"...Garças em vóo(...)
agora repousam
em poemas que descasco
no papel.
Excedem:
girassóis quando dormem
não perdem a luz."
UBIRAJARA GALLI
O amante retoma a imagem da mulher-flor tão cara e fecunda, de inesgotável sensualidade. Porta-voz de Eros, o desejo a todo instante se instala e se desloca transmudado em "pássaro-viageiro", corda que vibra, corcel, raio e punhal. A penetração-profundidade - luz em círculos ilumina escuros, revelando enxame de sóis e pétalas. E eis, então, que a mulher, impulsionada pela latência e espera, e o homem, com o gesto que emite aquele que se apossa, a sensação de posse, e vem com os passos de animal ferido nas vísceras, nos nervos e avança nos lábios de maçã suave, em fúria que desfecha golpes; ou aquele que conhece prazeres, espécie de Prometeu acorrentado, de Sísifo que continuamente se debate com a "pedra" da paixão esfomea-da do desejo nas suas múltiplas formas e engole Pandora.
Num marcante traço erótico, a cópula se anuncia e toma forma de pétala engra-vidada pelo pingo morno que lhe afoga o ventre e se faz "liberto, líquido, livre", ao a-cender-se a chama do amor pelos dedos da companheira, que lampejam na noite fria. Dá-se a abertura do ciclo amoroso que deflui; há o desdobramento final do ci-clo que evolui ao longo do percurso- o amor justificado na cumplicidade da penumbra do quarto, para além de Cronos, a viagem de Eros, num efeito rítmico-sonoro dos can-cioneiros do amor.
Uma viagem lírica de sensibilidade e sensualidade penetra a fêmea man-samente, Ã maneira do amor-paixão e desejo furtacolorindo a polpa, um pingo morno afoga o ventre no betume, gotagoteja a têmpera de cera. Forte àmbar vem do colo cor-roído, o esmalte vivo do lábio crespo. O orgasmo se avizinha, mergulham na pátina cromada daquele sol de mercúrio sob a mira de um olho verde e macio como um pês-sego vestido de ternura que mora em seus corpos.
O corcel da glória cavalga madrugadas frias, mas rápidos e bravios os sais e ácidos do busto e a frágil lassidão dos corpos. São passarinhos possuídos pelo sol, adormecidos na relva.
No negro asfalto do ventre, um girassol de amianto se contorcendo na noite calada.
F Personificado, Eros é o deus do amor. Eros, de outro lado, traduz ainda a complexium, a união dos opostos. O amor é a pulsão fundamental do ser, a libido.
Extraído do livro de contos e Cronicas LABAREDAS PELOSCORPOS.