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Contos-->MEU DEPOIMENTO -- 03/08/2002 - 17:47 (Leon Frejda Szklarowsky) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MEU DEPOIMENTO

Leon Frejda Szklarowsky





SQS 109 - Bloco D - ap. 105 - 70372-040 -
Telefones 61 3443 2012 - 61 9981-2933 - 64 34554551
e-mail: leonfs@solar.com.br - Brasília – DF - Brasil


Síntese bibliográfica



Professor Leon Frejda Szklarowsky Advogado, Subprocurador – Geral da Fazenda Nacional aposentado, Juiz Arbitral e de Paz, Escritor, Jornalista e Conferencista. Conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil,Seção do Distrito Federal. É ex-presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, acadêmico da Academia de Letras do Distrito Fedral,secretário do Instituto dos Advogados do Distrito Federal, tesoureiro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e vice-presidente da Associação Cultural Israelita de Brasília e da B’nai B’rith de Brasília (fundador). conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, DF. É acadêmico da Academia Brasileira de Direito Tributário, da Academia Luso - Hispano Brasileiro de Direito (secretário e fundador), vice-presidente da Academia de Letras e Música do Brasil, membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal (secretário), da Academia Paulista de Direito (fundador), da Associação de Imprensa de Brasília (Diretor de Relações Públicas), da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro, da Associação Nacional dos Escritores, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, da Asociacion Interamericana de Tributacion, sócio benemérito do Instituto Nacional de Direito Público, do Instituto Brasileiro da Advocacia Pública (conselheiro), do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal (Diretor Jurídico), do Sindicato de Procuradores da Fazenda Nacional e Comendador e Delegado no Distrito Federal da Ordem Militar e Hospitalar de São Lázaro de Jerusalém.
Autor de inúmeros trabalhos jurídicos e literários, ensaios, artigos, poesias, crônicas, destacando-se as seguintes obras: Medidas Provisórias, Execução Fiscal, Responsabilidade Fiscal (esgotadas), Medidas Provisórias - Instrumento de Governabilidade, Hebreus, História de um povo, Orquestra das Cigarras, crimes de racismo no Direito Brasileiro.
MEU DEPOIMENTO

(ENTREVISTA concedida a GOLDA P. OLIVEIRA
do Arquivo Histórico)

Este trabalho é uma homenagem ao meus queridos pais, Simão e Frejda, a Israel, fonte de inspiração do Deus único do Universo, berço do povo bíblico, à Polônia, terra de meus ancestrais, ao Brasil que os acolheu e permitiu ter uma vida decente, gerar descendentes que certamente hão de honrar este rincão abençoado, onde povos dos mais diversos cantões da Terra, aqui se encontraram e formam a verdadeira democracia participativa e racial, no sentido mais profundo e amplo da palavra, princípio inscrito na Carta Magna e fundamentalmente na consciência do povo brasileiro.

Porque é inconcebível que, na alvorada de novo milênio da era vulgar, com descobertas científicas inimagináveis, ainda haja guerras religiosas, raciais e de opiniões e os homens de todos os credos, cor, origem e formação não se dêem as mãos e entrelacem suas almas e pensamentos, numa só vontade: paz e felicidade para toda a família humana, reconhecendo a sentença bíblica e a de todas as religiões de que Deus é eterno e será reconhecido Rei de todo o Universo e Um só será seu Nome e reinará para sempre.

Porque acredito, sim, na grande virada da civilização. Sou otimista. Sou um grande sonhador, com os pés na realidade. E sabem por que? Porque vejo em toda parte, em todos os cantos do País, em todos os cantões do mundo, em todos os lugares, onde haja seres humanos, pessoas simples, letradas, ricas, pobres, remediadas ou, simplesmente, seres humanos, que querem viver, trabalhar, realizar, criar, enfim, gravar sua presença na Terra, com seus feitos, não importam quais, pois todos temos uma missão a cumprir, desde o agricultor que semeia a terra, o varredor que varre o chão, a mãe que amamenta e acalenta o filho, o pescador que singra os mares, o escultor que cinzela a pedra bruta, o escritor que cria, o poeta que encanta o espírito, o músico que nos eleva e conduz ao Senhor do Universo e tantos, o sacerdote do Direito e tantos anônimos trabalhadores e obreiros que forjam as condições de vida para todos.

GOLDA: Vamos lá, meu caro Professor Dr. Leon, comecemos o bate-papo.
LEON: Antes de mais nada, tire o professor, doutor, excelência, senhor ou seja lá o que for. Quando muito, você poderia chamar-me de Majestade. Como, porém, estamos numa república, deixe tudo para lá.
GOLDA: Há quanto tempo você está em Brasília?
LEON: Golda, eu vim para Brasília, há vinte e seis anos, exatamente, no dia 20 de outubro de 1975.
Sabe, Golda, estou triste por não ter sido convidado antes, quando a cidade começava a nascer, para presenciar seu parto feliz. Antes tivesse tido essa oportunidade. Como eu desejava ter sido um dos primeiros a pisar esta terra florida, de muito sol, muitas estrelas, ainda totalmente virgem, sem ter sido tocada por ninguém, tão distante e diferente do meu São Paulo.
No entanto, considero-me pioneiro também, pois o Paulinho de Azevedo Marques, que se tornou, em boa hora, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, liderou a Comissão Mudancista, da qual também fiz parte. Se não sou pioneiro físico, pelo menos sou pioneiro espiritual.
Primeiramente, embarquei sozinho; em seguida, trouxe minha família: mulher e três filhos, ainda pequenos. E, por acaso, toda bagagem. Até parece nossos pais e avós, quando vieram da Europa. Primeiro, vinha o pai e, quando a situação já estava boa, mandava vir a esposa e os filhos e tudo o mais que havia. Ás vezes, nem isto faziam!
GOLDA: Foi assim que aconteceu com seus pais?
LEON: Não, meus pais, já falecidos, casaram-se na Polônia, onde se conheceram. Amavam-se muito. Foi amor à primeira vista. À moda antiga, gostosa e eimich , como diriam meus pais em idish .
Como sei? Ora bolas, pelo seu comportamento.
Casaram-se em 1928. Até tenho o relógio de prata que minha mãe lhe dera de presente de núpcias. Agora é meu. Guardo-o como relíquia. É um lindo relógio de bolso, com a gravação da data de seu casamento. Ah, também tenho guardado, como um verdadeiro tesouro, o retrato de meu pai, com a farda de soldado polonês. Era tão jovem, um belo cavalheiro e cavaleiro. Também, pudera, faz tanto tempo. Mais de meio século! Herdei ainda um lindo anel de ouro com a pedra ônix. Muito lindo. Anel de nobre. Não, não, esta jóia acabei dando para o meu irmão que jamais o tira do anular.
Vieram os dois, logo após o casamento. E, se procurar bem, encontrarei também fotos da minha mãe, jovem, elegante e bonita, usando aquele chapéu, tão na moda. Você já deve ter visto. Em algumas fotos posteriores, até eu, ainda pequenino e, com certeza, bonitinho, apareço. Não estou falando de agora, mas refiro-me à beleza infantil. E era, mesmo! Aliás, qual criança não é linda?
Continuando, seus parentes insistiram que fossem embora da Europa, pois, em breve, pegaria fogo, só restando desgraça, dor e lamento. Já adivinhavam o que estava por vir. O apego da maioria à pátria não permitiu que também emigrasse e fugisse do inferno. Milhares de pessoas poderiam ter sido salvas daquele fogaréu.
Lembro-me até daquela canção judia, cantada com tanto ardor: “ Main alter eim...És brent, bridalach, és brent. És ken cholile kumen der moment...” Você se lembra dela?
Para eles (e para mim, também, minha cara Golda!), o casamento podia ser encarado desta forma:
Quão doce é o casamento!
Quão doce, a união entre o homem e a mulher!
Que mais querem?
Vocês não estão sozinhos.
Têm um ao outro.
Estão entrelaçados
pela eternidade do amor,
para sempre,
por tudo,
no bem e no mal,
no doce e no amargo,
e na tristeza,
para, num instante fugaz,
descobrirem quão bom é viver,
quão suave e doce é a vida e o amor,
se souberem doar-se um ao outro.
Vão em frente.
Não esmoreçam.
Não se deixem abater
por um segundo sequer,
porque a vida só tem sentido,
se iluminada pela chama de nossa alma,
pela concretização de nossa aspiração.
Vão em frente,
por que vocês não estão sozinhos!
Vão em frente,
por que o homem não vive só,
é um ser gregário,
que estende a mão ao outro,
entrelaça suas mãos,
fita seus olhos no infinito
à procura de algo
que lhe está bem próximo - o outro ser.
GOLDA: Puxa, que romântico e trágico, ao mesmo tempo! Será que ainda existe esse tipo de amor ou só o encontraremos nos folhetins da Tv Globo ou do Sílvio Santos? Ou nos lindos romances dos nossos autores românticos, como José de Alencar ou Jorge Amado, este último romântico – realista? Não estará você exagerando, nesse depoimento?
LEON: Pois é, pasme! O que lhe vou contar parece história da carochinha, mas é verdade, a pura verdade. Acredite, se quiser. Eu ainda não era nascido, acho que nem havia sido encomendado. Esperaram longos cinco anos, para fazê-lo, com maestria. Meus pais, logo que chegaram ao Brasil, ou melhor, a São Paulo, abriram, como não poderia deixar de ser, uma pequena loja (uma lojinha ou a gisheft, em iidish), na Rua XV de novembro, em pleno centro velho. Imagine que glória. Mas, logo em seguida, mudaram-se para o Brás, na Avenida Celso Garcia, e lá também tinham uma loja de “ropas féitas, sénhorr!
Viviam uma vida folgada. Nada por que se queixar. Tinham muitos amigos, os correligionários da velha Europa. Alguns até da mesma cidade. Não havia uma noite que não proporcionassem ricos jantares para os amigos, regados com boas gargalhadas e conversas agradáveis. Todos estavam felizes.
Na realidade, assemelham-se, em tudo, às festas e jantares que ocorrem em Brasília, desde os primeiros tempos, e atualmente com muito mais intensidade, onde se reúnem amigos, parentes, colegas, políticos, magistrados, executivos, intelectuais, escritores, poetas, juristas, médicos engenheiros e empresários, numa perfeita camaradagem, não havendo distinção nem discriminação de qualquer espécie. Tudo é pretexto para essas reuniões.
A comida, com rico e delicioso cardápio, é acidente, porque o que vale mesmo são os papos afortunados, os reencontros e as conversas informais, mas nem por isso menos importantes. Dali, podem sair as grandes decisões.
As embaixadas também são centros notáveis de encontro, sem falar nos restaurantes, bares, churrascarias e cantinas, especialmente preparadas para esse fim.
Brasília, como se vê, já é uma cidade civilizada, comparável às grandes capitais. Que o digam os diplomatas.
GOLDA: E você costuma freqüentar esses lugares?
LEON: Não só aceito esses convites, por educação, mas principalmente, por que me agradam e é uma forma de participar ativamente da vida social da Capital. Viver na Capital Federal e não participar desses acontecimentos é como ir a Roma e não visitar o Papa ou ir a Israel e não chegar a Jerusalém. Ou ainda, estar no Egito e não conhecer as pirâmides. Não acha?
GOLDA: Continue contando sobre a avenida e não fique perdido, nos meandros de sua história.
LEON: Está bem. Da velha avenida e dos antigos tempos, de que lhe falava, vêm-me à lembrança os inesquecíveis carnavais de rua. Que fortuna! Os carros alegóricos passavam pela via enfeitada. Era só alegria. Carnaval de família. Nada profissional, como as monstruosidades de agora. Muita música. Letras agradáveis e alegres, feitas por mestres, e que até hoje deixam saudade. Palhaços e arlequins. Lança - perfumes. Confetes e serpentinas. Máscaras. Pareciam os bailes de fantasia da velha Itália. Parece-me ver Veneza, na Idade Medieval. As pessoas saíam para divertir-se e apreciar as gostosas maluquices dos outros. Nada de exageros. As famílias reuniam-se nas calçadas. Olvidavam-se as mágoas e o medo pelo desconhecido por alguns momentos ou durante os três dias de Momo.
GOLDA: Quer dizer que estava tudo bem e a vinda para o Brasil foi reconfortante?
LEON: Até parece! Sempre, há o porém. Meu pai não se acostumava com o clima do Brasil. Hábitos e costumes diferentes transtornara-o completamente. Contava minha mãe que ele chorava dia e noite, com saudades da velha terra. Não agüentara o baque da separação, dos velhos amigos, dos pais, dos irmãos e da cidade onde nascera. Era sua terra natal, afinal tinha raízes.
Talvez, as deliciosas ágapes e as reuniões festivas nada mais eram do que uma forma de tentar enganar as tristezas do seu coração. É, aliás, um verdadeiro paradoxo. Estava junto de seu grande amor, mas sentia falta da vida anterior. Entenda-se o ser humano! Ah, a velha e querida Polônia, der alter eim ”
Em 1932, quando estourava a revolução constitucionalista, em São Paulo, contra a ditadura de Getúlio, e os estudantes da velha Faculdade de Direito, na qual viria estudar bem mais tarde, lutavam heroicamente, minha mãe, penalizada com o sofrimento de meu pai, instara-o a voltar para a Polônia, afim de então levá-la de volta e retornar à vida antiga. Imagine sua coragem. Ficou sozinha, confiando na volta de meu pai. Mais um prova do amor que lhe devotava.
Mal ele viajara, recebera minha mãe notícias da velha Europa, de seus parentes, proibindo-o de retornar, pois a guerra era iminente. Hitler já dava as caras e previa-se o que estava para acontecer. Seriam os dias mais abjetos da história humana e dos judeus.
Que pena minha mãe não mais estar entre nós. Quanta coisa teria ela para narrar. Tinha o veio poético. Suas cartas eram lindíssimas, verdadeiras obras de arte literária. Claro, escrevia em íidishe. Quando se punha a escrever, para os parentes, derramava toda a poesia e deixava-se levar pelos devaneios. Verdadeiro talento perdido.
Pois bem, mal aportara ele na Polônia, obrigaram-no a voltar, imediatamente. Realmente, dias depois, lá estava ele de volta e nunca mais olhou para trás. Honrou sua palavra de vir apanhar minha mãe ou fixar-se de vez, aqui. Não demorou muito para eu chegar a este mundo e o resto é outra história.
Agora, família nova, lojinha, problemas econômicos, logo mais a guerra civil na Espanha, tomada do corredor polonês de Dantzing, pelos alemães, precursora da grande guerra iminente, no além - mar, convulsão econômica e social, em toda a parte, revolução em São Paulo, de sorte que tinham eles que pensar no futuro e, com certeza, no varão, um brasileirinho, um bandeirantezinho, com muita honra, que iria enriquecer o lar, doce lar! Eu é que estava chegando.
E, por falar, em Grande Guerra, a segunda, não me esqueço do racionamento de tecidos e da comida e das luzes apagadas, com janelas fechadas e cobertas com panos escuros, para que não se enxergassem algumas das velas acesas e as casas fossem bombardeadas. Naturalmente, eu era bem pequeno.
GOLDA: Seus pais participaram de algum movimento judaico ou político, na Polônia?
LEON: Realmente, não sei. É quase certo que não. Eles conversavam muito, a respeito da Polônia, da cidade onde moravam, da casa, dos parentes e dos amigos que deixaram in der alter eim . Como lhe disse, a saudade era muito grande. A família deles era enorme. Meu pai tinha muitos irmãos e sobrinhos. Da família de minha mãe, quase nada sei.
Ah, sim, minha mãe era aparentada com um rabino muito famoso e conhecido, sua fama corria mundo. Entenda-se, por mundo ( velt), as cidades ou stetls, onde viviam os judeus, confinados naqueles arredores. O sábio era o CHOFITSCHAIM. Nem sei se estou escrevendo corretamente, mas, quando contei este fato ao nosso Rabino Simonovicz, ele ficou deslumbrado e mostrou-me um livro de estudos, da velha Europa, com sua foto. Desde então, a conversa com ele passou a ser outra. Ganhei pontos, sem o saber. Afinal, tinha descendência de um velho e mui venerado rabi e isto me tornava importante a seus olhos. Graças à minha mãe. E como adorava conversar com o rabino, apesar de não ser nada religioso, pelo menos, pela ótica dele, por um motivo muito simples:
“Com o estudo das diversas tradições religiosas, fácil é concluir-se que a essência das coisas é a mesma em todas as religiões e consciências, não importa o tempo, nem o espaço, variando apenas a forma e os caminhos do percurso, convolando o pensamento de que Deus é um e um só é o homem ou a pluralidade na unidade – essa Energia infinita e desconhecida, mas presente em tudo.

