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Artigos-->GLÂNDULA PENIAL E OUTRAS PICARDIAS LEXICAIS -- 23/09/2009 - 03:41 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“GLÂNDULA PENIAL” E OUTRAS PICARDIAS LEXICAIS

João Ferreira

23 de setembro de 2009





Há razões de sobra para os mestres insistirem junto de seus alunos sobre a adequação da linguagem. Linguagem adequada é a linguagem certa, correta. Tanto em termos gramaticais teóricos, quanto em termos lexicais. Falar ou escrever bem exige aprumo, postura, atenção, estudo, treinamento e ambição social. Temos muita gente que fala e escreve bem. Mas também é verdade que no dia a dia aparecem ditos, frases, estilos e equívocos que põem os cabelos da gente em pé.

Falar e escrever corretamente não é apenas praticar a sintaxe ou cuidar da concordância verbal e nominal. É fazer-se compreender e entender através da mensagem que se diz ou se escreve. Falar bem é usar a língua devidamente, oralmente ou por escrito. É desembaraçar-se. É saber compor uma frase com sujeito, predicado e adjuntos. É saber usar os vocábulos dentro da praxe retórica exemplar. É identificar o sentido de cada expressão para evitar cometer erros graves e meter os pés pelas mãos.



“Glândula penial”



O dia a dia na escola dá-nos situações reais que mostram de que tipo são as linguagens escritas aqui e ali, para nossa admiração. O leitor sabe que as Faculdades têm o chamado trabalho de conclusão de curso (=TCC). É um trabalho acadêmico que o aluno tem de apresentar no final do curso sob a forma de ensaio ou de monografia. É uma prova suada para os candidatos ao bacharelado e à licenciatura. É um caminho árduo e muitos alunos escrevem pela primeira vez. A escola fundamental não lhes abriu caminhos. O ensino médio de massa não cuidou de lhes dar assistência na forma de escrever e produzir textos. Os candidatos ao diploma do terceiro grau vão avançando no curso e não têm como se furtar da elaboração da monografia final. É um teste duro, sobretudo naquelas Faculdades com Banca que busca a verdade da autoria do trabalho. Apesar do esforço, é muito difícil mostrar que se é escritor, pensador e crítico a sério. Acontecem surpresas. E resvaladas. Há tempos, uma aluna de Filosofia tomou como tema de sua monografia o dualismo de Descartes. Sem saber muito do que estava falando, ao fazer referência à função da “glândula pineal”, a aluna passou a falar com certa solenidade da “Glândula penial” que ela dizia estar citada nas obras de Descartes. Não se apercebeu do que estava escrevendo, mas insistiu e repetiu a expressão até ao fim, até que o professor questionasse o nome da glândula que Descartes verdadeiramente citava.



"Talão de cheques e formulários"



Outra situação de linguagem inadequada passou-se numa agência do Banco do Brasil, em Brasília. Num terminal destinado à emissão de cheques online, encomendei uma dúzia de folhas de cheques. No decorrer da operação, a legenda luminosa do terminal avisou que estava ocorrendo a “impressão da primeira folha”. Depois repetiu o mesmo aviso para a impressão da segunda e da terceira folhas. Quando acabava de ser impressa cada folha, o terminal emitia a informação: “Retire o formulário”. Estranhei a linguagem. Tratava-se de folha de cheques. Por que formulário? A palavra formulário já tem um sentido consagrado na voz pública e nos dicionários: é “um impresso de fórmula para pedir, requerer ou declarar qualquer coisa, com espaço para ser preenchido com os dados particulares ou pessoais”. Ali, no caso, tratava-se de folhas de cheques simplesmente. O que fica claro é que uma folha de cheque é uma folha de cheque, não é um formulário. Cheque é um nome específico, é linguagem, bancária codificada e é esta que tem de ser usada nas repartições dos bancos. Formulário é mais genérico.



“Premícias”



Mas há outras situações. Uma aluna de lógica clássica falava convictamente e sem pestanejar das “premícias” de seu silogismo. Seu raciocínio estava baseado em “premícias”. Era bonita, tinha um baton leve nos lábios e sua argumentação era toda em cima de “premícias”. Diante da dúvida de alguns colegas, foi ao quadro, pegou um pincel e demonstrou a “premícia principal”. O pessoal ria mas ela não entendia. Ela achava tudo claro.Tratava-se de um desatino verbal que um suco de laranja dissiparia mais tarde na companhia de um amigo no bar que lhe explicou que as "premícias" eram na boca do povo da lógica simplesmente "premissas". Mas não é de admirar. O nosso léxico, por bem ou por mal, por ignorância ou por transposição e emigração e também por omissão de professores que não falam mais da “adequação dos termos” - tese clássica nos cursos antigos dos mais velhos-, vai sendo torpedeado em seu sentido genuíno e original.



