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Artigos-->O ACUSADO -- 05/01/2009 - 02:14 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em 1960, com vinte anos, um ano após ter entrado na Associação Paulista de Belas Artes, conheci o meu grande e saudoso amigo, Konstantin Birukoff – meu querido Constantino.

Nessa época, nas manhãs de domingo, acompanhava o mestre Innocencio Borguese que se dedicava a pintar, no Parque D. Pedro II, paisagens da cidade de São Paulo.

Lá se reuniam diversos artistas: José Lino Zechetto, Mário Zanini, José Maria da Silva Neves, Salvador Santisteban, Salvador Rodrigues Júnior, Cirilo Agostini, entre outros. Também era nosso companheiro o maestro Alberto Marino, compositor da valsa Rapaziada do Brás, com seu material de pintura, ao invés da famosa batuta.

Constantino, de origem russa, havia nascido em Khabarovsk, na região da Sibéria, em 1904.

No meu livro Contos e Recontos, publicado em 2004, dedico o conto Reencontros a este nobre companheiro.

Com a nossa amizade consolidada, em pouco tempo convidei Constantino para pintar no Parque D. Pedro II.

Com o tempo, fiquei sabendo que o pai de Constantino era general do exército russo. Devido à revolução comunista de 1917, a família Birukoff exilou-se na Manchúria, na cidade de Harbin. Lá, Constantino estudou engenharia civil e participou da construção de diversas estradas de ferro.

Em 1937, o Japão invadiu a China, guerra conhecida como sino-japonesa, uma das causadoras da Segunda Guerra Mundial.

Mais uma vez, agora casado e com dois filhos pequenos, Constantino fugiu para o Japão. Depois de alguns meses, em 1940, desembarcou com a família no porto de Santos.

Num domingo, em 1961, Constantino surpreendeu-me ao perguntar se eu já havia pintado na Represa de Guarapiranga.

Respondi que não e, em uma linda manhã ensolarada, fomos até a represa em seu velho Morris, que ele estacionou entre eucaliptos, às margens da praia de Interlagos.

Lá pelas onze horas, ele me convidou para visitar um amigo que morava na represa.

Caminhamos até uma linda mansão, de frente para a Guarapiranga. Chamou minha atenção um embarcadouro de madeira, repleto de pessoas, que esperavam para fazer um passeio panorâmico em um dos hidroaviões, tão conhecidos em Interlagos.

Constantino, então, bateu palmas – não havia campainha – e apareceu um senhor loiro, aparentando a mesma idade do meu amigo, cerca de sessenta anos, a quem fui apresentado e convidado para entrar naquela curiosa casa.

Porém, nem chegamos a entrar na residência. Sentamos em uma varanda confortável, à sombra do eucaliptal, em que a vista se perdia represa afora, onde velas brancas e outras pequenas lanchas motorizadas cruzavam as águas, ao som do ronco forte das decolagens e aterrissagens do hidroavião.

Depois de uma breve conversa formal sobre arte e amizade, os dois começaram a conversar em um idioma completamente desconhecido para mim. Deve ser algum dialeto do leste europeu, pensei, enquanto tomava uma gostosa limonada gelada.

E lá fiquei, sem entender uma palavra.

Depois de mais de uma hora de conversa, Constantino levantou-se, despedimo-nos e fomos para casa.

Passados alguns meses, Constantino levou-me novamente para pintar em Interlagos.

Saímos antes do horário habitual e, mais uma vez, fomos visitar seu misterioso amigo.

Na volta, Constantino contou quem era aquele homem, que tinha se tornado meu amigo também: o lendário aviador lituano Herbert Cukurs, nascido em 1900, que chegou ao Rio de Janeiro com a família em 1946, sob a acusação, nunca provada, de ter participado do extermínio de milhares de judeus em 1941, em Riga, capital da Letônia, ocupada pelo III Reich. Cukurs era oficial da Força Aérea de seu país, invadido pelos nazistas.

Devido às suas habilidades em projetos, especialmente em transformar pequenos monomotores em aviões-flutuantes, Cukurs foi trabalhar na antiga Companhia Nacional de Navegação Aérea – CNNA, de Henrique Lage.

Em 1947, a CNNA encerrou as suas atividades, mas o cargo ocupado por Cukurs rendeu-lhe um ótimo currículo! Assim, ele começou a revisar e reformar aeronaves no Aéreo Clube do Brasil. Transformou sua casa em oficina de telar asas e fuselagens. Além disso, fazia revisão de motores. Com seu filho Gunars buscava os aviões em Manguinhos e os trazia de barco até Niterói, com as asas desmontadas. A qualidade do seu trabalho logo foi reconhecida e o negócio prosperou.

Mas Cukurs queria voltar a voar.

Depois de várias e frustrantes tentativas, inclusive com um raro trimotor italiano, um CRDA CANT Z 1002, confiscado pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e utilizado pela Varig com o prefixo PP-VAO, adquiriu um Aeronca C-3 com flutuadores, recuperado em sua oficia.

E continuou comprando outros hidroaviões para passeios panorâmicos e transporte de cargas.

Até em restaurante flutuante ele transformou um hidroavião.

