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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->AURA -- 11/02/2003 - 21:30 (COELHO DE MORAES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AURA
Roteiro de Coelho De Moraes, baseado na obra de Carlos Fuentes
Personagens: Felipe Monteiro (FM), Consuelo (C), Aura (A)
Trilha sugerida: Pink Floyd – Wish you were here, só a parte instrumental

CENA 1
(Enquanto rola os créditos. Homem lê anúncio em jornal em um boteco ou lanchonete comum. Deixa, distraído, cair a cinza do cigarro na xícara de chá. Toma do seu folder e deixa uma gorjeta e sai. Caminha para a esquina. Espera o ônibus. Acende um cigarro. Olha para a ponta dos sapatos. Sobe no ônibus. Paga e senta).
CENA 3
(FM entra no bar para tomar seu café. Pega do jornal e relê a mesma mensagem do dia anterior. Marca em vermelho, rabisca no bom salário e na palavra historiador jovem.)
CENA 3
(FM na rua procura o número marcado da casa. Lances de casas do tempo do café. Tomada de um desenho em metal na aldrava ou estatuária, como se olhasse para FM. Ninguém atende. FM força o portão. Segue em frente. Sobe a sacada e a porta está entreaberta. Procura. Pega os fósforos.)
Voz de Mulher: Não... não é necessário. Peço-lhe. Ande treze passos para frente e encontrará a escada à sua direita. Suba, por favor, são vinte e dois degraus. Conte-os.
(FM segue em pedras e musgos. Procura a maçaneta. Empurra e está sobre tapetes.)
FM: Senhora... senhora.
Voz: Agora à sua esquerda. A primeira porta. Tenha a bondade.
(FM empurra a porta. Salas co castiçais e velas acesas. Vê corredores e quartos. Mão sobre a cama. Caminha para lá. Rodeia a cama. Um senhora muito velha- (Consuelo C) - estende a mão. Um coelho salta de um lado para o outro).
FM: Felipe Monteiro. Li seu anúncio.
C: Sim, já sei. Perdão, não há cadeiras.
FM: Estou bem, assim, não se preocupe.
C: Está bem. Por favor, ponha de perfil. Não estou vendo bem. Que a luz o ilumine. Assim. Claro.
FM: Li o seu anúncio.
C: Claro. Sei que o leu. Sente-se qualificado? Avez vous fait des études?
FM: A Paris, madame.
C: Ah, oui, ça me fait plaisir, toujours, toujours, d’entendre... oui… vous savez…on était tellement habitué… et après… Vou direto ao assunto. Não me restam muitos anos pela frente, senhor Monteiro e, por isso, preferi violar o costume de toda uma vida e colocar esse anúncio no jornal.
FM: Sim. Por isso estou aqui.
C: Sim. Então aceita.
FM: Bem. Desejaria saber mais alguma coisa.
C: Naturalmente. O senhor é curioso. (FM observa tudo em volta, copos, cristais, remédios, vidros, espelhos) Ofereço-lhe 4 mil reais.
FM: Sim. É o que diz o anúncio de hoje.
C: Ah! Então já saiu.
FM: Sim. Já saiu.
C: É sobre os papéis do meu marido, o general Ramiro. Devem ser organizados antes que morra. Devem ser publicados. Eu decidi isso há pouco tempo.
FM: E o próprio general não se acha capacitado para...?
C: Morreu há sessenta anos, senhor. São suas memórias inacabadas. Devem ser terminadas. Antes que eu morra.
FM: Mas...
C: Eu o informarei a respeito de tudo. O senhor aprenderá a redigir no estilo do meu esposo. Para tal, bastará ler os papéis; vai sentir-se fascinado por essa transparência, essa...
FM: Sim, compreendo.
C: Saga. Saga. Onde você está? Ici, Saga...
FM: Quem?
C: Minha companhia.
FM: O coelho?
C: Sim. Ele voltará. (olham-se). Então o senhor ficará. Seu quarto fica lá em cima. Ali sim entra a luz.
FM: Talvez, senhora, seria melhor que eu não a importunasse. Eu poso continuar vivendo onde sempre vivi e revisar os papéis em minha própria casa...
C: Minhas condições são estas: o senhor tem de morar aqui. Não resta muito tempo.
FM: Não sei...
C: Aura... (outra mão feminina toca a mão de C. É Aura. Leve jovem e pálida.) Eu lhe disse que regressaria...
FM: Quem?
C: Aura. Minha companheira. Minha sobrinha.
A: Boa tarde!
( A cumprimenta FM baixando a cabeça ao mesmo tempo que C)
C: É o senhor Monteiro. Vai morar conosco. (FM olha A que está de cabeça baixa ainda, que lentamente ela vem levantando. Ela tem olhos significativos. Olhos nos olhos. A tomada deve significar que FM está embevecido).
FM: Sim. Vou morar com as senhoras. (câmera se aproxima do sorriso de C)

