Esperança...
Lizete Abrahão
Duas pedras, à beira da estrada, próximo a um regato, conversam:
--- Dia quente hoje, não é compadre?
--- É, comadre. Há muito não faz tanto calor.
--- E a vizinha, onde está?
--- A senhora não viu? Ontem à noite, aquele caminhão, o preto com vermelho, pois é, jogou-a no regato.
--- Ah...ela é que é feliz. Com esse calor, eu também gostaria de estar no fundo do regato.
--- Não diga isso, comadre, pode ser bom no verão, mas no inverno...tanto frio...e depois, todo aquele limo...
--- Mesmo assim, compadre, lá ela pode rolar ao sabor da corrente, pode ver peixinhos coloridos, todo um mundo submerso que ninguém nunca viu. São novas paisagens. Quem sabe, ela, um dia, até chegue ao mar. Ah! ... o mar...Aqui é só poeira, calor no verão , lama quando chove e frio quando neva.
--- Mas daqui podemos ver gente, movimento, o sol. Pode ser rotineiro, mas adoro o sol, amo ver o céu, as nuvens, as estrelas, as árvores, sentir a brisa. E as crianças então?
--- É, pode ser muito bonito para o senhor, mas as crianças só me aborrecem. Já esqueceu que elas não nos podem ver que vão logo nos chutando ou jogando contra tudo que encontram? E de cada vez nos perdemos um pouco, nos gastamos.
--- Olhe comadre, aí vem um carro. E é bonito, veloz. Que poeira...Mas, veja, está parando...por que será? Este lugar é tão sem nada para as pessoas.
--- Ora, decerto vão ao regato para refrescar-se.
--- Não, só desceu uma pessoa, a passageira. E tem belas pernas.
--- Olha o respeito, compadre!!!
--- Desculpe, comadre, mas é como lhe disse: aqui se vê mais coisas. Repare só, ela está discutindo com o motorista. Estão brigando!!. Ele vai embora...arre!! que arrancada!! E aí vem ela...furiosa ao que parece...pelo chute na pobre lata de cerveja vazia. Cuidado, comadre!!!!Ela vai chutááááá´...
--- Ah! o compadre é que é feliz. Com esse calor, eu também gostaria de estar no fundo do regato, rolando...talvez até o mar...Ah!o mar...um dia quem sabe...
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