Assim entendo Deus.
Assim entendo a visão holística do universo.
Assim entendo o mundo em que vivemos.
Assim entendo o passado, presente e futuro.
Assim entendo a eternidade.
Assim entendo o infinito.”

Mas como lhe estava relatando, meus pais conversavam, noite adentro, sobre sua vida, seus anseios, na Europa. Era uma forma de recordar o passado, não esquecê-lo e poder ultrapassar as barreiras da solidão espiritual.
Voltando à sua pergunta, com certeza, eles não gostavam de política, qualquer que fosse. Tinham horror. Não fizeram parte de nenhum movimento judaico ou não judaico, lá ou aqui. Viviam trabalhando e muito. Eram gente pacata. Repito: tinham horror à política. Acho que até morriam de medo. Não lhes corria nas veias o sangue revolucionário ou de aventuras. Tal qual meus falecidos e queridos sogros, Judá Lejb e Amália, vindos também da Polônia. Não sei, aliás, de quem seu sobrinho, Jaime Lerner, governador do Paraná, terá herdado o gosto pela política (e como!), porque é o único na família a enveredar por essa estrada e sair-se bem.
GOLDA: Você não disse que seus pais estavam bem de vida?
LEON: Bem, estavam, né? Como dizia minha mãe, de redl dreit. Quero dizer estavam, contudo veio a Segunda Grande Guerra e as coisas começaram a degringolar, para o lado deles. Acabaram indo para o interior, onde meu irmão, Gregório, nasceu, em 1939, na cidade de Bragança Paulista. Mudaram-se, a seguir, para Camanducaia, no Estado de Minas Gerais. Fugiram de lá, sem titubear, correndo, pois nesse local se matava por um copo de pinga. Aliás, hoje, em toda a parte, não é diferente. Era um horror. Passaram um mau bocado. Foram verdadeiros heróis anônimos, como a maioria dos imigrantes. Coitados, lutaram a vida toda. Mal tinham tempo para divertir-se. Se os primeiros anos foram bons, os seguintes foram de muita luta! Mas tenho boa lembrança deles, nunca descuraram da educação dos filhos. Nunca deixaram de amar-nos ou faltar-nos algo. Não comiam, mas guardavam o pouco que tinham para as crianças. Ainda, existe isso?
Isto é válido também para os pais da Regina, minha sagrada esposa. Quantas histórias seu pai contava sobre a vida dura que levaram no começo e sobre o alter eim. Literalmente, quebraram pedras e as carregaram, como os escravos do Egito faziam. Só que o fizeram em Curitiba.
E aqui também valeria a pena parar um pouco, para narrar suas aventuras e desventuras. Não tenho dúvida de que daria uma história maravilhosa romanceada, pelas peripécias dos protagonistas, que afinal geraram seis notáveis filhos (zex goldener kindelachr ), entre os quais se distinguiu minha prometida. Ei-los: Marcos, Regina, Rachel, Neusa, Isaac e Bernardo, pela ordem de chegada a este Plaeneta.
GOLDA: Pelo que eu percebo, você fala iidish. Você estudou iidish? Cursou alguma escola judaica?
LEON: Não só iidish, como o inglês e o espanhol; melhor diria o portunhol. Estudei inglês, na Cultura Inglesa, desde menino. O espanhol, no curso científico, quando ainda se estudavam o espanhol, o francês e o inglês. Bons tempos! O iidish, aprendi-o em casa, porque meus pais falavam iidish, um pouco de polonês e português, sempre.
Eu era muito observador e ouvidor. Estava sempre com os ouvidos atentos. Era orelhudo.
Cursei apenas o primeiro ano, na Escola Israelita Luiz Fleitlich, no Brás, que me valeu para a vida toda. Recordo-me até do meu velho moré, o querido, culto e abnegado mestre, que não poupava esforços para fazer-nos aprender.
Ai, veio-me à mente a canção hebraica, que cantávamos, sob a regência dele, na entrada e na saída da aula: “Eit abaita eit, eit abaita, ieladim...Eit mi beit a seifer tzeit...” É mais ou menos isto.
Que bom, essa sua entrevista e esse depoimento estão-me conduzindo para um mundo que pensava esquecido, no fundo de minha alma, para nunca mais mexer, como um navio naufragado nas profundezas do mar. De repente, você arranca-me os momentos mais felizes e significativos de minha infância. Devo-lhe esta.
Creia, porém, era um sacrifício terrível, chegar à escola. Morávamos, naquela época, na Vila Maria, na zona leste. A avenida principal não era calçada (só viria a sê-lo, no governo do velho Ademar de Barros, o célebre e folclórico político de São Paulo, na época em que os comícios se faziam nas praças e a luta pelo voto era corpo a corpo, de verdade. Havia cheiro e gosto de povo ou, como se diz agora, do povão).
Bastava chover copiosamente e a avenida transformava-se num rio caudaloso, por onde só trafegavam as canoas e barcos de pequeno porte. As demais ruas eram só lama e água. Daria até para transformá-las em tijolos ou telhas. Não é mentira, não. Não pense que estou inventando e romanceando. Minha imaginação não vai a tanto.
Minha querida mãe trazia-me de manhã, para escola, e à noite vinha-me buscar, apesar da loja, que lhe tomava todo o tempo, pois meu pai viajava para o interior, vendendo as mercadorias ou, num português claro, mascateava. Sempre atrasava e eu vivia chorando. Que criança chorona! Completamente diversa da pessoa que sou.
Lembro-me da vida que levavam. Dava pena. Entretanto, sobrevivemos. Carros quase não existiam. Táxis, nem falar. A viagem fazia-se de bonde. Ah, que saudade! Ainda me lembro do cobrador e da música de carnaval: “... din, din, um p’ra mim, dois para a Light” (a companhia de bondes pertencia à velha Light, antes de ser municipalizada e passar a chamar-se de CMTC, após um quebra-quebra daqueles, que faz lembrar os amargos dias da Argentina, antes da renúncia do Presidente De la Rua.
Um fato curiosíssimo. Eu ficava nos intervalos das aulas (de manhã, fazia o curso regular e, à tarde, estudava hebraico), na casa de um casal que tinha loja de móveis, bem em frente da escola, na Rua Bresser, no coração do Brás. Não é preciso dizer que eles eram extremamente religiosos, notadamente o pai da senhora Miriam, Reb Isroel, der shoichet .
GOLDA: E onde está o fato curioso?
LEON: Calma, dona Golda, sempre com pressa! Anos depois, ponha tempo nisso, já estava bem casado, com minha Rainha, perdão, Regina, e meu sogro perguntou-me, de sopetão, se conhecia um rapaz chamado Maurício Najgeborin. Não sabia o porquê da pergunta, fora pego desprevenido. Respondi-lhe à queima roupa que sim e era um bom rapaz. Imagine se dissesse o contrário, que decepção não seria para ele, meu sogro, e, obviamente, para o bom rapaz! Também, pudera, não havia por que afirmar, diferentemente.
Perguntei ao meu sogro o motivo. Disse-me que era apenas curiosidade. Vã curiosidade! Como se fosse acreditar. Insisti. Sou muito curioso. Não sou bobo. Algo havia por trás de tudo isso. Relutou, mas acabou falando. Vim a saber que esse tal moço estava namorando minha cunhada, a caçula, entre as filhas.
E sabe quem era o bom rapaz? Simplesmente, o filho da boa senhora que me acolhia em sua casa no intervalo, entre as aulas. O mundo realmente é pequeno.
Certas coincidências marcam para sempre. E, se amigos fôramos, na infância, parentes nos tornamos quando adultos. Era o tempo em que os velhos pais tinham um cuidado especial com suas filhas e tomavam conta delas, como verdadeiras jóias. Ah, que tempos saudosos, não acha?
GOLDA: Então, você é um saudosista inveterado?
LEON: Não.Tudo era tão diferente. Não pense que sou saudosista e fujo do futuro. Essa postura não era um conservadorismo anacrônico, sem sentido, senão fruto de verdadeiro amor paternal. Eu acho isso muito bonito. Era a salvaguarda da família.
GOLDA: Voltando aos parentes de seus pais, alguns deles vieram para cá?
LEON: Infelizmente, minha cara Golda, eles não tiveram a sorte de terem alguém da família, aqui. Nunca mais tiveram notícias de seus parentes. Apenas a memória deles e a vã esperança de que estivessem vivos em alguma parte deste mundo violento e insano, apesar de tudo, bom de viver, desde que saibamos fazê-lo com dignidade. E nós, seus filhos, eu e meu único irmão, Gregório, ficamos órfãos de avós, tios e primos. Todos tinham seus avós, tios, primos, primas, e, nós, nada. É triste, sabe?
GOLDA: Falando agora de você, o que o demoveu transferir-se para Brasília? Afinal, todos que vieram para cá, no começo de sua construção ou quando já estava bem adiantada sua obra, tem uma história para contar.
LEON: Tem razão. Eu também sempre pergunto às pessoas por que vieram para Brasília. Que motivo relevante fez mudar o rumo de sua vida.
Também tenho minha história, conquanto não tão rica quanto à dos primeiros povoadores deste rincão. Não sou pioneiro (a não ser espiritual) ou piotário, como dizem por aqui, mas semipioneiro ou semipiotário. Não se tratava de mera aventura, nem de curiosidade ou de imposição governamental. Ninguém me obrigou. Nem pretendia estabelecer um comércio nesta terra nascida, por obra e graça de um dos maiores estadistas do Brasil, o nosso Juscelino ou JK.
Acabara de ser nomeado para o cargo de Procurador da Fazenda Nacional (cargo altamente sonoro, mas pouco sonante!), ou seja, de advogado público federal, em São Paulo, e, não demorou muito, vim a ocupar um alto posto, como o segundo, na hierarquia funcional, na Procuradoria da Fazenda Nacional, no Ministério da Fazenda. Era o subchefe em São Paulo.
De repente, recebo um convite do Cid Heráclito de Queiroz, futuro Procurador-Geral da Fazenda Nacional por longos anos e do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Francisco Dorneles, para chefiar a Procuradoria no Distrito Federal, porque seu titular havia falecido há pouco, mas com a incumbência de também auxiliá-lo na instalação da Procuradoria-Geral, que deveria ser transferida do Rio de Janeiro imediatamente, já que Brasília se consolidava como Capital do Brasil e o Governo não admitia, em hipótese nenhuma, qualquer retrocesso.
Foi assim que conheci Brasília, em outubro de 1975. Meu irmão, mais felizardo, ganhou um prêmio da Folha de São Paulo e veio vê-la quando se levantavam os primeiros pilares e nem esqueleto havia, senão projetos e pranchas.
Logo que cheguei, indicaram-me o Brasília Palace Hotel, situado ao lado do Palácio Alvorada. Um marco inesquecível. Todos os funcionários, que vinham para Brasília, tinham hospedagem certa, nesse hotel. Era uma jóia rara. Localização privilegiada. Amplos jardins. Muito verde e árvores abundantes e idosas (quanta lembrança havia guardada em sua memória). Quartos arejados.
Parecia um paraíso ou uma dacha, na longínqua cidade fundada, no cerrado, por Juscelino Kubitschek, bem próximo do Palácio presidencial. Nada mal, mesmo para quem deixara uma situação invejável nas suas origens.
Hoje, só se vê o pouco que resta do prédio esquecido e escuro, abandonado, após o incêndio que quase devorou vários amigos meus. E obviamente o descaso das autoridades. É uma vergonha, como diria o velho Boris Casói. Parece-me, entretanto, que agora resolveram restaurar o que foi o presépio desta cidade. Nosso País prima por não ter memória. De vez em quando, tombam-se alguns bens e, assim mesmo, com muita parcimônia. E Brasília está tombada. Imagine se não estivesse.
Mais uma curiosidade.
GOLDA: Mais uma? Conte, logo.
LEON: Vim, para essa nova vida, sozinho. O marido, sempre a partir, solitário. A história repete-se. Assim, coube-me a tarefa de explorar o terreno, para depois chamar a família. Tinha, naquela época, três filhos pequenos, o Simão, a Márcia e a Vera. Eu era bem mais jovem, conquanto ainda continuo, penso eu. Nenhum irmão mais lhes demos.
Nesse ínterim, minha mulher fora convidada pelo Procurador-Geral, para conhecer Brasília, antes de decidir mudar-se com armas e bagagens. Já imaginou deixar a civilização?
De fato, numa noite de novembro do mesmo ano, de lua cheia e céu iluminado pelas estrelas candentes, que só existiam aqui, fora buscá-la no aeroporto, juntamente com o colega da Procuradoria, o velho colega Agostinho Flores, que não queria de forma alguma assumir a chefia que vagara, com a morte do titular. Não desejava mesmo ser chefe. Por nada, neste mundo. É de se acreditar? Mas era verdade. Tinha medo de assumir. Tanta gente querendo, lutando por isso e ele...nada! Aliás, a bem da verdade, nem eu.
Então, não se fez de rogado e fomos receber a minha cara metade, a Regina, minha rainha. Sem qualquer trocadilho. Era noite. Quase outro dia. Meia noite e meia.
E lá fomos nós, conduzidos, pelo improvisado e persistente guia turístico, a conhecer a cidade que já se esboçava como a revolucionária capital, diferente em tudo que se conhecia até então, pelo arrojado de suas linhas e pela promessa de ser um jardim no cerrado imenso, que se perdia nos confins do infinito.
E o hotel, em que me hospedei, com ela, era o Nacional. Ainda hoje prima por sua imponência e situação. Dizem que está decadente, mas não é verdade. Esteve. Não está mais. Pertencia ao nosso correligionário José Tjurs. Com a morte do patriarca, seguiu-se a derrocada.
No entanto, ultimamente, com a aquisição do hotel, pelo empresário Canhedo, que também assumiu a VASP, a ascensão é patente. Era o melhor hotel, na época. Também pudera não havia outros, de sua categoria. Quer saber como consegui, por um acaso muito feliz, impressionar minha jovem, querida e gentil esposa? Pois me deram, porque não havia lugar, nada mais, nada menos, que a suíte, onde estivera hospedada a rainha Elizabeth, da Inglaterra. Já era um bom começo. Eu e minha santinha julgamo-nos os próprios reis. Que honraria inesperada! A monarquia restaurada no planalto central!!!!!
Percorremos Brasília, à noite, passando por todos os cantos dessa cidade, já quase feita, com quinze anos. Era precoce. Uma linda senhorita. Estávamos extasiados. Todos ficavam deslumbrados e encantados, quando desciam no aeroporto e vislumbravam a grandiosidade de tudo. Até parece Itu, de São Paulo, onde tudo é incomparavelmente grande. Até aquilo, isto é, suas ruas, casas e seus feitos e habitantes!!!
Afinal, Juscelino Kubitschek, o iluminado e predestinado médico de Diamantina, das Minas Gerais, fincou neste chão abençoado a cidade que Iara Kern descreveu como o Egito aqui implantado. Esta talentosa escritora não poupa esforços em demonstrar que Brasília está traçada dentro da numerologia do Tarot Egípcio e da Cabala Hebraica, porque encarna as características das cidades egípcias. Foi Akhenaton (1375 - 1358 AC), o Faraó do Deus único - Aton, que também transplantou a capital do Egito para Akhenaton - a Cidade do Horizonte do Aton. E o Templo da Boa Vontade, com a sala egípcia e a pirâmide, é uma perfeita demonstração de sua grandeza.
