Papo com o João!
Carlos Claudinei Talli
Vocês vão me desculpar, mas, como nestes dias o futebol brasileiro está em recesso,vou seguir outro caminho neste artigo.
Eu, apesar da idade provecta, ainda, uma vez por semana, bato a minha bolinha numa pelada entre amigos da mesma faixa etária. Diga-se de passagem , eu já notei, a minha bolinha está cada vez mais pequenininha. Mas, nessas reuniões, o que importa mesmo é a conversa jogada fora após a pelada, regada a petiscos e a uma cervejinha estupidamente gelada. Entretanto, num desses bate papos, a conversa descambou para um lugar estranho.
Um dos participantes começou a se auto-elogiar falando das contribuições que todo mês encaminha para três instituições de caridade reconhecidamente sérias. Outro, tomando o mesmo bonde, também enalteceu as suas contribuições de caridade. E, assim, sucessivamente, vários amigos enredaram pelo mesmo caminho. Foi aí que o João, um bom amigo de muito tempo, extremamente inteligente e bem informado, emendou:
“Eu não contribuo com nenhuma obra social. Mas, na minha vida, procuro fazer sempre o que a minha consciência manda. Toda vez que vou a um supermercado, ou a uma loja etc., procuro comprar produtos das empresas que respeitam o meio ambiente, não poluem o ar e os rios, não provocam o efeito estufa, reflorestam, usam energia renovável, enfim, que têm uma conduta ecologicamente correta. Além disso, nunca prevariquei com o dinheiro público. Não pertenço a nenhuma classe privilegiada, justamente aquelas que fazem as leis em benefício próprio, e depois mandam a conta para os contribuintes pagarem. E, como nesse país 70% da população é paupérrima, boa parte desse dinheiro vem dessa parte menos favorecida. É a famosa ‘operação Robin Hood’, só que às avessas. Assim, eu não participo dessa verdadeira ‘farra do boi.’”.
Houve um constrangimento geral, e um outro amigo, interrompendo a explanação do João, gritou:
“Porque você está falando isso. Por acaso é uma indireta para alguém aqui presente?”
“Não, não tem nada a ver com vocês. É que eu não suporto a hipocrisia da sociedade atual. Hoje, é comum ver-se os chefes do narcotráfico entupirem o país de droga e, ao mesmo tempo, construírem escolas, creches e outras obras sociais nas favelas que são as suas bases de atuação; industriais, que destroem completamente o meio ambiente, e, depois, com uma porcentagem mínima de seus lucros, ajudam obras de caridade e são considerados benfeitores da humanidade; donos da mídia, que acabam com as famílias brasileiras através de programas que pregam a sua dissolução, e, depois, fazem campanhas para angariar fundos para ajudar exatamente aquelas crianças que foram por eles prejudicadas. E, ainda, tem aquela história do George Soros, um mega-investidor americano, que arruinou vários países provocando a migração de capitais especulativos, causando falências e desemprego em massa, e, agora, é considerado um dos que mais ajudam obras de caridade no mundo todo. É contra tudo isso que eu estou falando!”.
“É, mas isso nada tem a ver com o começo da nossa conversa. O que nós dissemos é que as instituições de caridade sérias merecem ser ajudadas”.
“Eu concordo com você” disse o João. “Mas eu acho que essa caridade só passa a ser necessária por causa da omissão da maioria em muitas coisas importantes. E, acredito mesmo que todos nós deveríamos fazer o nosso ‘mea culpa’. Se todos exercessem a cidadania da maneira correta, haveria produção de bens sem destruir a natureza e a distribuição de renda necessária para acabar com a miséria que atinge a maioria da humanidade. Essa é apenas a minha opinião”.
Houve um silêncio constrangedor. E eu saí da reunião com uma dúvida a martelar na minha cabeça.
“Se todos os habitantes da Terra tivessem o comportamento do meu amigo João: o mundo estaria numa situação melhor ou pior do que atualmente? E se todos seguissem o George Soros, ou o Fernandinho Beira Mar, ou o industrial destruidor do meio ambiente, ou o político corrupto, ou ainda a minoria de privilegiados com os seus ‘direitos adquiridos’ pagos com a miséria da maioria: o mundo estaria melhor ou pior do que atualmente?”.
A resposta fica no ar para ser respondida, por cada um de nós!
Desculpem-me, mas o João mexeu com a minha cabeça e com o meu comodismo!
No próximo artigo, voltaremos a falar sobre futebol.
|