Quem avisa amigo é!
Carlos Claudinei Talli
Dia destes, no meio da minha caminhada diária, um pensamento se imiscuiu em minha cabeça de ex-boleiro: porque o Douglas, o meia-armador do Corinthians, caiu tanto de produção?
Justamente ele que, no ano passado, durante toda a série B, fora o grande condutor daquele Corinthians que levou o título, com vários corpos de vantagem, praticando um futebol competitivo e até bonito de se ver.
Daí, eu me lembrei que ele começara bem o ano de 2009, até se machucar e ficar várias semanas em recuperação. E que só voltara um ou dois jogos antes daquele contra o Itumbiara, pela Copa do Brasil, exatamente quando o Ronaldo Fenômeno estreava. Naquela partida até que o Douglas estava jogando bem, cadenciando o jogo e municiando o ataque com competência. Mas, coincidência ou não, após aquele jogo o seu futebol foi minguando e, domingo, contra o Santo André, parecia até que desaprendera a jogar, tal o número de passes errados que perpetrou.
E, de repente, uma pulga começou a coçar atrás da minha orelha direita. E sempre que isso acontece, alguma idéia forte está prestes a aparecer. E não deu outra. Eu me lembrei de um lance, acontecido exatamente no jogo contra o Itumbiara, quando o Douglas se livrou de vários adversários, entrou na grande área contrária e poderia escolher entre duas alternativas: chutar com enormes chances de fazer o gol, pois ele estava na cara do goleiro, ou passar a bola para o Ronaldo que entrava pelo lado esquerdo. Ele preferiu o primeiro lance e a bola passou rente à trave direita do gol adversário.
No final do jogo, ainda dentro do gramado, os repórteres caíram em cima dele, e a pergunta óbvia pra quem só quer faturar com o espetáculo, não deixou de ser feita: ‘Douglas, você não acha que deveria ter passado aquela bola para o Ronaldo, que estreava e precisava fazer um gol?’
Alguns dias depois, em Presidente Prudente, quando o Corinthians se preparava para fazer uma partida naquela cidade, os torcedores, no meio de um treinamento, começaram a gritar a palavra ‘fominha’, todas as vezes que o meia do Corinthians pegava na bola. No jogo seguinte, contra o Palmeiras, outro lance semelhante àquele do jogo com o Itumbiara aconteceu, e o Douglas voltou a ser crucificado. Durma-se com um barulho destes!
No Brasil, e principalmente no futebol, sempre que se veste um santo, desveste-se outro. Em momentos em que a paixão toma conta da razão, e no futebol isso é o feijão com o arroz, não sobra pedra sobre pedra.
A própria torcida do Corinthians, instigada pela mídia que transformou a volta do Ronaldo no objeto de consumo dos torcedores de todos os clubes do Brasil, se encarregou de crucificar o meia-armador Douglas, o maior responsável pela bela campanha que o Timão cumpriu no ano passado.
Aliás, analisando-se apenas o critério técnico, salta aos olhos que o Douglas é o único jogador do Corinthians, exceção apenas ao próprio Ronaldo Fenômeno, acima da média. Os demais transpiram muito, o que é bom para o time, mas, em contrapartida, criam muito pouco.
E o mais interessante é que o Ronaldo sozinho, sem um meio de campo criativo, fatalmente não irá a lugar algum. Um centroavante, mesmo sendo um monstro sagrado, e o Ronaldo o é, depende totalmente da criatividade do meio de campo. Obrigar o Douglas a jogar em função apenas do Ronaldo vai tolher a sua liberdade. E sem liberdade, a sua criatividade vai escoar pelo ralo. Aliás, o que já começou a acontecer.
Paradoxalmente, crucificando o Douglas, o único jogador criativo do plantel do Corinthians, a torcida está dando um tiro no pé do próprio Ronaldo.
Para provar o que o Douglas representa para esse time limitado do Corinthians, é só comparar o que o Timão rendeu na Copa do Brasil do ano passado, apesar de ter chegado à final, com a sua produção na série B do mesmo ano. Parecia outro time. E a única diferença foi a entrada do Douglas no meio de campo. Com ele no time, até alguns jogadores limitados foram idolatrados pela Fiel. Mais uma vez, durma-se com um barulho destes!
Eu posso estar errado, e mais uma vez vou lembrar que com freqüência me engano, mas a produção do Ronaldo Fenômeno nas próximas partidas dependerá intimamente da produção do Douglas. E encontrar um meia-armador com a capacidade do Douglas, no atual futebol brasileiro, é mais difícil que achar uma agulha no palheiro...
Aos verdadeiros corintianos, e à Fiel Torcida, apenas um conselho: não entrem na conversa da mídia hegemônica. Ela só quer faturar em cima do Ronaldo e do Timão. Esse esforçado time do Corinthians só dará certo, com o Douglas e o Ronaldo sintonizados, e cada um jogando o seu jogo. Com liberdade. Caso contrário...
‘Quem avisa amigo é’.
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