Brasília, jovenzinha e esbelta, a namoradinha do Planalto, encanta a quem aqui aporta. Tem a magia de conquistar para sempre seus amores. Marcar com sua varinha mágica seus habitantes, antes rotativos, já agora definitivamente enraizados nesta terra de flores, jardins e do cerrado quente, do céu azul, do mágico lago engendrado por seu fundador.
As quadras e superquadras, o comércio local, que, porém, de local nada mais tem, as pirâmides de suas construções, as avenidas monumentais, os desenhos de Lúcio Costa, o traçado de Oscar Niemeyer, as coincidências do Egito antigo e da Brasília moderna e, fundamentalmente, de seus habitantes, que vêm de todos os rincões do Brasil e do mundo, tornam esta cidade diferente das demais e mereceu da ONU o tombamento, por suas características nobres e revolucionárias.
Pode-se dizer que estamos vivendo a nova maravilha do engenho humano. E há mais. Brasília, o centro cultural e político do Brasil, está ultrapassando as mais otimistas expectativas, projetando a pujança dos seus filhos, candangos, pioneiros, semipioneiros e os que para cá vieram mais recentemente “. E eu tornei-me mais um a povoar esta terra prometida. Que bom!
Não me refiro ao lado mal, porque naqueles tempos ainda não havia. Tudo era puro e todos podiam-se dar ao luxo de se vangloriar do rincão, onde viviam bem, apesar de faltar muito para ser considerada excelência.
GOLDA: Conte outros fatos que você reputa interessantes.
LEON: Sim, com prazer, mas deixe-me lembrar, minha cara amiga. Enfim, quem não tem algo, aparentemente insignificante, a contar, ao deixar sua casa, sua cidade, sua pátria de origem? Creio que todos têm, porque ninguém é vazio bastante que não tenha o que dizer.Todos os seres têm dentro de si algo significativo para transmitir.
No começo, realmente, a vida não era mole, nem encantadora, principalmente para quem estava acostumado com uma cidade como São Paulo, que, já naquela época, era um país dentro de outro. Imagine sair de lá e vir para cá. O Bom Retiro ficara para trás, como também o Novo Retiro, isto é, o Bairro Higienópolis, e, posteriormente, o Novíssimo Retiro, que era o Sumaré e as Perdizes, onde morei, por último, antes de me mudar, para cá.
GOLDA: Raio de homem, fale já das coisas e deixe a divagação, para outra hora, quando tudo tiver terminado, porque, você sabe, eu não tenho tanto tempo assim. Acredite: há muitas outras pessoas para entrevistar. Não pense que você é o único. E isso leva tempo.
LEON: Vamos lá, já que você tem pressa! Mas, pergunto-lhe por que tanta pressa, se o tempo é apenas parte da eternidade que nunca começa, nunca termina?
GOLDA: Puxa, você não tem jeito mesmo, não ata nem desata. Quero é mesmo saber das coisas daqui e não de seus sonhos e devaneios filosóficos.
LEON: Está bem, dona Golda, onde é que parei? Já me perdi. Ah, lembrei-me. Disse que a vida no começo não era fácil. Imagine quem chegou no início, como você e seu marido! São, sem dúvida, heróis os pioneiros! O título é pomposo, porém como devem ter sofrido e amargado. Mas, no meu caso, havia lá suas compensações.
Tínhamos carro oficial ao dispor e apartamento funcional, tudo pago pela viúva rica. Todos nós, ou, pelo menos, a maioria do Ministério da Fazenda, morávamos no mesmo prédio. Na superquadra norte, na quadra 202. No mesmo bloco. Parecia uma chacrinha. Morávamos e trabalhávamos no mesmo lugar. Saíamos e voltávamos, à mesma hora.
O local era agradável, no entanto faltava muita coisa, para se equiparar à asa sul, a primeira a ser construída e habitada. Nessa quadra, moravam deputados, militares e funcionários públicos. Ainda, havia muito espaço para ser ocupado.
Trabalhávamos, no mesmo local, ás vezes na mesma sala. Calhava de um ser chefe e outro, seu chefiado. Verdadeira democracia, como queria o idealizador de Brasília. Só que, depois, tudo foi mudando. Os mais aquinhoados iam para apartamentos maiores e melhores ou para o Lago Sul, verdadeiro Morumbi de Brasília, a zona nobre.
No início, moravam no mesmo prédio, quiçá no mesmo andar, senadores e seus motoristas, deputados e criadas, juízes, procuradores e advogados e pessoas de menor nível econômico. Com o passar do tempo, contudo, as coisas iam caminhando para outro rumo. E a igualdade deixava de existir, para desgosto de Niemayer e Lúcio Costa, o engenheiro e o arquiteto da cidade.
As quadras comerciais foram planejadas para abastecer as quadras, com tudo de que seus moradores necessitassem, de sorte que não tivessem que sair daquele local e a vida fosse facilitada ao máximo. Entretanto, as mais de quatro décadas de Brasília mostraram que o povo não se amolda a planos, detesta ficar acorrentado, assim que aquelas quadras se tornaram especializadas e setorizadas, como por exemplo, a 109 Sul, com suas lojas de luminárias; a 205 e a 405Sul conhecidas como rua dos restaurantes. E os habitantes, felizmente, misturam-se e vão, em busca de novidades, às outras quadras e, agora mais do que nunca aos shoppings que se criam às dezenas, num incessante e salutar vai-e-vem.
GOLDA: Não era chato ver as mesmas pessoas, de manhã, à tarde e à noite, aos sábados, domingos e feriados?
LEON: Até que não, pelo menos naquele momento histórico. À noite, sempre havia uma festinha na casa de um de nós, com cantoria e tudo, violão e muitas vozes desafinadas. Não obstante, o entretenimento era delicioso. Não havia tantos bares e restaurantes, como agora, que até faz inveja ao Rio e a São Paulo.
Hoje, os barzinhos substituem as esquinas, que não temos. Os restaurantes são bem sofisticados. Festas realizam-se com uma freqüência e constância notáveis. Os eventos literários, culturais e científicos são tantos que, no mesmo dia e noite, você tem que fazer a proeza de estar em todos eles, ficando em média alguns minutos, em cada um. Não é exagero.
Naquela época, sempre um dos apartamentos se iluminava, para receber os vizinhos - colegas. Não se falava em racionamento de energia. Portanto, podia-se esnobar com a iluminação. Não havia uma noite sem sarau.
Alguns, como o Luiz Americano, saíam das festinhas e ainda iam tomar umas e outras, no Hotel Nacional ou no famoso Beirute, dos boêmios e intelectuais, no comércio local da SQS109 (onde resido atualmente), sempre acompanhado de um de nós. Eta, boemia gostosa.
Aliás, falando no Americano, sua cara metade, a Marina, nunca se esquecia de reunir, no dia 11 de agosto, data da fundação dos cursos jurídicos, no Brasil, todos os bacharéis das Arcadas, a velha e sempre nova Academia de Direito de São Paulo, do Largo de São Francisco. De repente, o Americano aposentou-se, o casal desquitou-se e tomou o rumo da velha São Paulo. Então, as badaladas reuniões dos bacharéis desapareceram, por um tempo, para tristeza de todos.
GOLDA: Só isso?
LEON: Não. Espere, só um pouco. Há a encantadora filha do casal.
Aproveitando a deixa, este casal tinha duas filhas e um varão, educados em lar católico, com todos os requintes de uma família burguesa, bem situada e tradicional. Era o que havia de melhor, em requinte.
E não é que uma de suas filhas começou a interessar-se pelo judaísmo e, através de minhas filhas, freqüentava a veterana e pioneira ACIB - Associação Cultural Israelita de Brasília. Não era apenas uma curiosa como tantos que campeiam por este mundo afora. Desejava a todo custo aprender tudo que pudesse sobre o povo hebreu, seus costumes, língua e tradições.
Estudou o judaísmo e o hebraico. Fez aliah , converteu-se à religião judaica e casou-se com um rapaz religioso. E vive felicíssima. De vez em quando, aparece por aqui, em visita aos amigos. É um fato curioso, realmente. Antes disso, ela não tinha tido qualquer ligação com os judeus ou com a religião, a não ser amigos esporádicos, como sói acontecer com qualquer um.
GOLDA: E os bacharéis das Arcadas ainda se reúnem?
LEON: Voltando aos bacharéis das Arcadas, recentemente, os jantares recomeçaram, timidamente, e agora, estas sessões festivas tomaram força total.
Talvez seja a única turma que se reúne, religiosamente, e estes encontros são muito alegres, onde estão presentes ministros, juízes, procuradores, advogados, políticos, governadores (tivemos até presidente, o Jânio), todos numa camaradagem, sem distinção. Até mesmo os bacharéis mais recentes, os calouros, são admitidos na festa e participam de igual para igual, reinando a verdadeira igualdade e democracia. Todos esquecem o que são para se transformarem, por algumas alegres horas, no que eram.
Músicas, danças e instrumentos musicais estão presentes. Não faltam, evidentemente, discurso e declamação, pois todos se julgam poetas e oradores, dos melhores! Às vezes, até que são mesmo. Cantores todos são, entoando as velhas e gostosas canções da Faculdade, retornando à época de estudante.
GOLDA: Acabou? Arre!
LEON: Não, tenho mais uma. Teria muitas. Há histórias que não acabam mais. Até parecem os contos e histórias que se escreveram sobre os judeus, seus costumes e principalmente sobre o humor judaico, às vezes, verdadeiro humor negro. O judaísmo, aliás, é uma fonte inesgotável para o escritor se deleitar. Ou as maravilhosas histórias das mil e uma noites...! Leiam-se os autores judeus do século XIX ou mesmo os atuais que até foram premiados com o Prêmio Nobel de Literatura.
Continuo, mas deixe-me tomar fôlego.
Este fato que lhe vou contar é sumamente interessante, também. Não há igual.
Certa vez, já faz algum tempo, estava com dor na coluna, aquela que tira a pessoa do sério e é capaz dos maiores desatinos, mandando-a para as profundezas do inferno, aqui mesmo na Terra. Faz defunto revirar na cova, se ainda houver algo. Parece ser uma dorzinha, qualquer, inexpressiva e, no entanto, abala, profundamente, e não dá trégua. É guerra total, contra o depauperado organismo e o esqueleto. Só quem sentiu ou sofre seu efeito, conhece verdadeiramente até onde ela pode conduzir o infeliz.
Pois bem, por causa da dita cuja, acabei, num sábado (faz mais de quinze anos), na sauna do Hotel Nacional, nosso velho conhecido, unicamente para que o massagista milagrosamente me curasse da fatídica e incômoda dorzinha, já que detesto a sauna e a considero sem graça – uma perda de tempo. Imagine só ficar pelado lá dentro e agüentar as torturas do calor e do vapor. Parece um suplício dantesco. Que falta de imaginação. Ainda, se houvesse ar refrigerado, vá lá!
Hoje, não faria a massagem, porque descobriram a mesoterapia, um milagre, sem igual. Cura na hora. Só quem a experimentou conhece o alívio celestial, proporcionado pelo Dr. Elias Tamer, de Goiânia, a providencial capital da boa medicina.
Ao entrar, deixei meu cartão de crédito, na portaria, para efetuar o pagamento. Contudo, ao sair, ainda não tendo recebido os eflúvios da cura e, talvez, por isso mesmo, sem perceber, esqueci-o com o ou a caixa. Nem me lembro mais.
Quando dei pela coisa, telefonei, imediatamente, para o hotel, e informaram que eu havia levado o cartão no mesmo dia. Como é que eu não me lembrava? Perguntaram se estava com amnésia temporária. É o cúmulo! Que ousadia. Ainda, encontraram tempo para me gozar. É que o outro Leon, que acabara de passar por lá, era velho conhecido da casa. Eu, coitado de mim, não era.
Para resumir, o outro senhor Leon (o único xará de Brasília e poucos na Terra!), costumeiro hóspede da sauna do hotel lá estivera e, então, ao sair, entregaram-lhe meu cartão, por equivoco, pensando haver dado ao seu legítimo dono.
Pois bem, ele era o Leon Horowicz e eu o Leon Szklarowsky, nomes e sobrenomes semelhantes. Perguntei-lhe, ao encontrá-lo, se era parente de um amigo de São Paulo, de origem judia, ou do Horowicz, pianista dos Estados Unidos. Respondeu-me que não, mas sabia da sua origem, conquanto tivesse sido criado por uma família católica e, por isso mesmo, em sua homenagem, mantinha a religião em que fora criado. Coincidência tamanha jamais vira. Acho que só mesmo em Brasília ocorrem esses acontecimentos. E, penso, seu comportamento, com relação à família que o criara, era exemplar.
GOLDA: Vamos, agora, para outro departamento. Onde e quando nasceu?
LEON: Nasci, em São Paulo, na própria Capital, na Maternidade São Paulo, que ainda existe, na Rua Frei Caneca. Será que é este o nome da rua? Faz tanto tempo que temo haver esquecido!!!! Eta, cabecinha de vento!
Quase nasci no teatro. Meus pais eram apaixonados por espetáculos teatrais. Não perdiam uma sessão. E lá estavam eles assistindo a uma peça, quando dei os primeiros sinais de que também desejava assistir, com eles, ao número que parecia ser bom, porque não queriam sair até terminar. É o que meus pais me contaram. E lá vim eu para este mundo, às cinco horas do nono dia de outubro. O ano? Não importa o ano, porque estou proibido de declinar o ano.
Deles herdei o gosto pelo teatro. Da minha mãe, pela poesia e vontade de escrever. Fica só na vontade, é claro.
GOLDA: Como foi sua vida antes de vir para a nova Capital?
LEON: Como todo menino de classe média, estudei sempre. Morava, na época, na Vila Maria, reduto do famigerado Jânio Quadros. Depois, mudamo-nos para o Bairro do Belém. Fiz a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. As famosas Arcadas, do Largo de São Francisco.
Ah, que saudade do velho Largo de São Francisco, o Largo do Capim, onde está erguida a Primeira Academia de Direito, com suas arcadas e seu relógio, e seus estudantes alegres e faceiros. Lá fica a estátua do famoso Júlio Frank, que dizem ter sido judeu e maçon, fundador da Bucha. Todos pensavam que eu fazia parte da Bucha. Só eu não sabia.
Freqüentava a Biblioteca Municipal (eu era rato de biblioteca), na Praça Dom José Gaspar, onde conheci aqueles que, no futuro, fariam história no Brasil, como o Presidente Fernando Henrique, o Maurício Tragtenberg, o Paulinho de Azevedo Marques e tantos outros que depois se tornaram famosos ou nem tanto!
Naquela época, São Paulo, terra da garoa, do frio gostoso, que tomava conta dos bandeirantes, nas noites de inverno, era uma cidade quase pacata, nenhuma poluição, conquanto lá tinha seus problemas, próprios de toda cidade que começava a inchar de gente que vinha de toda parte: da Europa, da Ásia, da África, enfim dos rincões mais distantes e também de todo o Brasil.
Este Brasil imenso guarda, em suas entranhas, toda riqueza do mundo, mas paradoxalmente produz filhos miseráveis e famintos. Povoava-se de gente que fugira do inferno que nem Dante imaginara. Da fome que nenhum homem jamais experimentara. Dos campos de concentração que jamais alguém pensara pudesse existir. Era o castigo na Terra. As labaredas tomavam conta do planeta, queimando o ser humano como se fosse um monte de papel jogado fora. A maldade no seu mais elevado patamar.
