*Francisco Miguel de Moura – Escritor, Membro da Academia Piauiense de Letras
Como é que vamos ter consciência de nós mesmos, sem memória? Logo, memória é parte integrante da vida humana e da sua história.
É um fato que principalmente os velhos sofrem de falta de memória, mas nunca deixam de contar histórias de sua vida, relacionando com outras vidas, nunca deixam de lembrar sua infância, nunca deixam de lembrar de coisas, fatos e palavras que lhe influenciaram para construir sua existência e sua cultura. Enfim, tudo é matéria de memória, mas só conseguimos lembrar de algumas coisas, de alguns fatos, de algumas pessoas aqui e acolá – lembranças descontínuas como nos sonhos,
Somente aqueles que são doentes do mal de Alzheimer não lembram nada. Há outras pessoas que perdem a capacidade de memorizar coisas novas, mas não esquecem o passado. Enfim, se formos radicalizar, memória é vida. Sem memória a vida perde o sentido.
Sopesando a presença e a ausência da memória na vida humana foi que muitos estudiosos levantaram questões e mais questões de como melhorar a memória, ou pelo menos não deixar que ela se desgaste demais. Para isto classificam-na em vários tipos: processual, visual, episódica, topocinética e semântica, todas igualmente necessárias e úteis para uma vida saudável. Penso que há também uma memória sensitiva ou emocional, que não foi mencionada na classificação acima. Mas ela existe e facilita a aprendizagem, a apreensão dos fatos de forma mais eficiente. Assim é que se aprende muito melhor as lições dos professores a quem estimamos e daqueles que tem bom humor. E os acontecimentos de nossa emoção pessoal – alguns deles – nos marcam para sempre, ninguém esquece totalmente.
Além do mal de Alzheimer, a mais terrível, outras doenças podem afetar de modo irrecuperável a memória: – a depressão é uma delas. As escleroses e outras como a esquizofrenia, também. Provavelmente todas as doenças do sistema nervoso afetam a memória.
Por outro lado, não obstante nossos 100 bilhões de neurônios sejam suficientes para guardar todas as informações que existem, ou bem mais do que se calcula, todo mundo esquece de muitas coisas, não é possível lembrar tudo ao mesmo tempo. A memória funciona por meio de idéias e imagens, assim como a linguagem por meio de sons e palavras.
Por mais que a ciência se tenha esforçado, até agora, não há remédios para a falta de memória, pelo menos que sejam ótimos. Há formas de vida que favorecem a memória: fazer exercícios, contemplar a natureza, ler – este, hoje, é considerado um dos melhores fortificantes para a memória, afirma o psiquiatra e professor Ivan Izquierdo. Alimentar-se bem e evitar grande carga de estresse e ansiedade, são outros expedientes.
Quando se quer lembrar, forçosamente, de uma coisa e a memória não nos acode, o melhor que fazemos é relaxar. Porque a memória precisa de descanso, sim. Depois ela vem, quando você esquecer as coisas que você está lembrando. Ela precisa de espaço.
Em relação aos escritores, quando trabalham esse material virgem – a memória – transformam-na em pálida lembrança de fatos, quanto mais antigos melhores, que são atualizados pela mente do escritor na hora que escreve. E vira ficção. Essa atualização é criação, criatividade que vai determinar riqueza nos detalhes, requintes no estilo, coerência nos fatos. Portanto, Fernando Pessoa tinha razão quando escreveu: “O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a sentir que é dor, a dor que deveras sente.” Contadores de histórias, sejam da oralidade ou de escrita, são os maiores mentirosos no bom sentido. E racionalizam, sim, mas não sem escrúpulos como os psicopatas. Aliás, o homem é um eterno mentiroso. Mente na vida comum e mente muito mais no amor que é aquilo que mais o caracteriza, ou seja, a humanidade do homem.
