- Acabaram com a língua - diria Policarpo, das ricas páginas de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.
- Mas o que é isso? Que vulgarização é essa? O que é comunicação eletrónica? - perguntaria.
- É a tecnologia - eu responderia, minimizando meu programa de texto pensando, envergonhado, na minha máquina de escrever empoeirada e de como nos rendemos a "modernidade", para produzirmos um simples texto.
O fato é que um amigo me ligou pedindo para lhe mandar um e-mail explicando como enviar currículo por e-mail. Estava com dificuldades.
Mandei, mas fiquei imaginando como andamos simplificando as coisas. Estamos abreviando palavras, estamos encurtando caminhos na comunicação entre as pessoas.
Se entrarmos em uma sala de bate papo, não perguntamos: "De onde está escrevendo?," escrevemos: "De onde tc"? "Blz", no lugar de beleza. "Kd vc", ao invés de "aonde você está".
Tudo isso surgiu e surge com a velha desculpa de que estamos apressados. Mas na verdade, estamos com pressa nem que estejamos sem fazer nada. Coisas de São Paulo? Não sei.
Acho que Lima Barreto já devia saber das abreviações e sub-linguagens criadas pelas pessoas no seu dia a dia. Essa é uma verdade, já que o próprio desenvolvimento da língua se dá através de assimilação e mudança. Mas é difícil não creditar que certas mudanças na língua sejam inúteis.
Desta maneira, pude incorporar rapidamente ao meu repertorio, além das novas informações da internet, certas abreviações e modismos da loja de sapatos em que trabalhei com o distinto amigo que o leitor conhecerá, assim que chegar as vias de fato deste texto.
Mas vamos a língua. Na loja, "dar oito" era ser despedido. "Abrir S", era ter vendido alguma coisa. "Estar no S", era estar vendendo. "PT", era referência as freguesas prostitutas. Só não imagine que algum gerente, vestido em seu terno Armani, em uma empresa de grande porte diga ao seu funcionário: "Vou te dar o oito". Alguns tipos de abreviações e modismos acorrem apenas em "tribos" específicas.
Não adianta. Mesmo com todas essas explicações, Policarpo não aprovaria essa nova forma de nos relacionarmos com as palavras. Por isso, mesmo que inconscientemente, mandei um e-mail completamente, ou quase, "polido" de abreviações ou modismos.
Talvez, no fim, a vulgarização das letras realmente seja uma forma de vulgarizarmos nossa mente e por que não dizer, nossa alma.
E na íntegra, a tão falada mensagem, que o André deve ter aberto em alguma escola de informática.
- Escola do que? - perguntaria Policarpo.
- De nada não. Deixa pra (para) lá.
Olá André,
Tudo beleza?
Aconteceu algo de ontem para hoje que mereça uma manchete? Não? Esperava que tivesse, já que eu não tenho.
Olha só, vamos seguir os passos para o sucesso do envio da sua mensagem. Está pronto? Vamos lá:
1º abre o currículo no programa que foi escrito. Deve ser o Word.
2º depois vá até EDITAR e clique em SELECIONAR TUDO.
3º depois que tudo estiver selecionado, volte ao EDITAR e clique em COPIAR.
4º de uma olhada se tem alguma aluna avantajada por aí. O que tem isso haver com o sucesso do envio do seu currículo? Nada.
5º entre no seu provedor, no BOL. Abra a mensagem que você vai enviar. Depois disso você tem outras duas saídas:
-5.1- ou você clica com o botão direito do mouse na parte onde escrevemos a mensagem e assim abrir uma pequena janela onde você vai ler o COLAR e clicar em cima para colar o currículo ou;
-5.2- você dá uma olhada nos recursos do BOL, junto à fonte e tabulação e até do anexar e procura algum botão chamado COLAR. Assim você só precisa aperta-lo que o BOL mesmo trás aquilo que você COPIOU.
6º O processo de envio e sucesso da mensagem estará completo, o que fará com que você apenas complete os procedimentos normais de envio.
7º de mais uma olhada para o lado. Agora você tem tempo para dar uma averiguada no mulherio. O que isso tem haver com o sucesso do envio da sua mensagem? Nada, mas você já terá enviado e terá alguns minutos para fingir que está fazendo alguma pesquisa nos sites de busca.
8º está achando meu linguajar pedante e enfadonho? Sim? É que estou treinando para um futuro cargo de gerente das confecções Babush Ltda, onde a educação e o bom gosto fazem parte das características pessoais do futuro funcionário babuchiano.
9º mas você é um homem livre para me mandar para aquele lugar e perguntar se não tenho nada melhor para fazer.
10º seus direitos e qualidade de vida são garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, juntamente com seus deveres.
Bem, é isso. Deixa eu ir dormir para acordar cedo e assistir algum jogo!!!
E como diria o Macaco Simão: "Vai indo que eu não vou".
Abraço,
Marcelo.