Era gente que buscava um novo lar, uma nova vida, um pouquinho de paz, uma pitada de tolerância, um bocado de compreensão e, por que não, alguma solidariedade que lhe faltou no antigo berço. O Brasil era o lugar esplêndido que acolheu a todos, desde sempre. E São Paulo tinha tudo de que careciam os novos imigrantes ou migrantes. Descortinava-se a ilusão de um paraíso perdido, lá longe, que talvez pudesse recuperar no planalto paulista, onde as imensas fábricas sujavam as paredes e manchavam o céu com sua fumaça cinzenta e espessa, mas que se traduziam em mais empregos, vida mais confortável e melhor para os filhos, para a família, às vezes até partida, pela dor de uma guerra, da tragédia que despedaçou homens, mulheres e crianças, sem piedade, sem remorso, com muita dor.
Terminava a grande guerra que dizimou milhões de pessoas. O mundo ainda se ressentia dessa malvada empresa e parecia que o homem enfim poderia conceber uma Terra Prometida, sem guerras, sem violência, sem fome.
Pura ilusão. Nada do que o homem sonhou se realizou, naquela metade do Século XX. Nem neste limiar do novo milênio, ainda molestado por tanta belicosidade e incompreensão. Entretanto, dia virá que o homem ingressará na era espiritual das luzes, não importa quanto tempo leve.
GOLDA: Quais clubes, sociedades e entidades culturais ou literárias você freqüentava em São Paulo?
LEON: Em São Paulo, freqüentava o Macabi, a Hebraica, onde fui conselheiro, por vários anos. Fui também vice-presidente da Ezra, que depois deu origem à UNIBES, e, por isso mesmo, sou conselheiro vitalício. Dedicava-me de corpo e alma àquela meritória entidade. Era presidente o falecido e querido amigo Berezin.
Para variar, também freqüentava o Círculo Israelita, o Palácio Trocadero, bem ao lado do pomposo e centenário Teatro Municipal, no centro nobre. Por ali, situavam-se também o Mappin, a Light e o viaduto do chá, a separar o centro velho do centro novo, escoando para a então nobre Barão de Itapetininga, com a sua agradável Confeitaria Vienense e Livraria Brasiliense, do Caio Prado, desembocando na Avenida Ipiranga e na Praça da República. Quem não conhece esses redutos?
Quase fiz aliah, pelo Hashomer Hatzair, quando ainda era garoto. Faz um bocado de tempo!
GOLDA: Você, então, participou de movimentos chalutzianos, em São Paulo?
LEON: É, quando jovenzinho, estava no Hashomer Hatzair. Eu era apenas um garoto. Morava, no Belém, na zona leste, em frente ao cemitério da Quarta Parada. Que horror! Voltava do Bom Retiro, sempre após a meia noite. Não pense que vinha de carro ou de táxi. Era de bonde, mesmo. Ah, que saudades do bonde, do cobrador, do motorneiro, dos anúncios que se liam nos bondes. Lembra-se daquele anúncio do rum creosotado? Ou do biotônico Fontoura?
Quando descia do elétrico e ia para casa (antes, eu rezava um pouquinho, mas não adiantava nada) parecia-me ouvir vozes longínquas e cânticos; ouvia também o tocar de violino. Não sei se de Paganini. Que importa de quem era? A minha imaginação ficava a 1000 por hora.
Realmente, os sons e as vozes roucas pareciam vir do campo santo, nem sei se afinados ou não. Imaginava esqueletos saindo da tumba e dançando na rua, bem perto de mim. Descia correndo do bonde e chegava ofegante na porta de casa (havia a loja na frente e nos fundo ficava a casa, onde morava).
Tocava a campainha e meu pai ou minha pobre mãe abria-me a porta, para só então me sentir seguro, ao entrar em casa, sob a sombra protetora de meus pais.
GOLDA: Então, faz muito tempo, não é?
LEON: Psiu! Mais um pouco, você acaba sabendo minha idade. Estou proibido de decliná-la, já adverti antes. Bem, pelo seu beicinho, estou vendo que não posso recusar falar-lhe quando nasci.
Você já sabe que foi no nono dia do mês de outubro. Ano? Ah, sim, 1933. Gosto muito deste número. Dá sorte.
Pronto, você já descobriu meu segredo, que guardava a sete chaves, mas não repita para ninguém. Nem nos hotéis, escrevo na ficha de entrada o ano de nascimento, mesmo que briguem comigo, mas você venceu. Estou nu e desprotegido. Sinto-me um verdadeiro Adão desnudado, no Éden, ou uma artista fazendo strip tease, o que não é nada venturoso, para mim, pelo menos.
GOLDA: Enquanto em São Paulo, você freqüentava alguma sinagoga?
LEON: Sim e não. Quer dizer, meus pais freqüentavam a sinagoga do Brás e eu, por tabela, também o fazia.
Casei-me, porém, no vetusto Templo Beth El, na Rua Martiniano de Carvalho, na esquina da Rua Augusta. Era um colosso. Não havia tantas sinagogas, como atualmente. Hoje, cada qual tem uma para seu próprio gosto e padrão.
Não é como em Brasília, com certeza, onde mal há uma e olhe lá! Esqueci-me daquela da 205 Norte, por onde passo, com freqüência, ao subir para a ACIB.
Continuando, era um festão casar-se naquela sinagoga. Até o nome era pomposo. Não o conheciam por sinagoga, mas por Grande Templo, da mesma forma que o Groisse Shil , na velha Rua Newton Prado, no Bom Retiro. Impunha-se aquele por si próprio. Aliás, ainda se projeta como um verdadeiro templo, não permitindo que outras sinagogas, mais modernas e lindas, ofusquem-lhe o brilho. Ela está lá quase vazia, porém soberba.
Como me lembro daqueles momentos tão significativos para mim. Não foi o Rabino Sobel quem presidiu a cerimônia, porque ele mal estava nascendo. Ah, sim, foi o Munkatscheve rebe. Perdoe-me se o nome está incorreto. Era daqueles que usava o chapelão com grandes abas, que até me assustou, com suas expressões duras e solenes, com voz grave de um verdadeiro barítono.
Adoro assistir a casamentos judaicos e, na hora do mazeltov , quando o noivo quebra o copo, com o pé, sou tomado de verdadeiro êxtase. Também vibro, na hora da saudação com o vinho, isto é, do lechaim. São momentos inesquecíveis e comoventes.
GOLDA: Você participava de algum movimento juvenil em São Paulo?
LEON: Do Hashomer, já lhe falei. Quase fiz aliáh. Se me perguntar por que não o fiz, naqueles tempos heróicos da proclamação do Estado de Israel, quando todos estavam prontos para o patriótico gesto, respondo-lhe da forma que o fez meu personagem, HEBREUS , ao perguntar a Mariazinha, de minha história, à professora: “E os judeus queriam voltar (para Israel)?" Responde a professora: “Sim, Mariazinha. Muitos queriam voltar, por causa das humilhações e das perseguições que sofriam em certos países. E também da saudade. Vocês não sentem saudade quando estão fora de casa?” “Mas todos queriam voltar?” Pergunta a personagem. Responde a professora: “Não, Mariazinha, nem todos. Muitos, como aqui, no Brasil, estão integrados, isto é, sentem-se iguais...., porque já expliquei, o nosso País recebeu todos sem restrições. Não há diferença entre as pessoas....”
GOLDA: Qual o significado que você dá ao sionismo e às festas judaicas, enfim à aculturação, à existência de Israel e á possível convivência entre árabes e judeus?
LEON: Sou sionista, sem dúvida. Hertzl tinha razão quando sustentava que o único lar dos e para os judeus era a Palestina, hoje Israel. Alguns achavam que os judeus deveriam reconstruir seu lar em Uganda ou em outros lugares. Até a Argentina já foi pensada. E, por óbvias razões, não aceitaram, nem Hertzl admitia essa hipótese. A história mostrou quão certo estava o pai do sionismo.
Ninguém, salvo os radicais, põe em dúvida a existência do Estado hebreu. Não é segredo que o Egito e a Jordânia reconheceram Israel. Eu estive, no Egito, o povo é afável. Dia virá que o Oriente médio terá seu momento de paz, que é a única alternativa para a sobrevivência. É claro que eu reconheço as dificuldades atuais e o momento de insanidade que a humanidade vive. Não só em Israel, como em toda parte. Existem fundamentalistas loucos, em toda parte.
Relembro, porém, dois fatos que me enchem de otimismo, apesar dos conturbados momentos que aquela região vive:
“Em Israel e na Faixa de Gaza, ainda conturbados por uma paz que custa a vir, família de palestino, morto em acidente de trânsito, autoriza a doação de órgãos, por questões humanitárias, salvando a vida de quatro israelenses judeus. O doador é FARID BAWADI, muçulmano, de 35 anos, pai de quatro filhos. Este, porém, não é o único caso, pois, em maio deste ano, na cidade de Petach Tikva, em Israel, dois casais israelenses - judeu e muçulmano – também participaram de uma cirurgia de transplante duplo sem precedentes.
Joseph Zilag, judeu de Jerusalém, recebeu um rim de Yussuf Amach, palestino, de Jisser al Zarqa, sul da costa mediterrânea. E Vicki Zilag, judia, doou um rim a Soham Amach, palestina. Fontes médicas observaram que esta permuta foi necessária, porque havia incompatibilidade de tipos sanguíneos nos dois casais.
E Yussuf Amash, antes da cirurgia, declarou, em singelas e comoventes palavras: “ para mim, não há diferença entre judeus, árabes e cristãos. Todos somos iguais.”
GOLDA: E sobre a criação de um Estado palestino, qual a sua opinião?
LEON: Golda, sempre achei que os palestinos devem ter seu Estado independente, mas devem respeitar a independência do Estado de Israel, que é irreversível. É conditio sine qua nom. Conversei, há poucos dias, com um israelense que ocupa alto posto, afirmando-me que esta é a opinião de mais da metade dos israelenses.
Não há outra saída. A violência somente provocará mais violência. Despindo-se de qualquer preconceito, os homens devem aprender que é melhor estar à mesa de conversações antes da guerra e não depois dela, quando tudo estiver destruído e os homens mortos ou mutilados, com órfãos e viúvas de ambos os lados. A história demonstra a insensatez de tudo isto.
Não me esqueço de que os árabes não aceitaram a partilha proposta pela ONU e lançaram-se à guerra fratricida contra o recém restaurado Estado de Israel, com o desejo de liquidá-lo; alguns fundamentalistas ainda distilam esse desejo, misturado com o ódio mortal; entretanto, os tempos são outros e devemos olhar para o futuro, com muita esperança e fé e com a certeza de que os homens ainda voltarão à razão e dar-se-ão as mãos e repetirão aos brados SHALOM ou SALEM.
Os radicais e desastrados passam. E haverá sempre a esperança, a fé, a alegria de viver.
GOLDA: Você falou restaurado e não criado. Qual o significado que você dá ao vocábulo restaurar, não utilizando a expressão empregada por todos, isto é, criar?
LEON: É simples. Eu não admito que o povo judeu estivesse criando um Estado, porque, na verdade, ele restaurou o que já existiu. Havia o reino de Israel, Estado soberano.
Deixou de existir por um bom tempo, porque foram os judeus ou hebreus expulsos de sua pátria, contudo jamais deixaram de voltar-se para ela, nunca a olvidaram. E recitavam, sempre, nas festas, o versículo: “leshaná abá verushalaim”, ou seja, no ano que vem em Jerusalém. Esta mensagem é muito forte, tem um significado que não pode ser desprezado. Do contrário, Hertzl teria aceito a idéia de implantar um Estado para os judeus dispersos, em qualquer outro lugar, amputando, de vez, a idéia de Tzion.
GOLDA: Não será sonho, ilusão ou fantasia, utopia a paz pela criação de um Estado palestino?
LEON: Não importa que pareça delírio, porque se os homens não tiverem um sonho a realizar, uma esperança a cultivar, de que valerá a vida? Para que terá vindo habitar a estação Terra?
GOLDA: As festas judaicas têm algum significado para você?
LEON: Certamente, pois um povo sem história é um povo vazio. E quem não relembra os feitos de seu povo, não vive, não tem alma, não sente a vida, não vibra. E a história de nosso povo confunde-se com a história da humanidade. O que eu disse sobre a história, aplica-se também às festas religiosas. Nem é preciso ser religioso para concordar com esses pressupostos. Todos os momentos devem ser festejados, porque cada um deles tem significado próprio. Convivo também com cerimônias de outras religiões. Afinal, o mundo hoje difere muito dos tempos idos.
Acabo de voltar de uma cerimônia comemorativa da festa de Chanuca, com a presença de judeus e não judeus, e de uma prendada pianista que tocou as mais célebres e doces música alusivas a essa festa. Você percebe, então, o valor espiritual desses encontros? Se você me perguntar por que não judeus estiveram presentes, dir-lhe-ei que é deveras confortador, quando outras comunidades comemoram conosco uma das mais importantes datas do calendário hebreu, especialmente em se tratando da festa da libertação e das luzes.
Aliás, um dos convidados, não judeu, juiz do Tribunal Regional Federal, Professor Carlos Mathias, confessou que, conquanto tivesse outros compromissos importantes, nessa noite, não quis deixar de vir à Embaixada de Israel, para demonstrar sua solidariedade, neste momento de suma gravidade. Foi um gesto de muita dignidade, grandeza e mentchkait . Só um verdadeiro amigo é capaz disso.
GOLDA: E seus filhos e netos seguem a tradição judaica? A que se dedicam e qual a idade deles? Já constituíram família?
LEON: São muitas as indagações. Como você já sabe, tenho três filhos, duas moças e um rapaz.
Nasceram em São Paulão: o rapaz, em 13 de outubro de 1961, a menina do meio, em 5 de janeiro de 1963, e a caçula, em 3 de outubro de 1964. Vieram pequenos para cá. Cresceram, estudaram e trabalham em Brasília. Elas são funcionárias públicas federais. A mais nova é casada, com um rapaz não judeu e já me presenteou dois lindos netos. Um casal. O primeiro, um homenzinho. Eu diria que é bem parecido com o avô materno. Não é corujice. É simplesmente maravilhoso, está sempre sorridente. Não sei como, mas, mesmo chorando, sorri. Não é uma gracinha? A menina, recém nascida, parece-se com todo mundo, como sói acontecer com os bebês.
O meu primogênito, o Simão, que já beira os quarenta anos, quase a idade de Brasília, é advogado e exerce a função de conciliador, que se assemelha a de juiz.
Eles, minha cara amiga, seguem, na verdade, o caminho próprio, você bem sabe. Os pais, hoje em dia, têm pouca ou nenhuma ascendência e as tradições vão-se esvaindo, ficando para a história, restando um tênue véu. Não obstante, eles estão presentes em todas as festividades judaicas, na medida do possível. Estão imbuídos do judaísmo, que direta ou indiretamente lhes transmito.
O meu pequeno príncipe, filho da minha caçula, Vera, vai completar um ano, no segundo dia do mês de janeiro do ano próximo. Não obstante, como lhe disse, ele já promete!
Os judeus, em toda a parte, estão bem enraizados e integrados na sociedade em que vivem, graças à liberdade de que gozam.