CENA 4
(FM está seguindo A pelos corredores. Ela de vestido leve como tafetá. Farfalhante e Pés descalços. FM olha tudo que pode. A abre uma porta. Se afasta educadamente).
A: Aqui é o seu quarto. Estamos esperando o senhor para jantar dentro de uma hora. (ela se afasta no corredor enquanto FM observa. Segue-se uma sucessão de cenas no quarto. Mostrando belezas e detalhes de relevo. FM vai à janela. Embaça a janela e escreve o nome Aura no embaço. Intercalam-se cenas de A e seu corpo. Olha para a quilo e se dá conta, apagando rapidamente. Soa uma batida de relógio chamando atenção de FM. Ele olha espantado para seu próprio relógio. Põe o paletó, sai para o corredor, tudo é escuro e topa com o coelho que foge. Em seguida ouve gatos e mais gatos. De uma porta surge A com um candelabro. FM sorri. Os gatos continuam a miar. FM faz menção sobre eles).
A: Há muitos ratos nesta parte da cidade. (Atravessa salas sob a luz do candelabro. Relógios batem, bolas de cristal, quadros, enfim uma casa bem kitch. Aura está vestida de verde.)Está bem acomodado?
FM: Sim, mas preciso pegar minha coisas na casa onde...
A: Não é necessário. O criado já foi busca-las.
FM: Não precisavam se dar ao trabalho de fazer isto. (Entram na sala de jantar. Os gatos vão parando com seus miados. Há quatro lugares na sala gótica. Aos sinais FM se senta. Olha as garrafas. A começa servir. FM nota os outros talheres). Perdão. Estamos esperando mais alguém? (A continua servindo).
A: Não. A senhora Consuelo sente-se fraca esta noite. Não nos fará companhia.
FM: A senhora Consuelo? Sua tia?
A: Sim. Pede-lhe que vá vê-la depois do jantar.
(Comem em silêncio. Bebem vinho. Barulho de talheres. Varredura da câmera pela mesa, em torno deles. FM hipnotizado por A, que mantém os olhos baixos enquanto come, meio que percebendo o olhar do outro. FM procura qualquer coisa no bolso e puxa algumas chaves).
FM: Ah! Esqueci que uma gaveta de minha mesa está fechada à chave. Lá guardo meus documentos. (A para de comer e sem olhar para ele.)
A: Então... o senhor quer sair? (FM a olha como se tivesse tomado uma bronca. Sorri. Estica o braço para ela com a chave pendurada no dedo). FM: Não é urgente. (mas ela se resguarda, olha para o prato e de repente olha para ele. Ele se apaixona mais. Fica meio tonto;. Se levanta olhando para ela. Se põe atrás da sua cadeira gótica. Vai toca-la mas toca o espaldar da cadeira. Ela mantém baixa a cabeça). Acho que vinho está me deixando meio tonto. (se aproxima dela, toma sua mão e deposita as chaves. Ela fecha o punho e olha FM).
A: Obrigada... (ela sai rapidamente da sala de jantar. FM toma o lugar de A e acende um cigarro. Pensa em A; repete-se a cena de que A diz que C o espera após o jantar. FM toma do candelabro e sai para o corredor. Chega na porta de C. Bate. Ninguém responde. FM empurra a porta e entra cautelosamente).
FM: Senhora... senhora...
(C está ajoelhada rezando em um oratório. De repente ela levanta os punhos como se lutasse em uma batalha imaginária. Há imagens de demônios sorridentes enfiando tridentes em coitados no tal oratório e anjos e arcanjos e santos).
C: Venha, cidade de Deus; soe, trombeta de Gabriel. Ai, como o mundo está custando para morrer! (ela bate no peito, se dobra perante as velas e estátuas. FM a toma e a levanta para a cama , tranqüilamente. Ela tosse. FM a deita e a cobre. A respiração volta normal) Perdão... Perdão, senhor Monteiro... Para as velhas resta apenas o prazer da devoção... Passe-me o lenço, por favor.
FM: A senhorita Aura me disse...
C: Sim, é isto mesmo. Não quero que percamos tempo... deve... deve começar a trabalhar o quanto antes... (o lenço) Obrigada...
FM: Trate de descansar, senhora.
C: Obrigada... Tome... (tira de si um colar de fita roxa puída com uma chave de cobre) Naquele canto... Abra esse baú e traga os papéis que estão à direita, acima dos outros... amarrados com um cordão amarelo...
FM: Não estou vendo muito bem...
C: ( ela fala às costas de FM que...) Ah! Sim... É que estou acostumada às trevas (tem um frêmito e se vira rapidamente por pouco tempo)... Caminhe e tropeçará na arca... É que nos cercaram de paredes para nos forçarem a vender a casa. Nem mortas venderíamos... Há muita recordação para nós. Só morta me arrancarão daqui... É isso. Obrigada. O senhor pode começar a ler esta parte. Logo lhe entregarei as demais... Boa noite, senhor Monteiro. Obrigada. Olhe, seu candelabro se apagou. Acenda-lo lá fora, por favor. Não, não, fique com a chave. Aceite-a. Confio no senhor.
FM: Senhora... há um ninho de ratos naquele canto.
C: Ratos? O fato é que nunca vou lá...
FM: A senhora devia trazer os gatos para cá.
C: Gatos? Quais gatos? (olham-se. FM esboça falar mas para) Boa noite. Vou dormir. Estou fatigada.
FM: ( à porta) Boa noite. (vemos a porta se fechar. Sumindo).

