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Contos-->Chegada -- 13/08/2002 - 21:38 (CARLOS CUNHA / o poeta sem limites) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Quando o vôo da KOREAN AIR LINES, no qual eu e minha esposa viemos para o Japão, aterrou no aeroporto de Narita, já era final de tarde.
Como o nosso destino era a cidade de Isezaki - sabia lá eu onde é que ficava isso - um carro nos esperava no aeroporto para até lá nos levar.
Após três horas rodando por rodovias largas de primeiro mundo, cortando montanhas e parando em diversos pedágios o funcionário da empreiteira, que tinha a sua sede nessa cidade, nos levou para um apartamento provisório. Dois dias depois, após legalizarmos a nossa documentação, iríamos para outra cidade onde ficava a fábrica em que trabalhariamos.
Já era noite. Ele nos deu a chave do apartamento e disse para descansarmos que no outro dia, às nove horas da manhã, voltaria para nos acessorar.
A troca de fuso horário, a euforia de estarmos no início de uma grande aventura, o desejo compulsivo de viver aqueles momentos fez com que,
mesmo cansados, nós nada descansássemos.
Quando o dia amanheceu nada tinhamos dormido. Passamos a noite conversando. Falando de nossos sonhos, de nossos projetos e de nossas esperanças.
Mal o dia clareou, eu cheio de curiosidade, abri a janela do apartamento para ver como era o local onde estávamos.
A primeira visão que eu tive foi a de um
karaçu - pássaro negro conhecido no Brasil como corvo e tido como um animal de mau agouro - que estava em um fio da rede elétrica. Ele grasnou e eu me enchi de temor. Aquele pássaro negro grasnando agourento trouxe para mim lembranças de estórias criadas pelo preconceito de um povo antigo.

- Meu Deus, eu falei.
- Será que desgraças estão marcadas em nosso caminho por esta terra?


Como o funcionário da empreiteira havia marcado conosco de vir às nove horas, e ainda eram quatro e meia da manhã, resolvemos dar uma volta pelos arredores.
O apartamento em que estávamos ficava ao lado da estação de trens da cidade. Usamos isso como ponto de referência e saimos de mão dada embevecidos pelo desconhecido.
Andamos por dois ou três quarteirões e o medo de nos perdermos nos fez decidir voltar.
Ao voltarmos, grande foi a surpresa quando, vimos uma placa em um estabelecimento comercial. Entre tantas placas e anúncios escritos com caracteres que nos eram desconhecidos nós lemos claramente em uma delas: CANTINA DA TIA.

- Que porra é aquela ali?
- Sei lá eu! Vamos até lá pra ver.

Fomos.
A placa ficava sobre uma porta corrediça, muito comum aqui no Japão, de vidro opáco e não transparente. Era pequena e gasta e as intempéries do tempo fez com que ela perdesse o seu viço e as letras fossem falhas.
Como a porta estava encostada a curiosidade fez com que eu a empurrasse.
Que enorme surpresa.
Atrás daquela porta tinha um boteco. Sim, um bar igual aos das cidades pequenas no Brasil.
Espaço pequeno e balcão de madeira gasta. Atrás dele uma prateleira contendo garrafas de cachaça, Martini, cinzano e inúmeras bebidas típicas e fabricadas no Brasil.
Em um fio de arame, esticado sobre o balcão, tinha pendurado carne seca e lingüiça defumada.

- Eu não acredito, eu disse. O que é isso aqui?

Não tinha ninguém ali mas a curiosidade nos levou a nele entrar.
Caminhamos adentro, olhando tudo abismados. Quando chegamos no fundo do bar - ele era pequeno e três mesas, onde eram servidas as refeições, faziam dele um corredor - vimos que ali era um banheiro e que ele estava sendo lavado por uma senhora.

- Que susto, ela disse quando nos viu. Que é que voces querem, ainda não está aberto?

Nós não sabiamos mas o horário comercial aqui no Japão abre às dez horas da manhã e fecha às vinte horas.

- Desculpe dona, eu disse. A gente chegou hoje do Brasil e quando vimos a placa ai fora ficamos curiosos.

- Chegaram hoje?
- Tudo bem. Querem alguma coisa, já tomaram café?

- Não dona. A gente não tem dinheiro. Chegamos ontem à noite e estamos só querendo conhecer. O moço da empreiteira vem buscar a gente às nove horas e saimos pra passear até lá.

- Ta legal, ela disse. Então se sentem aqui que eu vou preparar um café bem gostoso pra nós. É por conta da casa.

Fez com que sentassemos em uma das mesas e foi para trás do balcão.
Eu e minha mulher sentamos. Calados e acanhados, naquela situação, ouvimos ela perguntar enquanto preparava o café:

- E vocês são de onde lá no Brasil?

- De São Paulo dona. De Mogi das Cruzes.

- Mogi das Cruzes?!
- Você conhece lá a farmácia DROGA D OURO?


"DROGA D OURO, meu Deus. Isso são lembranças de minha infância, eu pensei, de trinta anos atrás.
Mogi das Cruzes, hoje uma cidade universitária, uma grande cidade do estado de São Paulo.
Asfalto, calçadão em seu centro - onde o tráfego de veículos é proibido e as ruas do comércio são de uso exclusivo das centenas de pedestres que por elas transitam. Duas universidades cada qual contendo inúmeras faculdades. Grande poder político. Gente de todo o país nela morando em suas repúblicas estudantis.
Na minha infância não era assim. Cidade pequena no subúrbio da capital. Tinha uma padaria, vários botequins e pequenas lojas para suprirem o comércio local. Duas ou três escolas primárias, uma velha igreja - a de Nossa Senhora do Carmo,
construção centenária erguida com paredes de pau a pique, barro batido com taquaras cruzadas em seu centro, com mais de um metro de largura cada uma - e a catedral.
As ruas principais tinham o seu calçamento feitos de macacos - pedras retangulares que eram encaixadas e revestiam a rua de forma uniforme - ao invés do asfalto de hoje. As da periferia eram ruas de terra batida onde os moleques furavam o chão e jogavam bola de gude.
Só havia uma farmácia e essa tinha uma grande placa amarela com o seu centro escrito com letras vermelhas: DROGA D OURO".


- Conheço sim. Era a única farmácia na cidade quando eu era moleque.

- Pois ela era de meu falecido marido. Ele era o farmacêutico e eu ajudava no balcão.
- Quando ele morreu eu vivi mais algum tempo no Brasil. As coisas apertaram e eu e minha irmã viemos para cá. Estamos a já quase dezoito anos vivendo aqui.


Essa foi a minha primeira amiga aqui no Japão.
Ainda hoje, nos momentos de folga, costumo pegar um trem e me deslocar até a cidade de Isezaki para visitá-la.
É gostoso ir até lá, sentir o carinho da doce velhinha e comer aquele arroz, feijão, bife e ovos acompanhado de salada que ela prepara. O chamado comercial, prato do dia a dia do trabalhador brasileiro.


CARLOS CUNHA
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