Aqui em Brasília, não poderia ser diferente. A língua que falamos, com certeza, é a portuguesa. E a comida é internacional, mas a judaica, esta, somente nas festas, em São Paulo, onde, para os meus cunhados, Dom Marcos e Dona Rebeca Karniol, somos convidados especiais. A comida, sem dúvida, é inesquecível. O sabor permanece intocável o ano todo, até o novo seider de Pessach ou do ano novo (Rosh Hashaná), rezando, sempre, para que o tempo passe depressa, para, então, saborear novamente aqueles pratos e quitutes gostosos e aconchegantes.
GOLDA: Então, você não comemora as grandes festas em Brasília?
LEON: Realmente, não. Lamento, por não poder fazê-lo, na ACIB, com todos os correligionários. Todos os anos, vou, para São Paulo, celebrar em companhia dos irmãos da Regina, sob o comando de seu irmão mais velho, Dom Marcos. É uma tradição que vem desde quando seus pais estavam vivos e ainda continua. Espero repeti-lo, por muitos e muitos anos, se o Altíssimo permitir e certamente o fará.
GOLDA: Você, particularmente, ou sua família, tem sofrido discriminação, no seu trabalho, nas escolas, nos ambientes que freqüenta?
LEON: Eu, francamente, não. Costumo dizer que a síndrome do racismo é mais nefasta que o próprio racismo. Minha família, de modo geral, também não. Tenho escrito um trabalho sobre o racismo no Brasil, onde eu abordo esse tema, desde a Colônia até os dias atuais e, no meu entender, a questão é mais social, econômica e de educação.
O homem deve pensar, pode divergir, mas antes de tudo deve ser tolerante. Das idéias, nem sempre convergentes, brota a imensa variedade de pensamentos que norteiam a humanidade e lhe abrem o caminho da verdade.
GOLDA: O que você quer dizer de modo geral? Que há nas entrelinhas? Há algo que eu não possa saber? Vamos diga.
LEON: É simples, de uma precisão matemática. Sabemos que nem todos gostam de negros. Há os que não gostam de japoneses. Outros detestam os judeus. Ah, se todos gostassem de todos, que bom seria! Vale dizer, alguns não gostam de judeus, porque receberam a educação neste sentido. Outros por ignorarem a história dos judeus, seu valor, sua humanidade. Os não judeus e, mesmo os judeus, que leram o meu livro, Hebreus, disseram que, de forma didática, aprenderam muito sobre esse povo, que, sinceramente, ignoravam. Concluo que o ódio que alguns devotam aos judeus deve-se à pura ignorância. É preciso, a todo custo, mostrar a todos o que somos. Encontrei tanta gente na Embaixada, que me disseram ali estar, por amizade e solidariedade.
Isto é prova cabal de que muito temos a divulgar, sobre os judeus, especialmente para as crianças.
GOLDA: E sua esposa? Pode contar alguma coisa sobre ela?
LEON: Sobre a Regina? Bem, é claro, só podia ser a Regina. O que você quer saber sobre ela? Se é judia, religiosa, culta, seu pedigree, enfim suas origens?
Você não vai acreditar, mas também foi amor à primeira vista. Sabe quando a conheci?
Foi, exatamente, no dia em que a França comemora a queda da Bastilha, isto é, no 14 de julho, bem na entrada da Faculdade onde estudava e estava prestes a colar grau, o que ocorreu, em 10 de outubro dos idos de 1959. Por coincidência, um dia antes eu comemorara minha 26ª primavera. Primavera, mesmo.Você também quer saber por que a colação se deu antes do fim ano?
É que minha turma estava homenageando o autor do primoroso Código Civil e que só agora está sendo substituído pelo novo Código. O autor? Clóvis Beviláqua. E, neste dia, seu coração, com certeza, também caiu, por mim, porque estamos bem juntinhos, até agora.
Isto até me rendeu o primeiro lugar, num concurso literário, com as crônicas “14 de julho” e “Minha querida Regina”. Para você ter uma idéia, são quase quarenta e dois anos de união feliz. A celebração do casamento quando ocorreu? Foi exatamente no dia 21 de fevereiro de 1960, antes da inauguração da cidade que nos ia acolher para sempre.
Falando na Faculdade, quero destacar meus colegas de turma: o Luiz Carlos Betiol, pioneiro de primeiro costado, casado com a artista de todos conhecida em Brasília, a Beti, e o Ministro Rubens Ricupero, que, como você sabe, passou aqui uma boa temporada.
GOLDA: Quero saber é sobre a Regina, sua idade, seus gostos e sua família, e não sobre você ou seus amigos, embora famosos e diletos.
LEON: Não seja indiscreta, menina! Também estou proibido de declinar o ano em que nasceu, pois senão estou lascado.
Contudo, como você insiste, acho que vou dar-lhe a colher de chá. Aliás, ela, ao contrário de mim, não se importa com esse detalhe. Então, vamos lá: 17 de novembro de 1937.
Cuide-se pelo que vou dizer agora. Ela comemora seu aniversário duas vezes por ano. Não é sensacional? Ela nasceu em 17 de setembro, mas só foi registrada dois meses depois. Sabe como era naquele tempo. E a confusão continuou pelos tempos afora, eis que ela apaga as velinhas e ganha presentes de aniversário nessas duas datas. Assim, vale a pena, não acha? É muita mordomia! Ela merece, sem dúvida.
A Regina quase seria farmacêutica. Nasceu em Curitiba, no Paraná, a encantadora cidade dos pinheiros. Lá estudou até o momento que seus pais se mudaram para São Paulo, porque achavam que aqui seria mais fácil as filhas se casarem com pessoas de bem. É, minha cara amiga, como já lhe anotei, os pais tinham muito zelo por suas meninas. Afinal, três eram suas filhas e três os cavalheiros. E, se você quiser mais detalhes sobre os costumes judaicos, basta rever A FIDLER ON THE ROOF. É o retrato tragicômico da vida judaica, no decorrer dos séculos, no galut.
E seus pais, pessoas maravilhosas, ao chegarem ao Brasil, também da velha Polônia (não sei quando), instalaram-se, de imediato, na terra dos pinhos. Como eu gostaria de falar deles, de suas lutas, vitórias e realizações, contudo, isso deixarei para um de seus filhos fazê-lo e, com certeza, terão muito que narrar. Só vendo as histórias que meu velho e pranteado sogro contava, até pouco antes de morrer, aos noventa e três anos, bem vividos.
Voltando à história da Regina, fez ela, então, o vestibular para a Faculdade de Farmácia e Odontologia, no velho e histórico edifício que se situava na Rua Três Rios, no Bom Retiro, onde moravam seus pais. Como você vê, tudo era próximo. Só que não durou muito essa alegria. Ela desistiu da Faculdade, nos primeiros meses. Não tolerava sangue. Foi muito autêntica e tinha personalidade. Após passar por um duríssimo vestibular, achou que não fazia seu gênero e puft!
Que esnobação, não acha?
Só anos depois retomou os estudos, quando, já casada e mãe de três prendados filhotes, fez a Faculdade de Direito, em São José dos Campos, a uma hora e meia de São Paulo. Não a influenciei. Fê-lo, por livre e espontânea vontade.
Terminou o curso em 1974, com pompa e tudo. Também pudera, eu passei quatro anos, pajeando meus três pimpolhos, já que ela era caxias e não perdia uma aula sequer. Saía às seis da tarde e voltava à meia noite, correndo todo o perigo que a Via Dutra apresentava, já naqueles tempos.
Formou-se na arte e ciência do Direito e, com isto, ganhei uma notável incentivadora de minha profissão e atividades jurídicas. Portanto, tudo foi lucro, sem perdas nem prejuízo. Valeu.
GOLDA: Quais foram suas principais realizações aqui?
LEON: Bem, eu posso dizer que efetivamente me realizei em Brasília. Soube aproveitar as oportunidades que apareceram. Trabalhei com o Dorneles, com o Cid Heráclito de Queiroz, procuradores-gerais, e com os Ministros da Fazenda Simonsen, Delfim Neto, Galvêas, entre outros. Ia-me esquecendo do Funaro.
Quem me nomeou coordenador da dívida ativa da União (cargo máximo na Procuradoria, depois do Procurador-Geral) foi o Presidente Geisel. Ainda tenho o documento assinado por ele. Acho que posso considerá-la uma relíquia.
Criei a Coordenadoria da Dívida Ativa que não existia. Esta coordenava a cobrança da dívida ativa da União, de todo o País. Passei por todos os setores da Procuradoria da Fazenda Nacional. Fiz de tudo, na área jurídica.
Nunca gostei de fazer política. Portanto, não me pergunte por que não me candidatei a cargo eletivo.
Desde 1992, estou aposentado, mas jamais deixei de trabalhar, talvez mais do que antes.
GOLDA: Quer dizer que antes você não trabalhava?
LEON: Ora, dona Golda, não foi isto que eu quis dizer. Apenas que, agora, multipliquei, por dez, minhas atividades. Ao invés de parar, vestir o pijama, resolvi prosseguir nesta jornada deliciosa, que é a vida, apesar de todos os percalços que ela nos apronta.
Sua pergunta faz-me lembrar a indagação que, há pouco, fez-me um vizinho aposentado: “ Leon, o que você faz para matar o tempo, que nunca passa”? Respondi-lhe, à queima roupa, “dê-me um pouquinho do seu tempo, porque a mim me faz falta!”
GOLDA: Aproveitando sua expressão apronta, que adorei demais, quais coisas mais você aprontou aqui?
LEON: Sempre me gozando e tirando as pontinhas! Mas, como lhe disse, pude realizar algumas coisinhas. Nunca, porém, quis ser juiz ou promotor, pois sempre me agradou a luta do advogado e a liberdade que a profissão proporciona, sem falar da grata atividade de professor, pelo que ela representa. Não obstante, depois de toda a carreira feita, resolvi aceitar a função de juiz de paz e juiz arbitral, pela American Association Arbitration, de Nova York, e pela Câmara de Arbitragem do Distrito Federal. E estou gostando demais dessas atividades.
No serviço público, tive a oportunidade de funcionar como relator e secretário da Comissão que elaborou o projeto de lei que se transformou na lei que disciplina a cobrança da dívida ativa (tributos, impostos, não pagos no vencimento), em vigor até hoje, sem qualquer arranhão, que me rendeu o livro Execução Fiscal, bem como das comissões que elaborou o projeto de concordata e falência, em trâmite no Congresso Nacional. Sou autor de um estudo, sobre a penhora administrativa, que o Senador Lúcio Alcântara transformou em projeto de lei e está tramitando no Senado Federal.
Viajei muito. Estive, em Israel, cinco vezes. Escrevi um pouco. Publiquei livros de direito, que estão esgotados. Muitos artigos, crônicas e poesias, premiados em coletâneas. E, para não morrer, continuo escrevendo.
Bem ou mal, faço-o, para despistar o tempo. Acabo de receber a coleção de livros de uma editora de São Paulo, contendo duas crônicas, que escrevi, em homenagem ao meu grande amor, que é a minha Regina, e que me proporcionaram o primeiro lugar, num concurso literário.
Recebi do Governo do Distrito Federal a medalha Alvorada e a Câmara Distrital votou favoravelmente à concessão do título de cidadão honorário de Brasília. Falta apenas marcar data para recebê-lo. Estou esperando, com paciência de Jó!
Recebi o título de doutor honoris causa, pela Faculdade Tupinambá, de São Paulo. Muitos outros títulos e comendas também recebi, aqui e na minha terrinha.
Fiz os cursos de mestrado, especialização e pós-graduação, lato sensu, todos na minha área.
Talvez, por morar aqui, tive muita sorte nos meus afazeres e recebo convites daqui e do Brasil todo e do exterior, para proferir palestras. Felizmente, não paro um segundo (non stop), o que, com certeza, engana a dona morte. Que mais posso desejar?
GOLDA: Nossa, menino, que humor negro, mas prossiga.
LEON: Neste exato momento, trabalho na Editora Jurídica Consulex, onde exerço o cargo de editor e diretor de redação, além do cargo de consultor jurídico e de vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex.
Durante o dia, sou o homem do Direito, com terno e gravata. À noite, transformo-me no homem da literatura e das artes, tantos são os eventos de que participo. Não tenho folga, graças ao Grande Arquiteto do Universo. Aos sábados, domingos e feriados, dedico-me à leitura e aos escritos. Também às viagens, é claro, porque ninguém é de ferro.
Vida dupla ou múltipla, no bom sentido, bem entendido. Não me interprete mal, pois tenho medo do seu olhar aguçado e penetrante. Parecem olhos de lince.
GOLDA: E sua família adaptou-se bem nesse mundo que era considerado inóspito e todos fugiam ou se recusavam a vir, deixando, para trás, suas montanhas e seus mares ou seu sertão?
LEON: A cidade já não era inóspita. Podia-se viver bem aqui. Quando cheguei, isto já era uma cidade de verdade. Com apenas quinze anos, foi capaz de tamanha proeza. Imagine, daqui a meio século ou a um século.
Minha família, a princípio, estranhou. Quase chiou. Hoje, nenhum deles quer sair daqui. Nem por decreto. Adoram a cidade, o verde, o céu azul, o horizonte, substitutivos do mar que não temos. Ah, mas JK deu-nos o lago, agora poluído, mas que fazer? É verdade que a cidade está ficando grande demais, crescendo muito, fazendo inveja a outras capitais com seus problemas. Está irreconhecível, com seus prédios modernos e estilho moldado na própria imensidão, especialmente, no setor comercial e hoteleiro norte. Contudo, ainda continua jovem e acolhedora.
Quer saber o que mais me agrada olhar? Todos os dias, passo pela ponte, que dá para o Gilberto Salomão, e jamais me canso de fitar o horizonte e o lago e, ao longe, as lindas casas, verdadeiras jóias arquitetônicas, que se desenham, como pequenas moradas de bonecas. Não sei porque, fazem-me lembrar as ilhas gregas, que despontam ao longo do mar Egeu. À noite, então, a vista de quem vem do lago para o Plano Piloto ou diria, de maneira, mais didática, para a cidade, é simplesmente, maravilhosa, para ninguém, botar defeito. Romântica e abafadora.
Adoro também ouvir os pássaros e as cigarras que cantam, o tempo todo, ao lado da janela do meu gabinete, onde passo a maior parte do tempo, escrevendo, lendo, descansando ou apreciando as árvores e as flores que rodeiam meu apartamento. Faz inveja, sim senhora, aos campos e aos mares de outras plagas.
GOLDA: O que você sente como judeu?
LEON: Você fez uma boa pergunta, porque ser judeu é em grande parte um sentimento, uma comunhão com as raízes, indestrutíveis e milenares, intimamente ligado à espiritualidade de nosso povo, que nos acompanha para sempre. Não é preciso ser religioso para ser judeu. Mas não esqueça que todos os seres humanos são irmãos, filhos do mesmo pai e mãe, entrelaçados entre si.
Sintetizo tudo da seguinte forma: com o estudo das diversas tradições religiosas, fácil é concluir-se que a essência das coisas é a mesma em todas as religiões e consciências, não importa o tempo, nem o espaço, variando apenas a forma e os caminhos do percurso, convolando o pensamento de que Deus é um e um só é o homem ou a pluralidade na unidade – essa Energia infinita e desconhecida, mas presente em tudo.
Este pensamento foi, para minha alegria e felicidade, transcrito pelo jusfilósofo baiano, Sérgio Nogueira Reis, em seu livro Justiça Divina X Justiça dos Homens.
