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Contos-->Eternidade -- 25/08/2002 - 21:43 (J. . Boaz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Oitenta e seis anos de idade... O corpo já não respeita as minhas vontades... Tudo em que sempre acreditei, agora é coisa do passado. Dos amigos, saudades. Dela, só resta a esperança de encontrá-la numa outra vida.

Mais um dia que chega ao fim. Não tenho certeza das horas... já abandonei o relógio há tempos. Por mais que eu tente, não consigo imaginar o futuro. Preciso resgatar minhas energias, meu fôlego. Sigo o ritual de cada noite. Me preparo, rezo e tento dormir, com saudades dela.

Acordo no meio da noite... sinto frio. Me levanto e tento achar o interruptor. Engraçado... nada acontece... deve ser outro apagão. Com um certo medo saio andando pela casa, forço a visão para tentar enxergar no escuro... não há nada... apenas lembranças.

Encontro um sofá sobre o qual me sento e, em meio ao breu, lembro-me de quando a conheci. Aquela linda morena, jovial e divertida, escondendo seu lado de menina, carente, quase pedindo para que eu lhe desse amor.

Resolvi que passaria toda a vida com ela. Mas a vida foi injusta... há dois anos eu cultivava esta solidão. Lágrimas ameaçam cair, mas sou forte. Prefiro pensar em reencontrá-la, em breve...Volto a pensar em tudo o que fizemos... tudo pelo que passamos... foram mais de cinquenta anos de cumplicidade. Para que chorar? Agradeço a Deus pelos anos felizes ao lado dela.

Não enxergo direito, mas noto uma claridade atrás de mim. A energia deve ter retornado e deixei o botão ligado. Foi bom ter curtido estes momentos... esta saudade...

Já não sinto frio, nem as dores que costumam afligir meu debilitado corpo. Um misto de êxtase e sono me dominam, mas sei que preciso voltar para a cama. Na escuridão me guio pela luz que vem do quarto. Por um momento achei que o corredor não fosse tão comprido... a porta estava semi-aberta e a luz brotava por suas frestas. Parecia flutuar...

O espaço-tempo não era o mesmo. Ouço um sorriso meigo do outro lado da porta. Penso estar embriagado pelo sono. Ainda assim abro a porta. Num instante o contraste escuro-claro me ofusca. Meu quarto mais parece um longo e sem-fim corredor. Encontro a cama e, ao me deitar, vejo que já estava lá ???!!!

O mundo ruiu. Do alto vejo meu corpo dormindo profundamente sobre a cama. Noto um farto sorriso em meus lábios. Meus? Já não sei mais... Olhando-me sorrir, sinto-me pleno de felicidade. Neste momento... olho para o distante fim do quarto e ouço-a me chamar... Não consigo vê-la, mas sei que está lá... me esperando...

Corro para a luz...
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