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Artigos-->LOCAL DE TRAGÉDIAS -- 27/03/2009 - 12:22 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Corria o tranqüilo ano de 1948 na cidade de São Paulo.

Boa época em que a violência de hoje não existia, nem em sonhos ou nos filmes de ficção policial.

No bairro da Bela Vista, “Bixiga”, um dos primeiros de São Paulo, habitado principalmente por italianos e seus descendentes, as referências que mais chamavam a atenção eram as cantinas, a festa da Madona da Achiropita, em agosto, e as histórias do lendário assaltante italiano Gino Amieto Meneghetti.

Radicado no Brasil, Meneguetti ganhou fama ao ser notícia constante na imprensa, de forma muitas vezes sensacionalista, sempre chamado de “o bom ladrão” e “o maior gatuno da América Latina”, pois em suas fugas praticou assaltos no Uruguai e na Argentina. Seu apelido era “gato de telhado”, devido à facilidade de se locomover pelos telhados das casas para fugir dos cercos policiais.

Il Nerone di San Paolo, o Nero de São Paulo, como ele próprio se designava, em alusão ao imperador romano, inúmeras vezes foi preso e condenado, passando mais de quarenta anos atrás das grades. A primeira prisão aconteceu em São Paulo, em março de 1914, e a última em fevereiro de 1968, aos 88 anos, ao cair do telhado de uma residência, com os bolsos carregados de jóias. “Não agüento mais esta vida, preciso me aposentar”, confessou ao delegado responsável pelo flagrante.

Com o passar do tempo, as suas façanhas foram esquecidas. Mas ele ainda se destaca como um dos maiores bandidos da nossa história. Meneguetti faleceu em São Paulo, em 1976, com mais de 98 anos.

Apesar de todo esse sossego – só quebrado nos carnavais pela bateria do cordão do Vai-Vai (hoje escola de samba) e pelo barulho do bonde “camarão”, que depois de percorrer as ruas do bairro fazia ponto final na praça da Bandeira – um crime hediondo abalou o bairro, em 1948: o Crime do Poço.

Em uma velha casa da rua Santo Antônio, 104, quase esquina com a praça da Bandeira, morava o professor de química Paulo Ferreira de Camargo, de 26 anos, sua mãe, Benedita Ferreira de Camargo e duas irmãs, Maria Antonieta e Cordélia.

No dia 23 de novembro de 1948, depois de várias denúncias à polícia sobre o estranho desaparecimento das mulheres, o professor Paulo Ferreira de Camargo suicida-se com um tiro na cabeça, no exato momento em que os policiais retiravam do poço do seu quintal os corpos de sua mãe e irmãs, que ele assassinara com vários tiros havia 19 dias.

O Crime do Poço, como ficou conhecido, teve várias versões. A mais considerada pela polícia foi a de vingança de Paulo contra a sua família, que não aceitava seu romance com uma enfermeira. Outra hipótese foi que as mulheres sofriam de uma doença contagiosa e ele não queria cuidar delas. Houve várias especulações, principalmente por parte dos vizinhos, já que o suicida não deixou nada escrito.

Ao perceber a presença da polícia, decidiu matar-se, deixando as mais absurdas dúvidas e suposições. Assim, o mistério da morte de toda a família nunca foi desvendado.

Outro fato que chamou a atenção do público, na ocasião, foi a morte de um dos bombeiros que ajudou na retirada dos corpos, vítima de infecção cadavérica.

O local tinha tudo para ser amaldiçoado!

A residência ficou fechada durante vários anos. Pessoas da redondeza contavam que a casa era mal-assombrada, pois à noite se ouvia estranhos sons e gemidos.

O tempo passou.

No final da década de 1960, a casa do Crime do Poço e outras moradias vizinhas foram demolidas para dar lugar a um enorme edifício. Com projeto arrojado, os primeiros dos vinte andares destinavam-se a garagens. A entrada principal do Joelma, nome do prédio, ficava na avenida Nove Julho, 255.

Mas o local não dispunha de escadas de incêndio, nem heliporto. Era uma armadilha, como outros milhares que há na cidade.

No dia 1 de fevereiro de 1974, uma sexta-feira de calor intenso, por volta das nove horas da manhã, segundo a perícia, um curto-circuito em um dos aparelhos de ar-condicionado provocou uma enorme tragédia.

Eram quase dez horas quando recebi a notícia de um boy que trabalhava no escritório central da minha empresa, na rua Boa Vista, centro.

Eu e outros funcionários resolvemos ir ver o incêndio, que assumiu grandes proporções,

A cena que vimos, quando chegamos à Ladeira Dr. Falcão, deixou-me paralisado.

De lá assistimos o Joelma, em toda a sua proporção geométrica, em chamas, desde o primeiro até o último andar.

Cordões de isolamento cercavam toda a praça das Bandeiras e a Nove de Julho. O Vale do Anhangabaú estava interrompido para o trânsito, nos dois sentidos.

O centro da cidade parou.

Dentro do Joelma o desespero era absoluto.

Sem qualquer possibilidade de descer à rua, muitas pessoas dirigiram-se ao terraço, onde ficaram encurraladas pelas chamas que subiam, cada vez mais. A única solução era resgatá-las por meio dos helicópteros da polícia, uma tarefa extremamente difícil, pois as telhas de amianto impediam o pouso das aeronaves.

