Um dos pontos mais controversos acerca da liberalização do uso de drogas é o de se com ela o consumo de tais substâncias tenderia a diminuir ou a aumentar. Os argumentos de ambos os lados são coerentes, pelo simples fato de que, dada a variedade dos tipos psicológicos humanos, os comportamentos por eles condicionados sempre serão igualmente variados: assim, sempre haverá quem passe a se drogar por perder o medo de uma eventual punição, como também quem deixe de se sentir atraído pelo submundo da droga tão logo ele deixe de ser proibido. É até possível que, somando-se uns e subtraindo-se outros, o consumo nem aumente, nem diminua, embora essa tese, por ser muito moderada, não seja defendida por ninguém. Seja como for, essa é precisamente uma daquelas teses sobre as quais não se pode ter certeza senão empiricamente, e sobre as quais, portanto, é inútil qualquer especulação.
Pretendo colocar uma pedra sobre o assunto, para que a discussão possa ir adiante. Penso que o que precisamos é, acima de tudo, mudar nossa relação com as drogas. Estamos habituados a nos entorpecer das formas mais diversas (até mesmo sem uso de nenhuma substância química) e mesmo assim continuamos a discriminar e a condenar opções divergentes da nossa, como se fosse inadmissível quebrar os ovos pelo lado mais estreito.
O fato é que pouco deve importar se o consumo de drogas vai aumentar ou diminuir com a liberalização do seu comércio; importa apenas que tanto seus usuários quanto seus comerciantes sejam apenas usuários e comerciantes respectivamente, e não obrigatoriamente criminosos. Se aquele que pratica algum crime sob efeito de algum entorpecente deve ser julgado como qualquer um que o faça inteiramente sóbrio, ou se seu estado mental alterado deva ser considerado uma atenuante ou uma agravante, é questão que deve ser debatida pelos juristas; o que não é aceitável é que aqueles usuários que buscam apenas uma recreação inofensiva (e são a grande maioria) sejam prejudicados por um sistema penal preconceituoso e obsoleto. Que o uso recreativo aumente com a liberalização; que aumente mesmo o número de dependentes (eles continuarão a existir, com proibição ou sem ela). Sejam eles tratados (nos dois sentidos) como casos de saúde pública, e com tudo isso a sociedade ainda estará melhor do que a miséria medieval em que vivemos hoje.
Não é preciso ser exímio em estatística para comprovar que o tráfico mata muito mais que as drogas. A proibição às drogas é responsável por maiores atrocidades que a própria droga, porque a maior violência não é a dos usuários, mas sim a dos traficantes e a das autoridades policiais.