CENA 5
(FM lê e estuda os manuscritos. Toma notas).

CENA 6
(A luz da janela acorda FM. Tenta dormir mais pondo o travesseiro no rosto. Desiste. Vai para o banheiro. Tudo está por lá bem arranjado. Repentinamente um terrível miado, altíssimo. Somam-se outros. FM vai para o corredor tentar encontrar a origem daquilo, volta, abre as janelas e tem a visão de gatos variados pegando fogo e miando horrorosamente. FM cai de volta em sua cama. O miado se extingue. FM se veste e houve um sino bater no corredor. Sai rapidamente e vê Ano fim do corredor com o sino na mão. Ela se volta)
A: O café da manhã está pronto. (sai para o outro corredor. FM a segue mas o corredor está vazio. Um barulho às costas. O quarto de C. FM vê a mão que coloca o sino e penetra no quarto. FM continua até a sala de refeições. Tudo está servido. Somente um talher. Toma um suco, rapidamente e pensativo e vai ao quarto de C. Entra bruscamente, sem bater).
C: Bom dia, senhor Monteiro. Dormiu bem?
FM: Sim. Li até tarde.
C: (agitando a mão como se para ele se afastar) Não, não, não. Não dê opinião!. Trabalhará com esse papéis e quando terminar lhes darei os outros.
FM: Está bem, senhora.(como se lembrasse) Eu poderia visitar o jardim?
C: Qual jardim, senhor Monteiro?
FM: O que tem atrás do meu quarto.
C: Nesta casa não há jardim. Perdemos o jardim quando construíram ao redor da casa.
FM: (engolindo em seco) Pensei que poderia trabalhar melhor ao ar livre.
C: Nesta casa há somente este pátio de entrada. Ali minha sobrinha cultiva algumas plantas. Mas, isso é tudo.
FM: Está bem, senhora.
C: Desejo descansar todo o dia. Passe para me ver esta noite.
FM: Está bem, senhora. (bate a porta atrás de si, ficando na penumbra do corredor, pensando).

CENA 7
( FM estuda seus papéis. Anota. Cena similar à anterior. Enquanto fuma)
FM: Quem sabe se eu não prolongo essa mamata e dá para ganhar aí uns doze mil. Garanto o ano e o trabalho que me interessa. (o sino bate. FM olha o relógio, se compõe no corredor. Na sala de jantar A está sentada, C também. Há o quarto talher. Cumprimentam-se e começam o jantar. Enquanto C fala com A, FM olha para C e pensa)
FM off: Se o general tinha 42 anos por ocasião da revolução francesa e morreu em 1901, teria morrido com 82 anos. Mas, em nenhum momento ele a cita no seu livro. Por que? Teria se casado com a senhora Consuelo no exílio... mas ela seria uma menina, então. (a câmara varre de C para A; esta come mecanicamente. Deve-se mostrar, sutilmente, que o movimento de uma é o da outra, com breve atraso de tempo, intermeado pelo movimento de cabeça de FM. Ele começa a comer. Elas param e o observam. FM olha para as duas e se fixa na senhora que fala olhando fixamente para ele).
C: Fiquei muito cansada. Venha, Aura, acompanhe-me até o quarto.
(FM como num sonho, enquanto se levanta, olha para A que está imóvel olha para um ponto fixo, dizendo palavras. FM toma do braço da mulher e a leva para o corredor e para o quarto. A mulher se deita e parece dormir de olhos abertos. FM bebe um treco qualquer que está por ali. Vinho? Funde-se essa imagem de pensador com Aura que fala sozinha na sala. FM sai. No corredor olha para a outra porta. FM empurra a porta e entra. Olha para a porta que deve dar para o quarto de C. FM caminha devagar e põe a mão sobre a porta. Tenta empurrar, ela cede um pouco. FM desiste).