Lá em cima, o pânico e o horror eram generalizados. Nem todos podiam ser salvos de uma única vez. Alguns, tomados por desespero, agarravam-se de qualquer maneira aos squids dos helicópteros para tentar escapar, colocando em risco a estabilidade dos aparelhos. Mas não havia outra saída – era tentar preservar a vida ou morrer!

Em determinado momento, um dos helicópteros que sobrevoavam o prédio, com uma corda estendida, conseguiu resgatar uma pessoa.

De repente, uma enorme exclamação popular.

A vítima estava sendo carregada dependurada, agarrada à corda. Mas, assim que o helicóptero se afastou, a força centrífuga fez a corda girar em torno de seu eixo, resultando na queda do infeliz.

Vi o corpo caindo rente ao prédio em chamas, para se estatelar no asfalto da Nove de Julho.

Porém, a tragédia ganhou maiores proporções e se tornou muito mais temível quando o calor e as nuvens de fumaça passaram a impedir o trabalho dos helicópteros. Além da falta de visibilidade, os aparelhos poderiam explodir, pois estavam abastecidos com combustível altamente inflamável.

Mesmo assim, muitas vidas foram salvas por esses heróicos pilotos.

Dezenas de pessoas, não mais suportando o intenso calor das chamas, atiravam-se das janelas e caíam ao redor do prédio. Outras jogavam-se no pátio interno do edifício. Porém, a maioria morreu carbonizada dentro do fatídico Joelma.

Nas ruas, pessoas desmaiavam ao ver tanta tragédia.

Voluntários levavam leite para evitar a intoxicação dos bombeiros e outras autoridades presentes no local, enquanto caminhões particulares traziam água potável. Um padre, não me recordo de qual igreja, andava pela calçada, ministrando a extrema-unção aos agonizantes.

Em respeito à tragédia, o silêncio do povo era total e absoluto.

Tarde da noite, depois de controlado o incêndio, o Exército, ajudado pelas polícias militar e civil, ocupou e isolou toda a área para remover os corpos e levá-los ao Instituto Médico Legal.

O saldo desde dantesco acontecimento foi de 534 vítimas: 189 mortos e 345 feridos, muitos dos quais atendidos nos ambulatórios da Câmara Municipal, vizinha ao prédio.

Hoje, 35 anos depois, o Joelma está reformado e dispõe de sistemas de segurança contra fogo. Requisitos que, na época, não tinha. O seu nome foi mudado para Edifício Praça da Bandeira e, atualmente, algumas empresas e escritórios estão lá estabelecidos. Porém, são poucos os que tiveram essa coragem. Muitas salas permanecem desocupadas. Não só pela repercussão da horrível tragédia, que até hoje persegue e dá ao prédio a fama de “amaldiçoado”, como também pelos fatos assustadores que, dizem, acontecem no local.

Ainda hoje, são de arrepiar os relatos de almas penadas que vagam por lá – gemidos, vozes, barulhos estranhos, luzes que acendem e apagam sozinhas, elevadores vazios, em movimento.

Um fato impressionante e sem desfecho é que, durante o incêndio, treze pessoas tentaram escapar por um elevador que parou de funcionar, de repente, deixando-as trancadas sem qualquer possibilidade de ajuda, presas em uma armadilha fatal.

Os corpos foram encontrados, depois do rescaldo, completamente carbonizados, unidos em um último abraço. As vítimas não puderam ser identificadas não somente devido ao estado em que se encontravam, mas também pelo estranho fato de que ninguém jamais procurou por elas.

Os treze corpos foram enterrados, lado a lado, no Cemitério São Pedro, Vila Alpina. Contudo, desde essa época, gemidos, gritos de dor, pedidos de socorro assombram os visitantes e funcionários, principalmente à noite. Chegou-se à conclusão de que esses apavorantes sons vêm das treze tumbas das vítimas não identificadas do Joelma! Curiosamente, quando chove, ou se coloca água em cada um dos túmulos, e não sobre as flores que os cercam, os sons cessam por alguns dias.

O local das “treze almas do Joelma”, como é conhecido, passou a ser ponto de visitação e romaria, pois, dizem, vários pedidos lá feitos foram atendidos.

Nasci no “Bixiga”, em maio de 1941, e morei na rua Abolição, 282. Na mesma rua, no antigo número 31, residiu até 1926 a família Meneghetti. A rua Abolição é uma travessa da rua Santo Antônio, uns duzentos metros do lugar das duas tragédias. Eu tinha sete anos quando aconteceu o Crime do Poço e, por curiosidade, tive a infelicidade de assistir ao terrível incêndio do Joelma.

Às vezes, quando desço de carro a Nove de Julho, em direção à cidade, ao entrar na praça da Bandeira, contornando a sinistra calçada, lembro-me das pessoas lá jogadas, imagens que não esquecerei jamais.

Em meio a tantos folclores sobre o local das tragédias e do cemitério de Vila Alpina, devemos lembrar a fase de William Shakespeare: “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.





Roberto Stavale

São Paulo, Março de 2009.-

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