"Xute e arremesso"



Estava há dias assistindo a um encontro de basquete mundial, uma partida entre Eslovênia e Croácia. O locutor brasileiro da ESPN, ao relatar o jogo. falava que o pivô da Croácia acabara de acertar "um xute de três"!. Evidentemente que todo o mundo sabe que chute é uma terminologia do futebol, que é um jogo em que se joga basicamente com os pés(feet=pés). Diferentemente, o andebol e o basquetbol em que a bola é conduzida com as mãos, utiliza o “arremesso” e não o xute para pontuar. Isto, em termos de adequação verbal.



"Epígrafe"



Mas também há desafios conceituais e filológicos fora da escola, e dentro de instituições oficiais, com responsabilidade de informar e instruir bem. Concretamente gostaria de referir-me ao emprego inadequado de uma palavra oficializada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas(ABNT). A palavra em questão é “epígrafe”. Nos arquivos da história do pensamento ocidental, incluindo a cultura greco-latina, helênica, medieval e renascentista, a palavra “epígrafe”, no entendimento geral de todas as correntes intelectuais e metodologias de referência bibliográfica, sempre foi entendida com clareza. Essencialmente é a ”inscrição em cima” ou “sentença ou divisa posta no frontespício de um livro ou capítulo no começo de um discurso ou composição poética”. Ou, como dizem os dicionários: “inscrição colocada no topo mais alto de um edifício”. Isto é epígrafe. Podemos até consultar a Wikipedia na Internet, que não destoa e que diz: “Em literatura, epígrafe é um título ou frase curta, que, colocado no início de uma obra, serve como tema ou assunto para resumir ou introduzir a mesma. Constitui uma escrita introdutória a outra.” Esta é a voz universal que dá o conceito da clássica epígrafe dos gregos. A Norma Brasileira ABNT NBR 14724, entretanto, elaborada pelo Comité Brasileiro de Informação e Documentação, na edição de 2005, reserva para epígrafe uma definição superficial e dérmica, ao dizer que ela é a “folha onde o autor apresenta uma citação, seguida de indicação de autoria, relacionada com a matéria tratada no corpo do trabalho”. Nós achamos muito descabida e desencontrada esta “materialização visual e digital ” de epígrafe dada para alunos de curso superior que vão entender a epígrafe como “folha” em vez de entenderem como "inscrição ou como sentença". Trata-se de um conceito positivista dos mais superficiais que desafia a inteligência brasileira. Não é nem sequer pragmatismo. É simplesmente um disparate, um caminho para a burrificação. Renunciar à mensagem da palavra é induzir o aluno a uma identificação pelo volume oferecido aos olhos, e não pela inteligente conceptualização. A adoção desta simplificação significa o atraso. Um aluno que saia do Brasil para fazer curso na Europa terá de “reaprender” e “ajustar-se” ao conceito direto e universal de epígrafe. A ABNT não foi feliz nem foi bem assessorada neste caso da definição de “epígrafe”, como não foi feliz ao dar como definição de “agradecimento” a ser usado oficialmente em trabalhos acadêmicos(teses, dissertações e outros): “folha onde o autor faz agradecimentos dirigidos àqueles que contribuíram de maneira relevante à elaboração do trabalho”. É evidente que esta aparente tentativa de “pragmatismo” da ABNT bate de frente com a tendência universal de definir as palavras tendo em vista o conceito que delas há na linguagem pública em uso especializado ou arquivada nos dicionários de prestígio. É claro que agradecimento não é “folha onde”. Não é. Nem que seja convencionalmente forçada a definição. Há maneira de encontrar um critério para definir “agradecimento” utilizando a mesma norma que definiu “anexo” sem falar de “folha” nem de “folhas”. Ou a norma que definiu ilustração sem falar em “folha”, ou a norma que definiu “símbolo” sem falar em “folha”, ou “índice” e outros mais!!! É uma pena que num documento oficial a orientação normativa tenha aspectos tão mal pensados e superficiais. A nível internacional estas definições são comparativamente um desastre. Muito gostaria que os comitês responsáveis revisassem a matéria e a colocassem de acordo com uma metodologia racional que tenha em consideração a história cultural da palavra e seu conceito que atravessou os séculos em paz com as tendências metodológicas de compreensão conceitual do mundo inteiro.





João Ferreira

23 de setembro de 2009
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