CENA 8
(Funde-se a imagem com FM dormindo e outra fusão. No escuro, não se define claramente as cenas. Um sino que bate várias vezes e vê-se que mãos descarnadas o carregam, e uma vez a gritar: Afastem-se! Afastem-se todos! É um corpo velho que o acaricia e o quer, FM tenta fugir e acaba pondo a mão sobre outro corpo, jovem, segurando suas chaves. Frases incompreensíveis. O corpo de FM é percorrido por beijos. FM compreende e concorda com:: Você é meu esposo! Eu espero você esta noite em meu quarto! Quando o corpo jovem se afasta. FM relaxa e dorme. Última tomada é o corpo de A saindo de seu contato. Batidas...)
CENA 9
(Batidas. FM acorda pesadamente. Batem na porta. Há uma certa insistência).
A: Não precisa abrir! A senhora Consuelo o espera... o quer ver em seu quarto. (FM bate na cabeça e ri).

CENA 10
(FM entra no quarto da mulher, deitada e bem agasalhada, sem abrir os olhos dirá).
C: O senhor está trazendo a chave?
FM: Sim... Creio que sim. Sim, está aqui.
C: Pode ler a segunda pasta. No mesmo lugar, com a cinta azul. (FM pega os papéis, procurando na arca. Ao se virar vê que C está com seu coelho) Não gosta dos animais, não é?
FM: Não. Não particularmente. Talvez porque nunca eu tenha tido algum.
C: São bons amigos. Bons companheiros. Sobretudo quando chega a velhice e a solidão.
FM: Sim. É mesmo.
C: São seres naturais, senhor Monteiro. Seres sem tentações.
FM: Como disse que se chamava?
C: A coelha? Saga. Sábia. Segue seus instintos. É natural e livre.
FM: Pensei que fosse um coelho.
C: Ah... o senhor ainda não sabe distinguir.
FM: Bem... o importante é que a senhora não se sinta só.
C: Querem que estejamos sós, senhor Monteiro, porque dizem que a solidão é necessária para se alcançar a santidade. Esqueceram-se que na solidão a tentação é maior.
FM: Não a estou entende, senhora.
C: Ah, é melhor, é melhor. Pode continuar seu trabalho.
(FM sai e no corredor pensa).
FM off: Por que falta coragem para dizer que amo Aura? Por que falta coragem para dizer que ao terminar o trabalho eu levo Aura comigo? (FM decide e volta, abre hesitante a porta, mas pela fresta se interrompe e vê C em pé, vestida de general, com condecorações e tudo mais, ela beija a roupa, dança com ela, rodopia feliz, e FM fecha a porta. Sobre essa porta se fechando o texto em off ).

CENA 11
FM: (lendo os papéis) Sim... tinha quinze anos quando a conheci. (FM fecha o livro e revê a capa para reabri-lo), bela Consuelo. Belos olhos verdes (funde imagem com um general muito mais velho andando, uma garota lá frente fazendo qualqurr coisa. Ao se aproximar o general vê que a garota está torturando um gato. O general ri e se excita.. Funde para o general comendo a garota vigorosamente lá no quarto deles... funde para FM lendo e suspirando...)
FM: ( fechando a pasta) Quando ele morreu ela tinha 49. Nesse caso...(FM olha para o lado, pensativo) as senhora Consuelo terá... 109 anos. (FM derruba os papéis e sai, abrupto, vai para a cozinha, vê A que degola um cabrito, espirra sangue para todo lado e ela está com o olhar fixo em um ponto qualquer, desarrumada. FM corre para o quarto de C, abre a porta com violência e vê a mulher fazendo os movimentos similares aos de A. As cenas se alternam.a idéia geral é que estão retirando a pele de um cabrito. Os movimentos de A estão sempre atrasados em relação aos de C. Quando FM olha para A é como se ela não percebesse sua existência. FM corre para seu quarto, ofegante, se tranca lá como que perseguido, põe uma poltrona para ninguém entrar; empurra também a cama e deita-se, sem forças) Ela está louca! Está louca.

