O DONO DO BOTEQUIM
Lílian Maial
Cedo, bem cedo, com o céu ainda escuro,
O homem do botequim abre a sua porta.
Já encontra todo dia, encostado ao muro,
O compadre a ler jornal, enquanto aguarda.
Chegam, um a um, empregados sonolentos
p ra arrumar tudo e o café bem depressinha.
É quando chega o jornaleiro barulhento
Contando os furos, ao sorver a "branquinha".
E o dono do botequim varre a calçada,
Como quem varre toda a sujeira do mundo.
E só pára um pouco pra dar uma olhada
Na bela morena de olhar profundo.
Em seu passo, de caminhar apressado
A bela moça todo dia lhe sorri
Trazendo o sol, seu velho aliado,
Nos dentes mais brancos e lindos por ali.
Entra o porteiro ali do prédio ao lado,
Um fofoqueiro, a contar as novidades.
Enquanto bebe seu cafezinho pingado,
Vai tirando, das vizinhas, castidade.
E o bar cheio de homens e destinos,
Vê passar a mulata rebolante.
E dos velhos, adultos e meninos,
Ouve sempre impropérios aviltantes.
Na menção à sua carne opulenta
Falam, berram ou sussurram elogios
Ao invés de fazer-se de nojenta.
Continua a passar, fêmea no cio.
Passam os meninos do Colégio Militar,
Cabelos tosados, sonhos tesudos, recos.
Empertigados, no uniforme exemplar,
Mas com a fome de adolescentes eretos.
E o dono do boteco em sua postura
Vendo a senhora tão torta e sombria,
Por trás do balcão, acena a vida dura,
Quem sabe indo para a fisioterapia?
Vê a mamãe garbosa e seu rebento
Recebendo os primos raios da alvorada,
E sorrindo de puro contentamento,
Pode apostar naquela fralda molhada.
O motorista de ônibus e o cobrador,
Falam de assalto e estupro ali na porta,
Iniciando a conversa de horror.
Sobre a "overdose" que acabou com a moça morta.
Sai rapidinho a média, pão e manteiga.
De tudo se comenta naquele botequim,
Sabe da nova moda, da nova seita?
E da feliz esposa do Joaquim?
Dizem que ela sai de saia justa,
Encontrar o garotão, fera robusta,
Isso um dia ainda acaba em morte,
Ou talvez separação, com alguma sorte.
E o dia flui, se repetindo, sem fim,
Para aqueles que dali já fazem parte.
Figura eterna - o dono do botequim,
Que serve pão, café, pinga e verdade.
Lílian Maial - 15/02/00. |