Durante anos, uma vida
acordei todos os dias, abri a mesma porta
e vi os mesmos sinais no caminho
sempre a mesma paisagem: mesmo sol, mesma lua
que não via nem minguante nem cheia
Por séculos, muitas vidas,
olhei no espelho – tão rapidamente sempre –
pois que tudo que os olhos do espelho viam
era uma estranha que abaixava os olhos
para o reflexo do que não podia reconhecer.
Em um dia tão igual aos outros,
no entanto, aconteceu uma mágica
que fez um milagre:
quando acordei e abri a porta,
nem caminho, nem mesmo céu, nada.
Eu tive raiva, eu tive medo nesse dia
eu matei, eu morri, eu vivi
a dor da morte pela guerra, catei os ossos
e implorei - a mim -
perdão, perdão, perdão.
Renascida
de tamanha fragilidade e solidão
desenterrei a mais cega fé
o mais puro amor incondicional
em mim e na vida.
Num só dia que foi virando semana, mês, dois, tres...
sem deixar nunca de ser um só dia - e jamais o mesmo
o único que me restaria pelos anos, décadas, que vivesse,
aconteceu um milagre que fez uma mágica
e nunca outra vez mesmo céu, mesmo sol.
Atônita,
vi a lua mudar de fase tão rapidamente
que Lilith e São Jorge se amavam
faziam amor, se matavam
e depois nasciam e descansavam.
Então, como num passe de mágica
os olhos do espelho e os meus se encontraram
e eu soube do milagre:
tinha voltado para casa
da minha alma.
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