CENA 12
(fundem-se as imagens de C e de A sobre o torpor de FM, que adormece e sonha mais. Vê C se aproximando de gatinhas. C coloca o rosto contra o rosto dele e sorri. Um sorriso de gengivas com sangue.FM grita. C grita. A grita. C retira da boca um punhado de dentes. FM está desorientado. C joga os dentes sobre ele. A rasga seu vestido verde pelo meio. FM observa horrorizado. A se aproxima mostrando o vestido verde rasgado. Sobre os seus dentes estão os dentes da velha, superpostos. A câmara desliza sobre o corpo de A até as pernas. Corte para FM olhando. As pernas se quebram e rolam pelo chão. Fusões de batidas na porta, sinos, tiquetaque e mostrador de relógio. Corte para a sala com um talher. Tem uma boneca ao lado do prato. A boneca solta uma farinha por uma costura mal feita. FM come olhando a boneca. A boneca cai. FM se levanta e vai para o corredor e jardim. FM no corredor. Entra no quarto de A; ela o recebe. Beijam-se. Está mais velha. Beijam-se. Abraços.)
A: Sente-se na cama, Felipe.
FM: Sim.
A: Vamos brincar. Não faça nada. Deixe-me fazer tudo. (A se ajoelha diante de FM) O céu não é alto nem baixo. Está em cima e debaixo de nós ao mesmo tempo. (A o toma e baila enquanto ela canta uma valsa. Ela retira a camisa de FM. Ele vai fazendo o mesmo. Ela retira de trás a boneca e acaricia a boneca. Quebra a boneca sobre suas coxas. A farinha se espalha. A se deita e se abre para receber FM que se deita sobre ela). Você me quererá para sempre?
FM: Sempre, Aura, eu amarei sempre você.
A: Sempre? Você me jura?
FM: Eu lhe juro.
A: Ainda que perca minha beleza? Ainda que fique de cabelos brancos? Ainda que eu envelheça?
FM: Sempre, meu amor, sempre.
A: Ainda que eu morra, Felipe? Você me amará sempre, ainda que eu morra?
FM: Sempre, sempre, eu juro. Nada pode me separar de você.
A: Venha Felipe, venha...
(Volúpia total e FM está acordando num silêncio e procura por A, na cama. Vê que A está de pé na frente da cama, sorrindo, sem olhá-lo. A caminha e se senta no chão ao lado da cadeira de balanço que aos poucos vai se definindo, da mesma forma que a senhora C que balança e sorri para FM. Elas falam mas não se ouve. Sorriem para FM. Então as duas, ao mesmo tempo se levantam e vão para o quarto da velha, juntas, que é iluminado por velas).

