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Artigos-->O Gerifalte e o Inventário de Narciso Durães -- 12/06/2000 - 23:23 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Narciso Durães, poeta de Salinas, no vale do rio Jequitinhonha, desenvolve em seus textos um estilo próprio, e lida com a questão do regional e do universal, traço marcante do seu livro de poemas Gerifalte (1997, Artes Gráficas).

O Gerifalte (que me parece ser parente do famoso carcará) é o espelho deformante em que Narciso nos lê, e que perpassa o livro deste o texto de abertura:



O gerifalte é um projeto de metais

desde o ninho: plumagem de esmalte,

felpas, lãs urtigosas.

É no voô, entretanto, que ele ajusta

a precisão de suas lâminas e tenazes:

um borrego que pastava em rótulo

de azeite de oliva só o soube depois.



O Gerifalte é uma esfinge ávida, mas é com essa ânsia que Narciso escreve, misturando o prosear caipira com trechos de sofisticada prosa poética. Aliás, de vez em quando Narciso beira a polissemia, faz poemas a um passo da prosa, do causo, absorve o folclore, a história, a cultura popular. O Gerifalte voa em torno:



Sobre vácuos, rios, fogos-fátuos

mantiqueiras, canastras e cruzílias

como convém à rapina vestida

em plumagem de esmalte sombrio

o gerifalte é mito em movimento

ou totem estático, sacerdotal,

na boca da caatinga de onde vem

a noite planetária feita de astros

a querosene

e jenipapos ácidos, verticais



Diante da conjunção do regional com o universal, surgem possíveis associações com Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Graciliano Ramos e outros. Mas a busca deliberada da estranheza, do barroquismo desabusado, do salto brusco no trapézio, as arremetidas de erudição misturadas a um saber roceiro e primal, os repentes dramáticos de cosmopolitismo impressionam, como em Timotão Soldado:



Timotão soldado mal sai de uma carraspana

entra noutra: remorsos da Campanha da Itália

onde serviu sob Mark Clark de quem, aliás,

tem uma fotografia com dedicatória e tudo.



a ressaca, incurável, é por não ter desembarcado

na Normandia



O fenômeno da modernização é vivido como o desabrochar de uma realidade bizarra, arregimentadora, exótica. O bárbaro no mundo de Narciso é o que não é espelho, é a ambição modernizante, que ele apresenta como alucinada, nebulosa, desesperada, motivo-guia que aparece em Balaio de Peixes:



Cabides de frangos-pedrês

melancias de santa-bárbara:



Em 1915, Alexander Reese

abalou-se do (sic) EUA com intuitos

de catequizar o Brasil.

Dele contam-se histórias incríveis

desde que interrompeu um ritual

aborígene em Papua-Nova Guiné

brandindo um crucifixo e berrando

a plenos pulmões:

-Do you need a toten to worship

this is the true one!



Neste belíssimo trecho, divertido inclusive, o norte-americano é o índio, o fanático, o desvairado, o outro capaz de gestos ridículos e fanfarrões. A atitude agressiva e etnocêntrica de Alexander Reese se torna patética, o gringo aparece como um bufão, um arlequim, um clown. A imagem de um padre berrando como um Chacrinha calvinista que descobriu o totem verdadeiro, uma espécie de pedra filosofal em forma de cruz, evoca uma cena tragicômica e nos faz pensar na perplexidade dos aborígenes diante dessa interrupção absurda. A descabelada afirmação de Reese contêm tanto a aceitação da cruz como totem e necessidade nata do ser humano quanto a profanadora proclamação de que está de posse da verdade sagrada. A frase de Reese parece ter sido elaborada e dita de caso pensado, mas causa mesmo assim muita perplexidade.

A confluência entre o arcaísmo e a pós-modernidade se repete no poema Madame Celinah:



Diz ‘quê trocou um curso de Antropologia

na Sorbonne por um cabaré em Argel

onde fez fortuna.

Acuada por uma das muitas revoluções

fundamentalistas, deu com os costados na Bahia,

depois no médio Jequitinhonha.



Traz guardado a sete chaves, um turbante que,

jura, pertenceu ao tuaregue Saladino III.



Aqui novamente o elemento exógeno se apresenta como misterioso e incompreensível. Um turbante de Saladino e um ex-soldado da II Guerra convivem nos porões da memória, nos vales do imaginário, num Jequitinhonha hiper-realista.

O livro é, enfim, riquíssimo. O prefácio, embora correto, peca pelo excesso, com trocadilhos adolescentes como “pré-fácil”, “pós-difícil”. Talvez o título apropriado fosse “parto a fórceps” mesmo. Este prefácio inconseqüente é um perigoso trampolim para o mergulho na poesia de Narciso, onde os que se aventurarem poderão pescar pérolas. Os caminhos de Narciso são tensos, mas depois de torvelinhos de poeira, chuvas, trovões e relâmpagos, creio que salta aos olhos um talento literário denso e pujante.















































































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