GOLDA: Você considera-se judeu brasileiro ou brasileiro judeu?
LEON: Minha cara amiga, acho isso um mero jogo de palavras, um verdadeiro sofisma.
E já lhe respondi, como é sentir-se judeu. As duas indagações estão irremediavelmente acorrentadas.
Da mesma forma que o personagem não judeu do meu livro Hebreus perguntou à professora por que o Daniel (personagem de origem judia) não morava em Israel, porque é lá sua pátria, a resposta imediata foi de que ele era judeu, por sua origem, tradições, religião etc., mas brasileiro, por haver nascido aqui e sentir-se (é muito importante a expressão sentir) integrado, nesta terra, onde vive e vivem seus pais e parentes. É brasileiro por todos os títulos. Não há contradição nessa duplicidade.
Este é meu pensamento, também. Sem tirar nem por uma vírgula. Endosso de olhos fechados
Sou brasileiro nato. Amo minha terra, estou feliz por viver aqui. Meus amigos, o povo, a natureza quente, bela e alegre, mesmo que chova, faça frio ou muito calor, constituem meu mundo encantado.
Saiba, porém, que, como os católicos apostólicos romanos estão direcionados para Roma, os muçulmanos para Meca, o meu olhar, o meu pensamento e minha alma estão também voltados para Jerusalém e Israel. É a comunhão do espírito à origem e às tradições.
Não é preciso muito. Ao ler ou ouvir as velhas histórias do povo judeu, os relatos do humor judaico, as peripécias e o sofrimento por que passaram, sinto um frio na espinha. Quer dizer que não separo as coisas. Estas são indissolúveis.
GOLDA: Pode-se falar em vida judaica, nesta Capital?
LEON: A pergunta merece ser aplaudida por sua pertinência.
Brasília, você sabe muito bem, porque está aqui desde o começo, era uma cidade rotativa. Ninguém fixava raízes. Quem para cá vinha, cumpria seu tempo e voltava para as origens. Não foi diferente com os judeus. Já hoje não é a mesma coisa. A maioria fixa raízes. E os judeus, também. Tornam-se permanentes. A vida judaica aqui, você conhece o fenômeno melhor que eu, não existe. Somente, nas grandes festas, reúnem-se os judeus, na sinagoga, que fica na ACIB. Parece um bunker, mas é o que temos e não sinto vergonha pelo que eles nos legaram.
Às sextas feiras, alguns gatos pingados se lembram de ir à sinagoga, para o shabat. Não sei por que! É lamentável, pois é o momento em que todos poderiam confraternizar-se, independentemente de sua maior ou menor religiosidade.
Aí, eu presto minha homenagem aos judeus pioneiros que construíram a atual sede. Com muito suor e sangue e vontade indômita. Muito esforço. É preciso resgatar a história dos judeus que aqui estiveram, desde o começo, quando isto era pura terra vermelha e muito pó, bastante pó. Faz-me lembrar da cidade de Palmas, de hoje.
Quem conta a história brasiliense, com muito amor, é o historiador Adirson de Vasconcelos. Não havia calçadas. O barro era o alimento de todos, no dia a dia da construção.
Há muito que contar sobre essa época histórica, em que os judeus também deram seu quinhão e deixaram sua contribuição valiosa. É preciso resgatar sua história, para os pósteros. Está aí um grande trabalho para o Arquivo e para o Museu da Pessoa.
Acabo de ler, no livro sensacional desse autor, Os pioneiros da construção, edição de 1992, em dois volumes, o nome de Benjamim Goldemberg, que tive a honra de conhecer, como um dos famosos pioneiros e que também, gravou sua presença como Grão Mestre da Maçonaria – Grande Oriente.
GOLDA: Você encontrou nessa obra outros judeus que participaram desde o início da construção de Brasília?
LEON: Com certeza. Desta forma, fez-se justiça a esses homens e mulheres, que, como os demais pioneiros, têm um lugar na história.
Entre eles, citem-se Samuel Urys Rawet (um dos mais competentes calculistas que trabalhou com Niemayer, na construção de Brasília. É considerado um dos mais destacados escritores, conquanto agora esteja sendo resgatado do esquecimento. Morreu abandonado e solitário, em Sobradinho. Dizem que, em certa época, teria abjurado o judaísmo.), Sarita e Simeon Fischer e Sophia Wainer, nossa querida jornalista, em plena atividade. Encontro-a sempre nos mais diversos eventos.
GOLDA: O historiador Adirson descreveu todos os judeus participantes da epopéia de Brasília?
LEON: Eu acho que, apesar da cultura e do esforço do autor e do muito que está fazendo para a história, alguns nomes mais ainda deverão compor o painel.
GOLDA: Conte-me alto que o tenha impressionado, por algum motivo especial.
LEON: Recordo-me que, quando lecionava numa das Faculdades de Brasília, a UPIS, há quase vinte anos, fui convidado, para coordenar a palestra de um embaixador, para os estudantes. Não sabia de onde era. Qual não foi minha surpresa, ao deparar com o Embaixador de Israel, que falaria sobre os judeus e a vida judaica. Fiquei estupefato com o interesse demonstrado pelos rapazes e pelas moças, que não se furtaram de o crivar de perguntas, demonstrando vivo interesse pelo judaísmo e por Israel. Eram pessoas simples, residentes nas cidades satélites, cansadas depois de um árduo dia de trabalho, entretanto dispostas a ouvir e debater, e muito!
Num outro momento, um dos embaixadores de Israel, Sarfati, convidou a comunidade judaica e o público em geral, para um sarau, no Instituto Hispânico, dedicado à música sefaradita. Foi uma noite de muita alegria e riqueza cultural, presentes apenas alguns judeus (literalmente, pouquíssimos. Podia-se contar nos dedos) e muitos não judeus que simplesmente se deliciaram com o inesperado.
Em outro momento, o povo de Brasília respondeu ao chamado da ACIB, ao assistir a um espetáculo de dança e canto, de pujança e beleza inigualáveis, mostrando a arte de Israel e dos israelenses. Não faltaram outros, raros, mas da melhor qualidade. É pena que se não presenteie Brasília com um maior número de tais sessões e que poucos são os da comunidade que vão.
GOLDA: Você costuma ir a recepções de embaixadas?
LEON: Sim. Recebo muitos convites das Embaixadas, como por exemplo, da Polônia, Bulgária, Portugal, Romênia, Argentina e de Israel, sem dúvida. Quase viajei para a Romênia, como convidado, juntamente, com vários escritores e com o editor português, Vitor Alegria, que se orgulha de sua ascendência judia, sentindo o judaísmo no coração. Só não fui, porque tinha um compromisso para dar palestra em Portugal, que, afinal, não se realizou, por motivo de força maior. Resultado: Acabei perdendo as duas viagens. Chato, não? Ou melhor, é muito azar.
GOLDA: E quanto á comunidade em si? Poderia você citar algo mais, também, marcante?
LEON: Sim. Há tantos acontecimentos importantes que nem se sei se serei capaz de me lembrar de todos e há fatos que somente os pioneiros poderão fazê-lo. E muito bem. E deverão fazê-lo.
O que vou citar agora não é nada festivo, mas é significativo, para o judaísmo. Trata-se do cemitério comunal. É obra de todos. Não apenas de um. Registrei aquele momento numa crônica que escrevi, quando da sua inauguração.
Peço licença para citá-la, como contribuição para o Arquivo, visto tratar-se de um fato histórico digno de lembrança:
“Brasília inaugura o cemitério comunal israelita - 9 IYAR 5756.
Finalmente, Brasília tem um cemitério judaico, como já o têm os muçulmanos e os pioneiros, com áreas demarcadas, no Campo Santo, em consonância com as diretrizes constitucionais e a liberdade religiosa, fundamento maior do estado de direito e democrático.
Este fato histórico é a concretização do ideário dos primeiros judeus de Brasília, sonho, enfim, realizado, mercê do esforço de abnegados correligionários, em resguardar as tradições judaicas e os princípios que regem suas vidas, há milhares de anos, e que resultou, na consecução dessa mitzvá.
O ato de consagração foi simples, como singelos devem ser todos os atos grandiosos e nobres. Nenhum discurso. Nenhuma palavra desnecessária. Nada de supérfluo. Nada de formalismo. Nenhuma tristeza. O cemitério ou o lugar santo não é o fim, senão o início de uma jornada superior, para o encontro com o Altíssimo.
Nenhum herói, porque o momento é de profunda meditação e significativa oração.
E a eternidade do homem, na Terra, traduz-se pelo que ele faz, marcando sua passagem, de forma indelével e notável, quando se trata de seres humanos predestinados aos grandes feitos.
A natureza é sábia. Dotou o homem da capacidade incomensurável de superar as situações infinitamente adversas. Os Livros Sagrados provam-no, com exemplos que superam as expectativas.
Eis aí o grande mistério, que o homem é incapaz de desvendar. Por que estamos aqui? O que fazemos? Com certeza, o homem tem uma missão a cumprir. Nada existe por acaso. Do contrário, nada teria sentido. Negar alguma coisa é admitir sua existência, porque absurdo é negar o nada.
E a grande mitzvá se fez!”.
GOLDA: Você tem vida judaica em Brasília?
LEON: Posso-lhe afirmar, que, dentro do possível, sim. Participo da direção da ACIB – ASSOCIAÇÃO CULTURAL ISRAELITA DE BRASÍLIA e da B’nai B’rith, recém fundada, como vice-presidente de ambas as entidades.
Diga-se que é difícil manter a vida judaica aqui. Por duas vezes, tentou-se fundar a B’nai B’rith - entidade defensora dos direitos humanos. Desta vez, penso que há de decolar, porque muitos já vêm demonstrando interesse, pela novel entidade de direitos humanos, que prima pela luta contra o racismo, a injustiça e o anti-semitismo, onde quer que ocorram.
Esta última foi fundada, em 16 de outubro deste ano, quando aqui estiveram o Presidente mundial e do Brasil, da B’nai B’rith, Doutor Heideman e a Professora Edda Bergman, juntamente com outros irmãos. Elegeram-se então para presidente Isaac Corcias e Samuel Goldner para secretário. Felippe Unguerewicz é o tesoureiro indicado. Eu, como lhe disse, sou o vice-presidente.
GOLDA: O rabino que aqui permaneceu por longos 14 anos deixou-o impressionado. Pode contar alguma coisa a respeito?
LEON: Sim, Simonowicz foi o rabino que mais tempo permaneceu em Brasília. A princípio, encontrou forte resistência, por ser do Beit Chabad, mas, com sua perspicácia e jogo de cintura, conseguiu, senão agradar a todos, pelo menos, impor respeito por sua postura, bastante democrática. Permito-me aditar parte de uma crônica, que escrevi a seu respeito e retrata bem sua pessoa e permanência, por tanto tempo:
“...Assisti, com muito prazer, no último shabat, aos ofícios religiosos, e, realmente, aprendi muitíssimo com você. Chamo-o de você, afetivamente, com todo o respeito, porque me acostumei a admirá-lo, em virtude de sua bondade, elevados conhecimentos, extrema simplicidade, humildade, simpatia, persistência e, obviamente, um singular carisma, numa terra inóspita e, até figurativamente, um verdadeiro deserto, onde reina grande rotatividade das pessoas que para cá vêm, conquanto, atualmente, o homem, em Brasília, felizmente, começa a fincar raízes. Afinal, mudei-me para cá, para permanecer apenas um ou dois anos e, no entanto, resido, nesta Capital, faz 21 anos! E já a amo, como se minha cidade natal fosse, como se vivesse eternamente nela. Entretanto, meu caríssimo Rabino, também me chame de você! É a única norma que exijo seja, fielmente, cumprida. No mais, o comando é seu.
Você, não obstante, trabalha, com obstinação, e está conseguindo um milagre, até há pouco impensável: reunir pessoas, as mais diversas, e fazê-las presentes, em todos os eventos, procurando-as sempre, para troca de idéias, e, mais que tudo, saborear lições de elevada sabedoria, com citações e ensinamentos talmúdicos e do piedoso e sábio “Rebe”, temperados com parábolas e adaptações ao mundo concreto com todos os problemas e dificuldades que assolam o homem moderno, que não sabe usufruir as benesses do progresso e das conquistas científicas, porque lhe falta aprimorar o espírito e elevar - se!
E, você, efetivamente, transmite essa aliança notável entre o mundo real e o Altíssimo! Permita-me transcrever, em prosa, um poema que escrevi, há muito, muito tempo, e que traduz meus pensamentos, os quais coincidem com os seus e com a Thorá, o que me deixa muito feliz, e, notadamente, com sua luta pertinaz e, sem dúvida, vitoriosa, em Brasília, onde jamais um rabino permaneceu, por tanto tempo!...”.
Ele não deixava por menos, tinha sempre uma história, daquelas deliciosas de ouvir, uma parachá, uma palavra amiga e, por que não, a lembrança do velho rebe. Dava gosto assistir às suas preleções. E, ainda, continua, porque, para as festas religiosas e para alguns shabats, ele sempre está presente, como um soldado no quartel, juntamente com sua prendada e esforçada Rachel, que, enquanto esteve aqui, não mediu esforços para educar as crianças, no judaísmo, ensinando-lhes também hebraico.
Transferiu-se, para o Rio de Janeiro, por causa dos filhos menores, em idade escolar, e que necessitavam freqüentar a escola judaica.
GOLDA: Qual sua opinião sobre os casamentos mistos?
LEON: Minha cara Golda, respondo-lhe como o personagem principal da inesquecível história O violinista no telhado o fez: “Golde, dos siz a naier velt.... Zei lieb zich... Dos is altz…” .
Os judeus respondem uma pergunta com outra indagação. Eu prefiro fazê-lo, com outra história.
O escritor reconhecera, já no final do século XIX, que o mundo não era mais o mesmo. Você, bem sabe, esse cenário remonta ao fim do século XIX. Imagine, agora.
Vale dizer, na nossa juventude o casamento misto conduzia a família ao caos, transformava-se num inferno. Deus nos livre quando isto ocorria. Era o fim do mundo. Holile. As famílias partiam-se. O filho ou a filha era renegada. Hoje, nada disso acontece. Casa-se e pronto. Que os noivos tenham uma vida pura, longa e feliz. Que Deus os abençoe. É inevitável. Não há como fugir. Não há uma família que não tenha ganho de presente um casamento misto. Eu sou a favor. Cada qual escolhe o seu caminho. Não há como interferir na vida dos filhos. É o que lhe posso dizer, em breves palavras.
Isso é assunto para uma tese. Nem todos concordam com isso, mas a realidade é essa e com esses fatos é que devemos trabalhar.
Os pais de ambos os nubentes encaram, hoje, com a maior tranqüilidade. Nem todos, é claro. Não ocorria, antes, efetivamente. É a vida. Afinal, todos somos irmãos. Está escrito, também, nos Salmos de David. Como exemplo, cito um que me vem à tona:
Ele ama a retidão e a justiça; a Terra está cheia de benignidade do Eterno... O Eterno olha lá do céu, vê todos os filhos dos homens. Lá do lugar da Sua habitação, dirige Seu olhar para todos os habitantes da Terra. É Ele quem forma o coração de todos eles, quem considera todas as suas obras” (Salmo 33)

