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Cartas-->33. DELMIRA -- 21/08/2002 - 06:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Meu nome foi Adelaide. Por haver xará no grupo, vou registrar o apelido da ulterior romagem carnal.

Não tenho graves preocupações existenciais. Tudo para mim sempre foi muito bom, mesmo ter vindo bastante cedo de volta, já que faleci aos treze anos de idade, vitimada por atropelamento, na via pública.

Tão pacífico é meu espírito que a maior vicissitude que senti foi saber se o motorista do caminhão estava sofrendo muito com a imprudência ou a imperícia, bem como se papai e mamãe tinham ficado transtornados.

Quando os protetores da família me atenderam, permitiram-me, desde logo, ir para perto das pessoas, para vibrações positivas por melhoria e tranqüilidade.

Aí, ocorreu-me o tolo pensamento de que poderia estar sendo por demais simplória, já que não houve correrias pelas trevas nem lágrimas de desesperação. Lembrei-me das santas de que tanto ouvira falar no colégio de freiras e suspeitei de que pudesse estar prestes a ser canonizada. Imaginei-me representada por linda imagem, em diversos altares, especialmente na basílica que levaria meu nome, Santa Adelaide, sem dúvida, apesar de saber da existência de divina criatura com esse apanágio.

Recolhi-me em meditação a respeito da sutil reivindicação e me veio a intuição de que deveria providenciar milagres, ou os sacerdotes não me reverenciariam a memória. Lembrei-me de Santa Goretti, a italianinha vilmente atacada na praia, e não pude me aproximar de nada que fosse sequer semelhante. Era pura como Nossa Senhora, sem, entretanto, ter tido nenhum filho na condição de virgindade. Outras santas me passaram pela mente, todas relacionadas aos conventos, à vida de sacrifícios, à dedicação aos infelizes, pobres e doentes. Quis estabelecer meu próprio padrão, mas não atinei com nada que se relacionasse à vida material. Definitivamente, minha pureza era toda espiritual.

Durante alguns anos, vaguei pela Terra, procurando efetuar milagres. Consegui convencer algumas jovenzinhas a desistirem, na última hora, a cederem a seus namorados. Ficaram, inclusive, com a impressão de que tinham ouvido vozes, como afirmava Santa Joana D’Arc. Mas a minha influenciação era anônima, nada que ligasse a intercessão à pobrezinha atropelada.

Voltei ao lar paterno, a ver se ali fazia algo que me consagrasse a santidade. Nada de monta. Lembravam-se perfeitamente de mim e oravam com devoção ao padroeiro do bairro, Santo Inácio. Nada mais. Era doce lembrança de menininha apagada e carente de proteção, sem vontade própria, sem rancores ou ardores. Cheguei à conclusão de que os meus me consideravam emocionalmente débil, sem força para instar pelo cumprimento das promessas que se adiavam, sem insistências para a aquisição dos bens pelos quais manifestara desejo.

Às vezes, mamãe, à vista da voluntariedade de minha irmãzinha, irritada, dizia, entre dentes, que teria sido melhor que eu tivesse ficado e a outra ido. Depois, corria a confessar-se ao Padre Agenor, meu assistente espiritual, desde a época da primeira comunhão.

Esse indivíduo me causou o maior espanto. Quando intentei enfronhar-me em seu aparato de memória, para levantar a minha imagem, dei com estranho vazio. Pareceu-me nunca ter freqüentado aquele cérebro, nem jamais ter impresso qualquer sensação naqueles sentidos. Era inútil zero à esquerda. Mesmo quando mamãe falava a meu respeito, repetia, monótono, que deveria rezar a Jesus, que a filhinha deveria estar no Céu, tão purinha e ingênua, que nunca me houvera dado mais de três ave-marias de penitência. Também, o pecado maior que lhe contava era de que estava enciumada de minha irmã ou que desejava comungar sem confissão, porque não sabia o que contar. Bem que me perguntava ele a respeito dos diversos pecados, seguindo o roteiro tradicional dos sete pecados capitais, mas não havia gula, sexo ou ofensa moral de que me lembrasse.

Um dia, em que vistoriava pela décima vez aquele medonho esquecimento, perguntei-me se não me estava deixando dominar por insinuante orgulho, vaidade ou egoísmo. Será que não me estava fazendo de mártir, para a entronização pretendida?

A pergunta me envolveu. Fiquei por mais de quinze dias em estado verdadeiramente abúlico. Santa, eu? Do pau oco, com certeza.

Nesse momento é que surgiu o Irmão José, perguntando-me se não queria acompanhá-lo. Vestia o hábito dominicano e me fez reconhecer-lhe a aura azulada, para a influenciação religiosa da qual tinha a maior certeza.

Pergunto-me se me teria recusado a segui-lo, se o visse como se apresenta a nós na classe. Acredito que sim, que muitos convites ouvira, sem ter prestado a mínima atenção. O do Professor chegou na horinha certa.

Sinto-me apreensiva com esta descrição psicológica, já que pode haver alguém desavisado que me considere santa, realmente, pela pureza de alma, mesmo que tivesse corrido o risco da imodéstia. Para evitar essa precipitação de julgamento, volto à vida anterior, onde, como Delmira, não fui tão imaculada, tendo sofrido reveses consideráveis no aspecto moral. Como Adelaide, não tive tempo de desabrochar para o mundo dos relacionamentos, tendo ficado presa a triste colégio religioso, onde os deveres para com os santos se sobrepunham a tudo. Teria tido condições de prosseguir segura no caminho da santificação?

Não pretendo responder. Contei o que se passou comigo em lapso de tempo restrito. Atualmente, apenas a curiosidade me excita a perquirir a respeito do que me teria levado a tal procedimento. Penso que o amor acendrado a meus pais (gostaria de citar-lhes os nomes, mas estou sendo impedida por razões que respeito e acato) é que me tenha facultado esse condicionamento psíquico.

O mais que poderia revelar é que me sinto muitíssimo bem, calma, em paz com todos, sem grandes aspirações, desde que compreendi que, para ser santa, devo dignificar as virtudes, domesticando-as para aplicação em todas as circunstâncias existenciais. E devo estudar muito, pois o caso que narrei está a demonstrar que sou verdadeiramente ignorante das leis superiores, que considero difíceis demais para o entendimento atual.

Os dias em que me esfalfei, concentrando-me para a influenciação dos terrenos, me deram a oportunidade de entender como se trabalha com as vibrações sutis das energias cósmicas. Seguirei com esses estudos em caráter opcional, ou seja, como matéria extracurricular, que estou começando a perceber que levo jeito para atuar como magnetizadora nas sessões mediúnicas. Só não sei a nomenclatura das diferentes ações e reações, conforme as ondas se deixam reunir ou dispersar. Nunca estudei física, senão passaria certas analogias elementares, o que se encontra, segundo ouço, em livros de fácil aquisição.

Desconfio que o grande avanço da última peregrinação terrestre se deu no campo das preces, pois aprendi a pedir pelos outros, esquecendo-me de mim mesma. Não é verdadeiramente surpreendente que me tenha imaginado beatificada ou canonizada? Resolvam o mistério e terão encontrado a chave para superarem inúmeros aspectos desprezíveis das reações meramente materiais das entidades encarnadas.

Fiquem na paz do Senhor!

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