CENA 13
(FM acorda triste em seu quarto. Dor de cabeça. Perdido. Cortes rápidos para as abluções. O sino no corredor. Ao abrir a porta vê uma pessoa com roupa verde e um véu a cobrir seu rosto).
A: O café está pronto.
FM: Aura, chega de enganos.
A: Enganos?
FM: Diga-me se a senhora Consuelo a impede de sair, de ter sua vida; por que há de estar presente quando eu e você...? Diga-me que você irá comigo quando tudo isso...
A: Irmos nós dois? Para onde?
FM: Lá pata fora, para o mundo. Para vivermos juntos. Você não pode sentir-se para sempre acorrentada á sua tia... Por que essa dedicação? Você gosta dela tanto assim?
A: Gostar dela...
FM: Sim; porque se há de sacrificar assim?
A: Eu gostar ela? Ela é que me quer. Ela se sacrifica por mim.
FM: Mas é uma mulher velha, quase um cadáver... você não pode...
A: Ela tem mais vida do que eu. Sim, é velha, é repulsiva... Felipe, não quero voltar...Não quero ser como ela...outra...
FM: Você se enterra em vida... você tem que renascer, Aura.
A: Tem-se que morrer antes de renascer... Não. Você não entende. Esqueça, Felipe. Tenha confiança em mim.
FM: Se você me explicasse...
A: Tenha confiança. Ela vai sair hoje durante todo dia...
FM: Ela?
A: Sim, a outra.
FM: Vai sair? Mas, se nunca...
A: Sim, ás vezes sai. Faz um grande esforço e sai. Hoje vai sair. Durante todo dia... Você e eu podemos...
FM: Irmos embora?
A: Se você quiser...
FM: Não, talvez ainda não. Estou contratado para um trabalho... Quando terminar o trabalho, então sim...
A: Ah, sim. Ela vai sair durante todo o dia. Podemos fazer alguma coisa...
FM: O quê?
A: Espero-o esta noite no quarto de minha tia. Espero-o como sempre. (A se afasta tocando o sino. Quando FM entra na sala a velha está sentada vestida como se de noiva, mas uma roupa muito velha, com seu cajado na mão e tomando um café. C o olha, meio enfadada).
C: Hoje, não estarei em casa, senhor. (FM sinaliza com a cabeça mas procura por A lá na cozinha, onde há umas sombras. C olha também e esboça um sorriso de volta) Confio em seu trabalho, senhor Monteiro. As memórias de meu esposo devem ser publicadas. (ela bebe uma última xícara e sai, tossindo e fungando. FM vai esperar, com a chave da arca na mão. O tempo passará. Sombras na cozinha. Relógio, Folhas que voam. A janela bate com o vento. Os cristais tremem. FM vai para o quarto da mulher. A coelho está sobre a cama roendo uma cenoura. Abre a arca, tira a pasta que derrama algumas fotos no chão. FM pega tudo. No quarto, sob vela começa a ler e vai alternando de carta para carta).
FM: Sei por que você chora às vezes, Consuelo. Não lhe pude dar filhos, para você que irradia vida... (toma outra carta)... Consuelo não tente a Deus. (sino do corredor. A anda por ele) Devemos nos conformar. Não lhe basta o meu carinho? Eu sei que você me ama; eu o sinto... o meu amor compensará qualquer imaginação enfermiça? (outra carta) Avisei a Consuelo que essas beberagens não servem para nada. (A no jardim cortando algumas ervas) Ela insiste em cultivar suas próprias plantas no jardim. As ervas só fertilizarão a alma...(outra carta) ... Encontrei-a no quarto delirando ela gritava (A garota do general a gritar: Eu conseguiu! Eu a encarnei! Posso convocá-la!) (outra carta) Ela agora anda descalça pela casa, pelos corredores. (A garota no corredor. Não se vê claramente quem é) Ela diz para não ser detida pois está atrás de sua juventude. Sua juventude estava no jardim... Tinha acabado de chegar...(FM deita as cartas pensativo. Começa a olhar as fotos. Então cai em si ao ver uma foto de A com data de 1876... vê as fotos de A que é Consuelo...)
FM: Com amor, Consuelo! (outra foto) Em homenagem ao décimo ano de casamento. (outra foto) Quando estivemos em Buenos Aires, no hotel Colón (outra foto e o assombro. A foto toma conta da tela. Vê-se claramente Aura-Consuelo e, quando FM retira o dedo, o general, que é ele, Felipe Monteiro. Desesperadamente FM vai ao quarto de Consuelo e Aura está deitada com sua roupa verde, de costas) Aura! Aura! (eles se olham).
A: Não... não me toque... Deite-se a meu lado... (FM se senta na cama).
FM: Ela pode regressar a qualquer momento.
A: Ela já não mais regressará.
FM: Nunca?
A: Estou esgostada. Ela já se esgotou. Nunca pude mantê-la ao meu lado por mais de três dias.
FM: Aura... (FM tenta tocar os seios de A).
A: Não... não me toque...
FM: Aura... eu amo você.
A: Sim... você me ama. Me amará sempre... você disse ontem.
FM: Sempre a amarei. Não posso viver sem seus beijos, sem seu corpo...
A: Beije-me o rosto... somente o rosto.
FM: Não... quero você inteira para mim...
(FM se envolve, beija o rosto. Tudo é lento. Ele começa a tirar a roupa de A; Se beijam, se amam, o envolvimento é total. )
A: (Isso é dito durante a cena de amor) Ela voltará, Felipe, nós a traremos juntos. Deixe que eu recupere as forças e a farei voltar... Você me amará mesmo se eu envelhecer? Você me amará mesmo que eu esteja morta? (FM concorda com tudo e jura tudo).

CENA 14
(É manhã. Vemos FM deitado que acorda, dá um sorriso e passa amexer nos cabelos de A, sem vr muito bem. A câmara faz uma varredura e vamos notar que a mão de FM faz carinho num cadáver bem decomposto).


FIM




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