I
Na esteira de Jesus, ninguém se engana,
Que a vida nos ensina a amar também
Àqueles que disseram que não têm
De auxiliar quem sofre a menor gana.
Saindo para a luz, não há ninguém
Que chegue a imaginar que não se irmana,
Pois sobre todos nós é soberana
A justiça do Pai, que sempre vem.
Quem se vê a si mesmo em cada irmão,
Adiantado que esteja em sua trilha,
Estende a qualquer um a forte mão.
Quem queria atirar desengatilha,
Pondo de lado a tal preocupação
De suspeitar, no amor, vil armadilha.
II
Intrépido, o poeta desafia
A argúcia do leitor que quer bem mais,
Deixando os seus poemas sempre iguais,
Que a virtude requer sabedoria.
A Saulo perguntou: — “Aonde vais?” —,
Sabendo qual resposta lhe daria.
E a nós o que Jesus perguntaria,
Para fazer calar os nossos ais?
Estranho sentimento nos perturba,
Sempre que conseguimos exprimir
A idéia que nos trouxe aos pés da turba.
Mas para nós a dúvida é o porvir,
Caso o soneto tenha uma alma “furba”:
Estrada de Damasco a se esvair.
III
Broquéis, lauréis, na túrbida jornada,
Que os pífaros ressoem doce alegria,
Estrépitos sonoros de poesia,
Estéticos pendores, quase nada.
Quão fácil é esbanjar sabedoria,
Se não se importa quando desagrada
A lúgubre facécia — “caveirada” —,
Que só no som do texto se confia.
Falar do amor eterno de Jesus
Parece exorbitar de nossos temas,
Roteiro de um só verso que reluz.
As artes, cá na Terra, são supremas,
Na expressão material de quem conduz
A vida como um bloco de problemas.
IV
"Momentos de paciência", pensarão
Os que nos julgam faltos de vergonha.
Se alguém, contudo, o amor mais puro sonha,
Vai entender co a luz do coração.
Por que não confiar n alma risonha
Que bate o “mea culpa” da escansão,
Querendo que o soneto seja bom,
Que a broa sai do milho, e a pamonha?
Não há um tronco só sem um só nó,
Que a vida sem enganos não é vida,
Como não pode o corpo não ser pó,
Depois que a alma voa, combalida,
Por ter, quanto ao prazer, tamanho dó:
Assim é que à paciência nos convida.
V
Requer o médium que tenhamos dó,
Por tanto verso torto e desabrido.
E quer saber de que nos tem valido,
Quando o papel exerce de coió.
De fato, este soneto será lido
Um pouco antes só de virar pó.
Mal comparando, é como pão-de-ló,
Cujo destino é o de ser comido.
O tempo de um soneto é muito curto:
Um átimo no eterno devaneio.
Melhor, portanto, seja a arte um surto,
Que o verso, mesmo quando muito feio,
Vai praticar na mente um simples furto,
Que a eternidade não nos dá receio.
|