “trova”.
“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente,
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Nota-se em Pessoa a expressão, também exacerbada, do eu-lírico, ao afirmar que o poeta é tão distante do mundo real, tão disperso, tão dissimulado, a ponto de não querer mostrar a sua dor real... Por isso ele a “finge”.
Em síntese:
Se a poesia foi feita para “iludir a razão”, como se pode esperar que ela tenha “lógica”?
Mesmo sem lógica, ela tem “todos os sentidos”. Pois, como sentenciou Bilac:
“Só quem tem amor é capaz de ouvir e de entender estrelas...”
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