Mas a acusação de matança de judeus persistia.

Nos julgamentos de criminosos nazistas de guerra, que se seguiram aos processos de Nuremberg, em 1946, era voz corrente que muitos desses fugitivos teriam se refugiado na América do Sul. Em 1950, alguns jornais cariocas publicaram que um dos acusados estaria escondido no Rio, explorando serviços de barcos turísticos na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Além dos vôos panorâmicos que decolavam dessa lagoa, a família Cukurs também se dedicava aos passeios com pedalinhos.

A imprensa trazia manchetes sobre o assunto, com a foto de Cukurs estampada nas primeiras páginas.

As absurdas acusações, jamais comprovadas – nem por Nuremberg, nem por associações judaicas – forçaram a prefeitura do Rio de Janeiro a encerrar as atividades e confiscar todos os hidroaviões e pedalinhos de Cukurs, que manteve apenas as atividades ligadas à manutenção.

Como Fênix, o aviador-empresário ressurgiu das cinzas.

Ouvindo falar que São Paulo era um estado rico e promissor para os seus negócios, deixou a família e foi tentar a sorte com o hidroavião Seabee PP-DVV, na cidade de Santos. No primeiro dia de vôos turísticos, fez 36 decolagens com lotação esgotada. Eufórico, ligou para o Rio, convocando os familiares a se mudarem para Santos. Por gentileza do amigo Brigadeiro Correia de Mello, pôde guardar seus aviões na Base Aérea de Santos, e passou a oferecer vôos panorâmicos nos fins de semana, que partiam da Ponta da Praia e da praia de José Menino.

Os bons resultados financeiros permitiram a Cukurs comprar uma fazenda de bananas em Juquiá, São Paulo. Em seguida, montou uma empresa de Táxi Aéreo com um único avião, o pequeno quadrimotor Havilland DH-114 Heron, prefixo PT – AVÁ, que tinha pertencido ao Transporte Aéreo Salvador, apelidado de Constelation Baiano.

Além de passageiros, transportava cargas para as obras da nova capital, Brasília. Decidiu vender a empresa de táxi aéreo, ao perceber que a maioria dos seus passageiros, em Santos, era formada por paulistanos que vinham para a praia nos finais de semana. Cukurs sabia que havia, em São Paulo, grandes represas. Assim, resolveu sobrevoá-las para ver se a sua mudança para a capital seria viável.

Ele constatou que as represas não ficavam longe do centro e já dispunham de estrutura para atender aos turistas. Decidiu vender a sua fazenda – que não dava lucros –em Juquiá e comprou um enorme terreno em Guarapiranga.

Interlagos era um local ermo. Mas os Cukurs mudaram para lá com dois hidroaviões Seabees, apelidados de Oba e Fiu-Fiu.

Com o negócio prosperando em São Paulo, construíram um hangar ao lado da casa e compraram mais dois hidroaviões usados.

No dia 11 de maio de 1960, o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann foi raptado pela Mossad, serviço secreto israelense, em Buenos Aires. Levado para Israel foi julgado e condenado à morte. Morreu em primeiro de junho de 1962.

Estes acontecimentos acabaram reacendendo as campanhas de difamação e mentiras contra Cukurs. Novamente as manchetes sensacionalistas alardeavam que um dos maiores criminosos de guerra estava escondido em São Paulo.

Depois de muitas controvérsias e novas acusações, mais uma vez nada foi provado.

Em 1962, a vida continuava a seguir normalmente para essa família. Herbert Cukur, inclusive, recebeu um título de agradecimento do Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social, com os seguintes dizeres:

“Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados à população paulistana, ao Comandante Cukurs é concedido este título de agradecimento e louvor pela sua excepcional dedicação, colaborando para o êxito da campanha de vacinação contra a poliomielite.”

Assim, de tempos em tempos, Constantino levava-me para visitar o acusado e famoso aviador.

Em 1965, sem saber que era uma cilada da Mossad, Cukurs foi convidado para uma feira de aeronáutica, em Montevidéu. Nunca mais voltou. O seu corpo foi encontrado em um barracão. Em poucas linhas, noticiou-se que mais um criminoso nazista havia sido liquidado, o famoso Enforcador de Riga.

Mesmo com o trágico passamento de Cukurs, seus dois filhos continuaram com os vôos em Interlagos até 1995.

Constantino faleceu em 1987.

A represa de Guarapiranga foi palco de diversos fatos históricos, significativos para os brasileiros. Em 1928, os aviadores italianos Francesco de Pinedo, Carlos Del Prete e Vitalle Zecchetti, pioneiros na travessia do Atlântico Sul a bordo do hidroavião S-55 Santa Maria, desceram na represa sob os aplausos de centenas de populares.

Logo depois foi a vez do piloto brasileiro João Ribeiro de Barros, a bordo do seu hidroavião Jahu, que hoje serve de alimento para os cupins no Museu da Aeronáutica, ao lado do 14-Bis, Demoiselle de Santos Dumont, e de outros aeroplanos antigos, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo

Outros pilotos pioneiros que passaram pela represa foram os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

O tempo voa! Mas as gratas recordações ficam!









Roberto Stavale

Dezembro de 2008.-

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