Estava naqueles dias em que nada dá certo e lembrou-se daquele romance que começara a escrever há algum tempo e engavetara por falta de inspiração. Resolveu retomar o trabalho e prostou-se diante da velha máquina de datilografar com mil idéias para seu livro.
Relutou por algumas horas para que as palavras adequadas lhe viessem à mente, mas as coisas pareciam difíceis, então resolveu dar uma volta e observar o movimento das ruas; as conversas das pessoas; os fatos do dia-a-dia, algo que lhe encaminhasse a um início criativo, baseado na realidade, no comum. – “Nada mais atraente”, pensou.
Estando “de guarda” na rua, sentou-se num banco de praça e, discretamente começou a ouvir uma conversa entre dois aposentados, onde esses queixavam-se de suas vidas tristes e infelizes, por motivos bastante óbvios.
Achou que a conversa dos aposentados era demasiado deprimente e partiu para outro lugar. Chegou a um shopping center, sentou-se numa mesinha de lanchonete e começou a prestar atenção à conversa de duas jovens que falavam sobre as frustrações de seus namoros. Desistiu do tema.
Foi, então, a um salão de cabelereiros. Ouviu mulheres tagarelando aos montes onde o pouco que se entendia era sempre relacionado a fofocas de vidas alheias. Achou aquilo muito pequeno.
Procurou um hospital e se fez de paciente à espera de atendimento. Viu e ouviu tanta tristeza que não conseguiu se demorar por muito tempo ali.
Decidiu ir à praia, já era quase noite, e nada acontecia além do barulho da rebentação das ondas sobre seus pés.
Ao voltar prá casa, decepcionado, no caminho fora abordado por um assaltante que exigia dinheiro e, sob muito custo, convenceu o bandido de sua pobreza, levando este a esmurrá-lo enfurecido (ao menos ficou vivo).
Subiu as escadas de seu prédio pensando sobre aquele dia... sentou diante de sua máquina e começou finalmente seu livro: “UM DIA DAQUELES”.