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Contos-->P E S A D E L O -- 07/08/2002 - 11:03 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
P E S A D E L O



Seu sonho é vir conhecer o Brasil. Conhecer o sudeste, Rio e São Paulo, capitais do Nordeste, Brasília, a Amazônia, o pantanal. Dinheiro não é nem de leve, problema. Obstáculo mesmo é tentar delir da memória, a insistente admoestação-alerta dos familiares: “Não andem com câmeras...”; “Guardem relógio, jóias, coisas que chamem a atenção”; “Não facilitem hora nenhuma”; “Não se vistam como turistas”! Eles formam um casal de setentões, quase octogenários. Ambos de nacionalidade americana, sendo que ele, professor no Canadá, naturalizou-se faz alguns anos. No quebrar d’ovos eles já estão bem preparados, física e psicologicamente falando. Levarão cheques de viagem, pílulas de vitaminas - que é algo que estrangeiro mais gosta - e água mineral. Pequenas e razoáveis providências que um casal macróbio necessita adotar, quando tiver que atravessar o velho atlântico.
Chegado o grande dia, lá se vão eles dois para o aeroporto, seguidos pela grande “entourage” familiar, incluindo os dois cocker spaniel e o gato angorá, chamado Clinton. No embarque, até a velha governanta, nonagenária, hoje relíquia familiar, Miss Kelly, parenta distante de um certo Ray Charles, de Atlanta, Geórgia.
Nossos cruzadores de atlântico, estão bem branquelas e tentam, a qualquer custo, fingir o que todos podem ver à queima-roupa: turistas de primeira viagem! Os medicamentos contra hipertensão estão sendo embarcados com uma carta expressa do médico, dr. Winston, velho amigo da família e grande parceiro dos jogos vespertinos de golf.
Mr. e Mrs. Johnson, estão eufóricos já consultando mapas, guias turísticos, aluguéis de carro e um pocket dicionário, para o qual pedirão auxílio, na hora do pega-pra-capar! O velho vôo 8860 da United já os espera com direito a boas-vindas, champanhe francês, acepipes tais e quais, na primeira classe, já reservada, meses atrás. Na bagagem, apenas uma pequeníssima frustraçãozinha: não saber mais do que “bom dia”, “como vai” e “obrigado”, tudo isso regado, naturalmente, a um bom sotaque americanizado. As 11 horas de vôo sem escala, transcorreram sem maiores atropelos; pudera, quem voa de primeira classe, tem mais mordomias do que ministro de estado. Aos acordes de “Corcovado”, do maestro Jobim, o casal , por sugestão do comandante Harita, aprecia as primeiras luzes, os brilhantes pontos luminosos das praias chupando montanhas, sob um céu azul carioca. Ambos pasmos, vistas voltadas diretamente para a cidade maravilhosa, que, vista de cima, nem parece que abriga os seculares problemas das grandes metrópoles. O guia já os esperava, por sinal, chamado Tom, moreno, bem vestido, sorridente, como manda o figurino profissional. Na aduana não tiveram nenhum problema e logo, logo, já estava tudo devidamente desembaraçado. No Hotel, inevitavelmente à beira-mar, bem alojados, tudo em seus devidos lugares, cama fofa, ampla suíte, um cheirinho característico de Brasil, de sudeste, de hemisfério sul.
Mês de setembro no país é primavera, início da temporada de praias, tempo de bronzear os corpos rijos. Raramente durante essa época do ano, cai sequer uma chuva fininha. Contrariando porém, todas as previsões meteorológicas, justo no momento em que iriam sair do hotel, para um primeiro reconhecimento do terreno brasileiro, começa a chover forte no Rio de Janeiro, sob um “background” já de muito familiar ao carioca: trovões raivosos, como se fossem dinamitação. O casal assustado, correu à janela do apartamento e, perplexo, enxergou um céu plúmbeo, hermeticamente fechado, emitindo um aguaceiro sem memória. O guia liga da recepção, mas os telefones ficaram mudos, súbito, certamente por conta da grande interferência da descarga elétrica, vinda com o temporal. O que é pior: falta energia elétrica e o gerador tivera problemas técnicos para dar a partida e substituir a escuridão, às 9 horas da manhã de uma segunda-feira carioca.
O calor aumenta, a paciência se reduz e eles permanecem reféns da natureza e sua intempérie, sentados no carpete do apartamento. Os relâmpagos clareiam a suíte do hotel, enquanto lá fora é só tempestade, escuridão e ruas desertas.
O guia chega esbaforido ao apartamento e lhe é oferecido um copo d’água. Ele bebe e diz, exausto: - Sorry dears, but it will rain for many and many hours... I’m very, very and very sorry!!! O casal Johnson meneou a cabeça como única resposta, apertou a mão do guia e simplesmente respondeu desolado: “Ô..bri..ga..dô Tommm!!!”, como se estivesse a glorificar o prólogo de um pesadelo.




WALTER DA SILVA
Vila Velha, julho de 1995
Extraído de “22 CONTOS DE RÉS” ®

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