Usina de Letras
Usina de Letras
57 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62244 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5441)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Suprema dádiva -- 22/07/2002 - 03:42 (Lizete Abrahão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Suprema Dádiva

Lizete Abrahão


Estava ele ao sol, aquecendo-se do inverno e fugindo do frio que lhe ia na alma, sentado à soleira, olhando o seu mundo passar.
Um poc toc...poc toc...lento chamou-lhe a atenção. Virou a cabeça para o fim da rua, e viu um burrico esforçando-se em subir a ladeira íngreme. Sua carga o puxava para trás, para a descida da ladeira, e seu dono o empurrava a chicote, ladeira acima. Resvalava, voltava, andava mais uns passos. Resfolegante, suado em espumas, chegou ao topo. Sua carga intacta, e seu dono mal-humorado...
Penalizou-se daquele animal tão pequeno, frágil, com tão grande peso ao lombo, mas tão corajoso e persistente. Outras gentes passavam à sua frente, esqueceu-se do burrico.
Na sombra da tarde, recolheu-se. Casa fria, quase nua, frio na alma e no coração.
Aqueceu na chama as sobras da sopa rala, engoliu-a e deitou-se para dormir. Dormir? Acordado, o silêncio tocando-lhe as carnes, em solidão eterna, pensava no sol do próximo dia. Os dias cinzas não o aqueciam e ele precisava do sol, tinha de amanhecer com sol...E lembrou-se do burrico...pobrezinho, que mesmo no frio suava para agradar o dono. Pensando no animal heróico, adormeceu.
Dia seguinte bendito! Havia sol novamente. Pegou um pedaço de pão duro e correu para luz que se infiltrava pelas frestas da porta. Sentou-se à soleira, roendo seu alimento, bem devagar...
Poc...toc...poc..toc... lá vinha o burrico, de novo, lento, mais carregado ainda. Não suportaria ver novamente aquele animal ser maltratado. Levantou-se com dificuldade, suas pernas já não o ajudavam muito. Estava velho. Foi ao encontro do seu herói e ,pegando o pelo buçal, começou a puxá-lo ladeira acima. Fez um esforço hercúleo, mas o burro com sua ajuda, chegou ao topo sem suor e sem espumas. O olhar grande e negro, os trejeitos de cabeça e orelhas foram o agradecimento. E seu dono, de chicote na mão, incitou-o a continuar. E lá foi ele. Poc.toc.poc.toc.poc.toc....sumindo a distância, mais rápido.
Sombra da tarde, interior frio...sopa quase de água....enxergões ...sonolência...cansaço.
Adormeceu pensando no olhar que recebera, naquele dia. Tinha a alma bem mais leve.
Dia cinzento, quase garoa, não haveria o sol. Mas pegou um pedaço do pão mais duro e foi roê-lo à soleira. Fazia frio, muito frio. Mas permaneceu ali, à espera....mas esperava o que? Poc...toc...poc...toc...Olhou rápido e lá vinha ele lento, carregado. Moveu-se com a rapidez que podia e foi ao seu encontro, bem antes do início da ladeira. Pegou-lhe no buçal e puxou-o com delicadeza e com a força que podia. Era seu amigo, não podia permitir que o maltratassem e que sofresse tanto por um dono ingrato.
Quando o senhor descarregar suas mercadorias, pode deixar que eu cuido dele. Não se preocupe, ao voltar de seu comércio, é só buscá-lo. Comigo ele ficará em segurança. Disse o solitário ao dono do burrico, que já não tinha mais o chicote nas mãos. Tá bem, respondeu, pode cuidar dele, já nem presta pra nada mesmo. Esperou o descarregamento, desencilhou-o, passou-lhe uma corda leve e fina em seu pescoço e puxou-o para sua mísera casa.
Passou-lhe no corpo uma escova velha, já sem utilidade há anos, deu-lhe água e seu último pedaço de pão duro. O animal cochilava...e escarvava em gratidão...
E assim, por muitos dias, cuidou dele, conseguiu com alguns vizinhos até sobras de alimentos e alguns verdes que os dois dividiam. Fortaleciam-se.
Mas...um dia o burrico não apareceu. Dois, três, quatro dias....uma semana, quase um mês...quase um ano...onde ele andaria? Teria morrido de tanta carga e chicotadas? Não queria nem pensar. Pobrezinho. E sentia-se vazio...
Dia de sol, mais solitário que antes, senta-se à soleira. Poc.toc.poc.toc.poc.toc...seria ele? Não, não era. Um outro burrico levava seu dono ao lombo. Mais meio dia...poc.toc.poc.toc. esse era ele, tinha de ser ele. Mas o barulho de cascos nas pedras não estava sozinho. Eram pocs.tocs.pocs.tocs rápidos. Esperou...e surgiram quatro burricos pequeninos, seguidos de dois maiores. Meu amigo, meu querido amigo! Correu, claudicando, ao seu encontro, coração brincando forte no peito, aquecendo sua alma, jogando longe o frio do desencanto. Perguntou-lhe onde andara, o que havia acontecido, ficara doente? Onde estava o homem do chicote? Estava bonito, gordo, luzidio, olhos fartos e orelhas eretas. E quase nada levava ao lombo. Seu amigo voltara.
Deixe esse animal em paz, não vê que está atrapalhando? Não posso perder tempo parado no meio do caminho, só porque um louco resolveu falar com meu burro. Sai fora! gritou-lhe o novo condutor dos burricos. Burros não falam, seu idiota!
--- Não posso conversar contigo, agora, ele não permite. Pra ele tempo é dinheiro. Eu estou bem, não te preocupes, minha vida tem sido bem mais leve, e tu foste o responsável por isso, pois me mantive forte, o que me fez continuar valendo um bom dinheiro pro meu antigo dono, que me vendeu para o atual.. Sobrevivi por tua causa. Que minha amizade sirva para te aquecer o coração, nas noites frias e te faça ver a vida através do sol que brilha em ti. Tenho de ir, senão o homem é capaz de se enfurecer. Até outro dia qualquer. Espera-me sempre...pois voltarei, disse-lhe o burro.
E ele voltou a sentar-se à porta, feliz...tinha um amigo, não importava onde estivesse.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui