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Artigos-->QUARESMA -- 14/03/2009 - 13:21 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A quaresma, do latim quadragésima, teve início duzentos anos após o nascimento de Cristo. Os cristãos preparavam a festa da Páscoa com oração, meditação e jejum, que duravam três dias. Por volta do ano 350 d. C., a Igreja Católica Apostólica Romana aumentou o tempo dessa preparação para quarenta dias. Assim surgiu a quaresma.

Segundo os dogmas da Igreja, a quaresma, ápice do cristianismo, começa na quarta-feira de cinzas e termina na quinta-feira santa, até a Missa da Ceia do Senhor.

Neste intervalo, os católicos dedicam-se à preparação da Páscoa, período reservado para a reflexão, a conversão espiritual, ou seja, o católico deve aproximar-se de Deus, visando crescimento espiritual. Os fiéis são convidados a comparar as suas vidas com a mensagem cristã expressa nos evangelhos.

Esta comparação significa um recomeço, um renascimento para as questões espirituais e de crescimento pessoal. O cristão deve intensificar a prática dos princípios essenciais de sua fé com o objetivo de se tornar uma pessoa melhor e proporcionar o bem aos demais.

A cor litúrgica deste tempo é a roxa, que significa luto e penitência.

Essencialmente, a quaresma é um retiro espiritual voltado à reflexão, em que os cristãos recolhem-se em oração e penitência, jejuam e não comem carne vermelha, principalmente às sextas-feiras. Preparam assim o espírito para a acolhida do Cristo Vivo, ressuscitado no domingo de Páscoa

Segundo a Bíblia, o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades.

Assim, a duração da quaresma baseia-se no símbolo deste número na Bíblia. Nela estão relatadas as passagens dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu através do deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar a sua vida pública, e dos 400 anos que durou a escravidão dos judeus no Egito, entres outras passagens.

A Páscoa sempre acontece na primeira lua cheia, depois da primavera na Europa (outono, aqui no Brasil) que, desde antes de Cristo, nas festas pagãs, tem um significado especial de vida, pois durante o inverno toda a natureza praticamente morre, ressurgindo com o início de uma nova estação. O verdadeiro sentido da quaresma, para os cristãos, é simplesmente a analogia da primavera com a Ressurreição de Jesus, que vence a morte.

O cálculo para se saber o final da quaresma, seguindo bulas do Vaticano, orientado pelo nosso atual calendário gregoriano, promulgado pelo papa Gregório XIII, em 1582, leva em conta o primeiro dia de lua cheia na primavera européia. Então, passa-se a contar 40 dias para trás, excluindo-se os domingos. Assim, chega-se à data da quarta-feira de cinzas e ao início da quaresma. Por isso o carnaval e os feriados da semana santa são móveis.

A quaresma, ou quarentena, é mais uma liturgia arcaica da Igreja Católica. Mas a Páscoa, não!

O Passach ou passagem, também conhecida como Páscoa Judaica, comemorada há mais de 3.500 anos, é o nome da celebração do sacrifício executado em 14 de Nissan, segundo o calendário judaico, e que precede a Festa dos Pães Ázimos. Esta antiga Páscoa, comemorada até hoje pelos judeus, é a recordação e homenagem à libertação do povo de Israel escravizado no Egito, narrada no livro do Êxodo.

O calendário judaico, ou Luach, é orientado pelo movimento lunar, em que cada mês se inicia com a lua nova.

Baseado na criação do mundo, o primeiro mês desse calendário é o de Nissan, que corresponde a março e abril do calendário gregoriano, quando se comemora o Pessach. Entretanto, o ano novo judaico ocorre em Tishrei, correspondente a setembro e outubro.

O início da era cristã orientava-se pelo calendário Juliano, implantado pelo imperador romano Júlio César em 46 a.C. No ano 33 dC, durante o Passach, em Jerusalém, Palestina, ocupada pelo Império Romano, Jesus Cristo, considerado mais um agitador ou zelote, foi preso, julgado e condenado por Pôncio Pilatos, prefeito de Judéia, a morrer na cruz, um dia antes do sabath,

Cristo era judeu, mas pregava a vinda do verdadeiro Deus e garantia paz eterna aos seus seguidores.

Antes de ser crucificado, observou todos os preceitos da páscoa judaica, inclusive na ceia com pão ázimo, ervas amargas e vinho azedo, conhecida como a Última Ceia e comemorada pela Igreja na quinta-feira santa.

Os guerrilheiros judeus pertenciam a uma seita secreta e eram chamados zelotes. Andavam em bandos, armados com lanças e espadas, e propunham a expulsão das legiões romanas no Oriente Médio. Quando capturados, eram julgados e condenados à morte por crucificação, depois de sofrer muitos flagelos.

Simão, um dos discípulos de Jesus, era chamado zelota, ou zelote, provavelmente por ter sido membro desta seita.

Outras cerimônias, como o domingo de ramos, lava-pés, simulação da imolação do cordeiro pascal, que faziam parte do Passach, foram incorporados pela Igreja, nessa época.

Em 604, o papa Gregório I definiu que, num período do ano, os fiéis deveriam dedicar-se exclusivamente às questões espirituais. Seriam 40 dias em que o povo de Deus evitaria sexo, carnes vermelhas e festas. Quase quinhentos anos depois, as irmandades católicas definiram as datas da chamada “quaresma”, em que o primeiro dia se chamaria “quarta-feira de cinzas”.

Com essas imposições, o povo aproveitou os últimos dias antes da quaresma e se esbaldou em festas, excesso de comida e bebida, usando fantasias, principalmente máscaras. A esse período deu-se o nome de “adeus à carne”, ou carne vale, em italiano, que, depois, passou a ser carnevale.

Esta palavra virou sinônimo do que seria uma espécie de antônimo da quaresma. O pessoal aglomerava-se nas ruas, fazendo tudo o que não devia, ou não deveria, fazer durante o resto do ano. O que dava o caráter especial ao carnaval era a grande concentração de brincadeiras num mesmo período, a proximidade com a longa abstinência imposta pela quaresma e o fato de as arrelias terem dia e hora para acabar.

Os dias carnavalescos, antes da quaresma, passaram a ser apoiados, embora não oficialmente, pela própria Igreja que, dessa maneira, podia cobrar mais rigor religioso no período pós-folia.

Na quarta-feira de cinzas, os foliões, muitos ainda embriagados e fantasiados, lotavam as igrejas para receber as cinzas, redimindo assim os seus pecados. Ao meio dia dessa quarta-feira, inicia-se a quaresma e assim acontece até hoje.

Através dos séculos, a quaresma vem sofrendo profundas modificações em suas liturgias.

A esquadra de Pedro Álvares Cabral navegava em plena quaresma. Pero Vaz Caminha, em uma de suas cartas ao rei Dom Manuel, relata:

“O mar estava calmo, como estivera durante todo o percurso. Os marinheiros, nos seus postos, atentos aos sinais de terra, percebem a presença de ‘ervas compridas’, chamadas de ‘Botelho’ e outras a que dão o nome de ‘rabo de asno’. Era uma terça-feira das ‘oitavas da Páscoa’, dia 21 de abril de 1500. Segundo os pilotos, devia haver terra entre ‘660 ou 670’ léguas!”

Por coincidência ou não, o Brasil, antes chamado Terra da Santa Cruz, que no futuro seria o país com mais cristãos no mundo, foi descoberto em plena quaresma!

Nasci em maio de 1941 e fui criado no bairro da Bela Vista, “Bixiga”, em São Paulo.

A minha família, tanto por parte de pai quanto de mãe, é da Calábria, sul da Itália.

Além de ter pais, avós e tios fervorosos religiosos, e pertencentes a irmandades da Igreja Católica, estudei em colégios de freiras e de frades.

As quaresmas e as semanas santas da minha infância são dignas de romance.

A partir da quarta-feira de cinzas, todas as quartas e sextas-feiras da quaresma, em minha casa e na casa de meus avós, não se comia carne vermelha. E quanto mais jejum se fizesse, melhor seria para a purificação da alma.

Quando chegava a semana santa, o feriado escolar, em minha escola, estendia-se de segunda a segunda, depois do domingo de Páscoa.

Os feriados nacionais começavam na quarta-feira santa, ao meio dia, e terminam na segunda-feira, depois da Páscoa.

Minha avó materna era a encarregada de fazer e colocar aqueles invólucros roxos, que cobriam as cruzes, os quadros e imagens dos santos das igrejas, símbolo do luto pela paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. A paróquia que ficava aos seus cuidados era da Madona da Achiropita, no “Bixiga”

A cerimônia de cobrir as imagens começava no domingo de ramos, que assim permaneciam até o meio dia do sábado de aleluia, quando eram, então, descobertas.

E lá estávamos nós para ajudar vovó Joaninha.

Durante a semana santa, as liturgias iam-se sucedendo nas igrejas lotadas.

A sexta-feira, ou a sexta-feira maior, era venerada com o maior respeito por grande parte da população.

As emissoras de rádio – ainda não existia televisão – tocavam músicas sacras e clássicas durante todo o dia.

À tarde, logo depois do almoço, almoçávamos na casa de minha avó Joaninha, em cuja mesa, ocupada por mais de vinte pessoas da família, não se colocava toalha em sinal de luto – assim como as toalhas são retiradas dos altares das igrejas a partir da quinta feira-santa, para ser colocadas novamente só no domingo de Páscoa.

Ninguém conversava. O silêncio era total.

Logo após o almoço, os mais velhos iam para a cerimônia da via sacra na Achiropita ou na Igreja da Imaculada Conceição – meus avós pertenciam à Ordem Terceira de São Francisco.

Os pequenos ficavam em casa.

O jantar ocorria da mesma forma que o almoço. Aí, sim, todos, inclusive a garotada, preparavam-se para acompanhar a procissão do enterro.

Meus avós distribuíam velas brancas que seriam acesas durante o trajeto.

Mesmo com o trânsito parado e desviado pelas ruas por onde passaria o cortejo, se, por acaso, algum bonde, ônibus ou mesmo automóveis estivessem parados no caminho, todos desciam e respeitosamente assistiam a procissão passar. Os homens tiravam os chapéus e algumas mulheres ajoelhavam-se, fazendo o sinal da cruz.

De tempo em tempo, a verônica, uma das senhoras de alguma irmandade, com boa voz, toda vestida de roxo, subia em uma cadeira levada por um coroinha e ia cantando os salmos das lamentações.

Todo o percurso era acompanhado por uma banda de música, que tristemente tocava marchas fúnebres, principalmente a de Chopin.

Enquanto a banda estava parada e a verônica ainda não cantava, homens com capas roxas tocavam matracas, envolvendo os fiéis em imensa compaixão, sob o olhar distante de uma enorme lua cheia que, pragmática, espiava através da cerração.

Depois vinha o sábado de aleluia.

Até ao meio dia, o silêncio era total. Mas, depois, os rojões começam a estourar, anunciando a aleluia.

Os Judas, bonecos de panos amarrados nos postes, depois de espancados eram queimados em fogueiras para delírio do povo nas ruas.

Finalmente, o domingo de Páscoa.

Depois da missa solene das dez horas, íamos para os almoços tradicionais em família, nos quais não faltavam bombons nem ovos de chocolate que, supostamente, coelhos haviam botado.

A figura do coelho está simbolicamente relacionada a esta data comemorativa, pois este animal representa a fertilidade. O coelho se reproduz rapidamente e em grande quantidade. Na antiguidade, a fertilidade era sinônimo de preservação da espécie, trazendo melhores condições de vida, numa época em que o índice de mortalidade era altíssimo. No Egito Antigo, por exemplo, o coelho representava o nascimento e a esperança de novas vidas.

A tradição do coelho da Páscoa com seus ovos de chocolate foi levada para as Américas pelos imigrantes alemães, entre o final do século XVII e início do XVIII.

Atualmente, católicos, protestantes, evangélicos, judeus, mulçumanos, budistas, ateus e demais freqüentadores de outras religiões não passam a Páscoa sem ovo de chocolate.

A maioria dos procedimentos e cerimônias acima relatadas, como receber as cinzas, fazer penitências, jejuar, enlutar as imagens e quadros com tecidos roxos, sair em procissões não mais acontecem ou foram abolidas pelas reformas dentro da própria Igreja. Assim, a maioria dos atuais católicos desconhece completamente tais liturgias.

Infelizmente, passados dois séculos de Cristianismo, a Santa Madre Igreja cada vez mais se distancia dessas cerimônias religiosas, que encantavam a fé de seu rebanho, hoje completamente disperso.

Sem querer profetizar, com as seitas evangélicas cada vez mais adentrando no espaço do Vaticano, ao final deste terceiro milênio as liturgias da Igreja desaparecerão, se a Igreja não desaparecer junto, constando apenas em pesquisas de historiadores, como fazemos hoje com as religiões que existiam antes de Cristo.

Você, caro leitor, sem dúvida, fará parte de um passado romântico e repleto de ilusões, em todos os seus aspectos, e que jamais voltarão!





Roberto Stavale

São Paulo, Março de 2009.-

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