GOLDA: Ainda aproveitando este momento, a Segunda Grande Guerra, o holocausto, o Estado Novo, fatos da década de 40, o governo de Dutra, o final da guerra e da ditadura no Brasil e, mais recentemente, os governos militares e Hertzog deixaram marcas em você? Como você encara esses fatos?
LEON: Você agora me está obrigando a um teste de esforço, tal qual o cardiologista realiza, para saber se agüento ou não até o fim.
Ola lá! Meu coração é forte. Já testei muitas vezes. É um coração de ferro ou, se quiser, de ouro 24 quilates. É muita pretensão, não? Mas, agüento, sim, esta maratona adorável, com suas indagações, cada vez mais quentes e inteligentes.
Como nada me amedronta, tenho certeza de vencer esta brava corrida, pois viver é lutar, lutar e viver.
À época do Estado Novo – 1937/1945, eu era criancinha. Tinha quatro anos, no início da sua instauração. Quando foi derrubado, tinha quase 13 anos e preparava-me para o barmitzvá , realizado no shil do Brás. Portanto, não participava nem tinha noção de nada, diversamente dos tempos atuais, em que a criança já nasce sabendo das coisas! E até de computador.
Contudo, como é depoimento de vida, não creio que valeria falar sobre aquela fase, tendo por base a história.
Da guerra de 39-45, só me lembro do racionamento da comida, do açúcar, do trigo, dos alimentos em geral, das filas que mamãe enfrentava para comprar pão e açúcar, da escuridão em que ficávamos, à noite, para não chamar a atenção de possíveis inimigos, que poderiam atacar indiscriminadamente. Dormia, com medo, muito medo, embalado pelas canções judias, cantadas por minha mãe.
Recordo-me das conversas de papai, com seus amigos, e dos comentários, ouvindo o rádio ligado nas estações do exterior que mal pegavam.
De repente, o Repórter Esso, se não me engano, anunciava, em edição extraordinária e lúgubre, o bombardeio de tal ou qual cidade. Mortes e mais mortes. Destruição. Fugas, quando e se fosse possível. Nada disso é novidade. A este filme estamos assistindo, neste momento, no Afeganistão, no Oriente Médio, na Índia, no Paquistão. O pagamento sempre sobra para o pobre e sofrido povo.
Só falavam nos combates que se travavam, na Europa, onde os parentes de meus pais estavam.
Lembro-me também dos carros corcundas.
GOLDA: Corcundas? O que é isto? Nada tem a ver com o corcunda de Notre Dame, não é?
LEON: Nada disto. Os poucos automóveis, que circulavam, utilizavam o gasogênio, como combustível e levavam na traseira os tanques, onde se queimava o carvão como combustível. Como vê, eu não era tão alienado, assim. Recorda-se desses tempos duros? Que nada, você é muito jovem, portanto, não viveu aquela época trágica.
Do holocausto nunca ouvira falar. Aliás, poucos sabiam da existência dos campos de extermínio na Europa ou faziam de conta que não sabiam. Os guetos eram também desconhecidos, pelo menos para mim. Só, muito depois, nas reuniões do Hashomer Hatzair, fiquei conhecendo os mais arrojados defensores do gueto.
Da guerra, também me recordo, apenas, do hino do expedicionário. Cantávamos na escola. Começava assim: “Não permita Deus que eu morra...”
Você se lembra? Era tão bonito e emocionante. Quase chorava, ao ouvir ou cantar.
Do presidente Dutra, dizia-se que ele não fedia nem cheirava. Entretanto, este mito deve ser desfeito, visto que foi o presidente que sucedeu Getúlio, o ditador que fora arribado do poder, para retornar posteriormente, através do voto popular. Estava, com Dutra, restaurada a democracia. Dizia-se que ele não largava a Constituição, a que chamava de o livrinho, tamanho seu apego à legalidade. Se vivesse, nos dias de hoje, ficaria estarrecido com as incontáveis PECs que despedaçam o nosso Livro Maior, a todo instante, como se fosse um pedaço de papel.
A revolução de 1964 pegou-me em São Paulo, quando já era formado, fazia cinco anos. Estava advogando. Fui advogado da Construtora do engenheiro Arão Sahm, que, por sinal, era da mesma cidade de meu pai: Lida.
Esse movimento, de 1964, foi necessário, tamanha era a balbúrdia que reinava no Brasil. Desse período sequer gosto de falar. Mesmo os que não se afinam com esse lance, reconhecem que era necessária a limpeza, pois, do contrário, o Brasil seria lançada na mais feroz ditadura de esquerda, nos moldes do comunismo soviético ou chinês ou cubano, cujas conseqüências seriam as mais danosas possíveis.
Sobre Herzog, confesso que muito pouco sei. Não acompanhei o caso, por isso é-me muito difícil relatar ou opinar. Não estou tirando o corpo fora, não, minha cara entrevistadora. Não sei mesmo.
GOLDA: Antes de prosseguir, deixe-me por um pouco de ordem, na seqüência da entrevista ou de seu depoimento. Use o termo que mais lhe convier. Voltemos para Brasília. O que mais o impressionou e marcou em Brasília?
LEON: Tudo. Entretanto, não posso esquecer o nosso correligionário Eugênio Schiler, ex-presidente da ACIB, por isso me permito, uma vez mais, valer-me de trechos de uma histórica crônica que escrevi em sua homenagem e bem retrata sua personalidade e um pouco de Brasília:
“....Ele foi um profundo conhecedor do judaísmo, da THORÁ, e das religiões em geral e encantava a todos com suas instrutivas palestras e seu amor às tradições judaicas.O shabat era-lhe sagrado. Ás sextas - feiras, religiosamente, encontrava-se na sinagoga, e, com sua alegria juvenil, dirigia o ofício religioso, entoando canções litúrgicas e mostrando extremo otimismo e sabedoria.
Sua vida confunde-se em parte com o judaísmo de Brasília e a epopéia de pioneiros que marcaram sua presença indestrutível, como Landwer, Vitran, Ghariani, Wetheimer, Barcessat, Galler, Pitel, Benjamim, que não mais estão vivos. E com os que felizmente ainda estão conosco, como os Futer, os Bensusam, o Simão Pitel, a Golda, o Goldner, o Frajmund, o Cohen e tantos outros que não tenho em mente.
Suas últimas palavras, na sexta-feira que antecedeu sua morte, foram um cântico a Brasília e a seu ishuv . Amava esta terra, como ninguém. Nessa noite, sua preocupação era maior. Preparava-se para viajar, para o Rio de Janeiro, onde se submeteria a um minucioso exame médico, que nunca se realizaria.
Nos dias anteriores, sofrera um desmaio que lhe custou o internamento no hospital. Assim mesmo, insistiu em estar presente no Templo. Não poderia faltar. Disse, profeticamente: “Não me deixe a peteca cair.” Proferiu pela última vez as preces do Shabat, obtendo a promessa de que alguém continuaria esses trabalhos.
Estava sempre atento aos acontecimentos e jamais se furtava de dirigir uma palavra de conforto aos humildes e necessitados. Era um liberal por natureza. Um justo. Não guardava rancor nem ódio. Vibrava e vivia intensamente. Partilhava com todos seu saber e o amor à humanidade...”.
GOLDA: Você tem tido contato com os judeus e, na sua opinião, como se sentem num lugar puramente administrativo sem qualquer atrativo e vida judaica?
LEON: Quando menos se espera, depara-se com um judeu ávido por contatos com outro judeu, procurando saber onde é a sinagoga e a sede da entidade judaica, mas, paradoxalmente, a comunidade mostra pouco ou nenhum interesse por tudo. Repito: é terrivelmente desastrosa essa apatia.
GOLDA: Você pretende voltar para sua cidade de origem?
LEON: De forma nenhuma. Gosto de São Paulo, onde nasci e me criei, mas apenas para ficar um dia. Como bom filho não o renego, mas minha terra agora é aqui. Sem retorno. Quem se acostuma, com o verde, o arvoredo, a relativa facilidade no trânsito, dificilmente se anima a abandonar esta cidade.
Também, não me esqueço do Piauí, que me adotou. Imagine, que, em agosto deste ano, fui convidado, para ser paraninfo da Turma de Direito, da Universidade Federal. Foi o maior galardão que poderia ter recebido, como professor, sem ter lecionado lá.
GOLDA: GOLDA: Sobre sua vida cultural, seus afazeres, teatro, cinema, computador, internet, língua que fala etc., poderia você tecer mais algumas palavras?
LEON: Minha vida cultural é bastante rica. Adoro teatros. Em São Paulo, não perdia nenhuma peça. Nunca deixava de assistir ao teatro iidish. Tenho loucura por esse gênero. Acredito que herdei esse gosto de meus pais e por haver quase vindo a esse planeta, em plena sessão teatral. Está lembrada do meu relato?
De cinemas nem se fala, pois quando mais jovem assistia a todos os filmes. Hoje, não me sobra muito tempo. Falar da literatura é falar o óbvio. Adoro ler. Encantam-me os bailados. Não perdia, jamais, um espetáculo estrangeiro, especialmente, o Ballet Bolshoi. Do mesmo modo que fui rato de biblioteca, também fui rato de teatro. Estava em todas.
Aqui, em Brasília, continuo o metier, embora não tenha tanto tempo.
Já estou no século XXI, sim, pois o computador é meu segundo eu. Utilizo-me da Internet, não para futilidades, senão para extrair dela o que de melhor ela apresenta. Sem o computador, não seria capaz de escrever ou pensar qualquer coisa. Acredite, se quiser, até há quatro anos, eu só pensava, redigia e escrevia, à mão. Agora, só com o computador. Vai ver que sofri uma lavagem cerebral ou uma maquinagem cerebral.
Adoro, loucamente, a música popular e folclórica de todos os países, no entanto meu amor pela música clássica, iidish e hebraica supera qualquer expectativa. Se pudesse ficaria ouvindo dia e noite. A Inezita Barroso e as canções francesas não me deixam mentir!
Tenho um amigo, que diz ser a música a prova cabal da existência de Deus. Eu, todavia, afirmo com convicção que a prova da existência de Deus está na música e, no homem, mesmo por que aquela é produto cultural do ser humano e à sua existência está condicionada.
GOLDA: Você publicou um livro sobre Israel e o povo hebreu. Pode falar sobre ele?
LEON: Sim, vou contar-lhe, inclusive como surgiu. Por que escrevi HEBREUS, história de um povo, para crianças de todas as idades? Como surgiu a idéia?
Até, há pouco, só escrevera poesias, crônicas, cartas, comentários, ensaios, livros jurídicos, artigos jurídicos, pareceres, conferências e discursos.
Eis que, de repente, algo inexplicado, ou até muito bem explicado, conduziu-me para este gênero literário. Fez-me caminhar ladeira abaixo até chegar a este lugar desconhecido para min, até então.
De madrugada, sem conseguir dormir (é raro ter insônia, felizmente. Não sofro deste mal), deu-me vontade de escrever sobre qualquer assunto, livremente, sem qualquer compromisso. Nada de ficar atado a um tema ou a um estudo científico.
