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Contos-->O HOMEM QUE SABIA LER -- 26/08/2002 - 11:40 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



O HOMEM QUE SABIA LER


Deu-lhe um dia, ler somente as orelhas. E as lia, lia, o mais que lhe viessem à mão. Os volumes sem orelhas, imaginava-os com, sem mesmo saber seu conteúdo. De quando em quando, alguém lhe inspirava indagar, se leu, o que leu e que lhe contasse um pouco do enredo. Isso, só praticava, quando encontrava a pessoa certa, um devorador feito ele, amigo ou contemporâneo de bancas escolares salesianas, quando lhes era permitido ler, em voz alta, “Le Lac”, de René de Chateaubriand. Seguiam-se os dias com as devidas orelhas, em cores, papel caro, papel barato, do sebo, da biblioteca, de livrarias urbanas, mundanas, interioranas.
Quase que um ofício, mais que isso, uma espécie de fazer missionário, a cumprir diuturnamente. No bairro, já bem conhecido pelo seu mister, os jornais o entrevistavam, as tevês, a mídia enfim.
Nos “talk-shows”, às pessoas absortas, conseguia, através de um processo de suprema imaginação, contar pormenorizadamente a história, um conteúdo e suas ilações.
Com o passar do tempo, sua fama alastrou-se pelo Estado inteiro; o país em seu todo, já o conhecia. Criara um curso intensivo de leitura de orelhas, como criá-las, como compreendê-las.
As pessoas, curiosas, para lá acorriam, interessadas em também se tornarem expertas em ler, criar e disseminar a arte de ler orelhas. Uma universidade já fora imaginada, concebida e planejada, sob o exótico título de UNILHAS, universidade de orelhas. Tornou-se um conferencista de fama e sucesso internacionais. O mundo todo o cortejava, a preencher cada vez mais sua agenda, já repleta de compromissos, a ensinar a arte de ler orelhas. Vídeos, dvd’s, cd-rom’s, filmes educativos, longa –metragem, curtas, cordéis, todo o aparato tecnológico que pudesse arrebanhar, no sentido de espalhar essa arte, hoje mais conhecida do que seita religiosa. Um belo dia, cansado de tanto afazer e quanta noite indormida, resolveu parar e, rico e poderoso, resolveu dar a si mesmo, uma aposentadoria, indo morar numa ilha deserta, distante do continente, de tudo e de todos. Pedira à empregada secular, obediente e extremosa, que pusesse em sua bagagem, algo para ler, em seu retiro definitivo e bucólico. Assim ordenado, assim feito.
A subserviente mulher, analfabeta, pai e mãe, foi à sua vasta biblioteca e dali, colheu, ao azar, dois livros densos, de cor vermelha viva, embrulhou –os e colocou dentro de sua valise pessoal. Dias depois, ao chegar à ilha fantástica, que houvera comprado de um excêntrico semelhante a ele, abriu a valise e, surpreendentemente descobriu que ali estavam, para pleno deleite de seus derradeiros dias de vida, dois velhos e desusados dicionários: um de sânscrito e outro de aramaico, que era a língua falada por Jesus Cristo, hoje já extinta e inútil, como a arte de ler orelhas.


WALTER DA SILVA
Camaragibe, agosto, 2002
Extraído de “CONTOS D’ALDEIA” ®







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