Desejava voar sem qualquer constrangimento, alçar as alturas, atingir as estrelas cintilantes, voar como uma borboleta, cantar como um pássaro, festejar nas alturas celestes o encontro com a senhora lua, que já não era mais uma mera desconhecida dos homens, porque, no entardecer do século que se findou, o homo sapiens havia pisado suas entranhas. E nada conseguira conhecer mais do que já sabia. E, no entanto, sentia-se orgulhoso de sua jornada, jamais imaginada antes. Ou este sonho - realidade era a repetição do feito de Ícaro? Quem sabe.
Sem que soubesse por que, comecei a sonhar com as crianças de todo o mundo, pobres, ricas, famintas, bem vestidas, chorosas ou sorridentes, doentes, moribundas, que desejavam apenas viver, também sonhar como eu, imaginar as coisas bem diferentes do que são, porque nada mais queriam senão uma pitada de felicidade temperada com um pingo de alegria.
Vi-me então com saudade de minha mãe. Há quanto tempo se fora, para nunca mais voltar. Não é verdade. Estava sempre ao meu lado. Meu pai também. Prometera nunca me abandonar e sempre o sentia ao meu lado, embora não mais estivesse no mundo dos vivos, há quase meio século. Faz tanto tempo assim, meu Deus. Como o tempo passa tão depressa. Não, não, o tempo é apenas parte da eternidade que nunca começa, nunca termina!
E assim imaginei minha mãe e meu pai, ao meu redor. Eu voltara para o passado. Perguntava a ela, por que os homens brigavam tanto, não se entendiam, por que havia diferença entre eles, os negros, separados dos brancos, os judeus maltratados, por outros, a religião segregando os homens. Estes se matando uns aos outros, sempre em nome do mesmo Deus. Um verdadeiro paradoxo. Incompreensível.
Antes do livro, havia feito uma crônica, em forma de diálogo, explicando a mãe ao filho o significado da igualdade e a rejeição da discriminação entre os seres humanos. Gostei da experiência. Afinal, a criança deveria entender a narrativa, em forma de conversa informal. Em seguida, dois compadres encontraram-se, num lugar qualquer deste Brasil, e entabularam a conversa sobre algo que se voltava contra o seu entendimento. E o mais culto deles, desafiando a gravidade de sua inteligência, explicava ao outro o que era a tal da improbidade que todos comentavam, mas ninguém entendia.
Num outro momento, a mãe pôs-se a ensinar, ao filho de dez anos, o significado do seqüestro, já que o pai de seu amiguinho fora seqüestrado naquele mesmo dia. Era, aliás, uma história real, como tantas há, que me comoveram, a tal ponto de desejar contar ao menino o que se passara com a infeliz vítima desse hediondo crime. E fizera-o, por meio de diálogos simples.
Daí para o livro, fora um passo ou mais, precisamente, um galope.
Pretendia narrar a história de um povo, intimamente ligado ao Brasil, seja pela religião, seja por sua contribuição ao desenvolvimento do País, desde a colonização, já que os hebreus, descendentes de Abraão, como os árabes, crêem num Deus único, são monoteístas, como o são os cristãos, maioria do povo brasileiro, e estes estão intimamente ligados ao judaísmo, pela descendência de Cristo. E, entre os primeiros colonizadores da Terra de Santa Cruz, destacavam-se também os judeus e a maioria ignora a história, a saga e a contribuição do povo judeu, inclusive no Brasil. Quanto às crianças, nem falar.
Nada mal narrar a história para crianças, em forma de diálogo. E, assim, comecei a escrever a história dos hebreus, desde Abraão até a visita do Papa João Paulo II, à Terra Santa, em março do último ano do século passado, entrelaçando com fatos históricos da atualidade. Apresentei os momentos mais significativos da história judaica, de forma singela.
Faltava, pois, editar, porque uma obra sem editor é como um frasco vazio. Eis que a Editora Elevação, em tempo recorde, publicou o livro que seria indicado para o prêmio JABUTI 2001 e, sinceramente, ultrapassou minhas expectativas, pois sua aceitação foi marcante, não só entre as crianças, mas também entre os adultos, porque, segundo narram os comentadores deste pequeno livro:
"É louvável a iniciativa do autor, ao dedicar parte de seu tempo, na concretização de um sonho: conduzir as crianças de todas as idades para um mundo que se pensava perdido, para sempre.
Ao fazer este investimento, a longo prazo, sem dúvida, os benefícios e os dividendos serão certos.
O autor, em estilo acessível, simples e direto, chega à criança, mas envolve também os adultos, fazendo-os sentir também criança, com tanta beleza, pureza e ingenuidade de uma época que não volta mais. E, por isso mesmo, sua ousadia é por demais gratificante.
O estilo é revolucionário. Através de diálogos, como o faziam os filósofos gregos, da Antigüidade, narra a história dos hebreus, que é também dos cristãos, devido às raízes comuns, remontando ao tempo de Abrahão, do êxodo, dos patriarcas, dos reis, dos juízes e do exílio, desde a Babilônia, como enfatiza o Padre Jaime Pereira. E chega até a caminhada do Santo Padre, João Paulo II, pela Terra Santa, chão benquisto das três grandes religiões. O ecumenismo da obra é patente. Nela não há lugar para paixões estéreis. O mundo que edifica é do amor e da solidariedade. Faz a criança sentir, desde logo, que todos somos iguais, filhos de um só Deus, e que, conquanto falte muito para atingir-se a Era Espiritual, o homem há de aprimorar-se, não importa quanto tempo leve, porque como afirma a professora de sua história, a grande humanidade é boa, o homem bom vive dentro de todos nós.
Neste estágio da história humana, não há que falar mais em racismo, discriminação, intolerância, guerras étnicas, de qualquer espécie. E isso está bem contado. Só a criança, o futuro da humanidade, poderá redimir o ser humano, com a presença de Deus, onipotente e onisciente.
Como diz o menino de dez anos que leu a obra: “o livro é muito interessante, é uma história divertida, onde se aprendem muitas coisas”.
A revista Herança Judaica, da B’nai B’rith, de setembro deste ano, reproduz o resumo da obra.
Eis a história de meu primeiro livro para crianças de todas as idades e porque dediquei a elas, uma vez que são as crianças de agora, a elite pensante e os braços de amanhã, que promoverão uma verdadeira revolução, na sociedade e nos costumes, aproveitando o que há de bom, entre nós, aprimorando a educação e permitindo que todas tenham escola e possam desenvolver seus dotes e criem mais empregos, porque, neste País, não falta o que fazer. E, assim, se fez o livro HEBREUS - HISTÓRIA DE UM POVO, lançado, no dia 20 de outubro do ano de 2000, no PARLAMUNDI, na Legião da Boa Vontade, durante o I Fórum Mundial Espírito e Ciência, num momento realmente ecumênico. Até o Rabino Henry Sobel deveria estar presente. E só não esteve, por motivo de força maior. Felizmente, já está quase totalmente esgotado. Restam poucos exemplares.
GOLDA: Agora, a saideira. Definitivamente, a última indagação. Qual sua opinião sobre o terrorismo que assola o mundo todo? Sempre existiu essa forma desumana de matar e mutilar pessoas, sem dó nem piedade?
LEON: É fato de suma gravidade que atinge toda a humanidade, não importam a religião que professem os homens, sua ideologia, origem, etnia ou raça. Não gosto da expressão raça, mas uso-a para marcar bem a realidade.
Sim, Golda, o terrorismo sempre existiu travestido com outra roupagem e nome. Na época do nazismo, a quinta coluna era bem conhecida. Os nazistas foram mestres na sua utilização, não importa que nome se lhe tenha dado. A antiguidade conheceu-a sob outro disfarce. Infelizmente, o homem sempre se valeu dele para massacrar seu inimigo. O cavalo de tróia, na Grécia antiga, é bem um exemplo. Entretanto, atualmente, é mais violento, visando não só objetivos militares, mas também civis.
O terrorismo contra as Torres de Nova York, contra Israel, qualquer povo ou pessoa ou ainda o praticado pela ETA contra gente comum e inocente deve ser sumariamente combatido com todas as forças.
Quando se pensava que a humanidade caminhava célere para um século ou milênio de paz, com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento de mais uma ditadura, entre tantas que atormentaram o homem no Século XX, eis que uma (nova, nem tanta!) forma de destruição em massa surge, mais violenta, perigosa e audaciosa que nunca, com uma diferença marcante, praticada por terroristas: não há uma fonte precisa nem um Estado em particular, donde provenham estes cavaleiros do apocalipse do Século XXI.
E aqui é que reside o mal. Trata-se de um fantasma invisível e audacioso. Vem de um local ou de todos. Combatem, sem piedade, soldados e civis, indistintamente, não lhes importando quem atinja. Se a causa, por que lutam se alicerçava, hipoteticamente, numa origem boa, deixa de sê-lo, exatamente devido à forma e aos meios utilizados e ao próprio alvo.
O terrorismo deve ser combatido de todas as formas, onde quer que se encontre; entretanto, não se pode confundir o povo com esses criminosos insensíveis e desumanos, pois, se assim for, estaremos, na verdade, utilizando os mesmos métodos que os nazistas, recentemente, e, mais remotamente, a Inquisição consagraram, maculando a História e impondo um sofrimento indescritível e atroz ao povo.
Os Estados, sem embargo do arcabouço legislativo de que dispõem, vêm-se impotentes para o combate. Mesmo aqueles que ostentam um poderio jamais visto não conseguem fazer frente a esse inimigo oculto.
Faz-se, pois, necessário que as nações, sob a égide da ONU, se unam, para amortecer esse inimigo comum, sem, porém, atingir os povos, que, em última análise, serão os mais atingidos.
Assim, todos devem-se conscientizar de que algo deve ser feito, com extrema urgência. Sem dúvida, a mobilização da humanidade é essencial, para debelar o mal antes que seja tarde demais.
GOLDA: Você poderia expressar uma mensagem final?
LEON: Quero agradecer-lhe a gentileza e o privilégio que me concedeu, esperando ter atendido suas expectativas.
A propósito, estou mandando para a editora meu livro de crônicas, poesias e pensamentos e, no lançamento, faço questão de sua presença.
Mais uma palavrinha:
A vida é um continuo vai e vem,
cheio de surpresas;
algumas vezes, excelentes,
outras, nem tanto,
mas sempre surpreendentes

E MINHA HOMENAGEM À MULHER

A MULHER é a
colaboradora graciosa do homem,
fonte primeira de sua inspiração,
traço de união entre os seres humanos,

a suprema deusa,
a suprema princesa,
a acalentar o homem altaneiro,
com sua ternura,
com seu amor,
com sua doçura,
com seu calor!


Leon Frejda Szklarowsky
leonfs@solar.com.br


Brasília, DF, 3/8/2002 17:33:24
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