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Contos-->A loteria -- 22/07/2002 - 03:35 (Lizete Abrahão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A Loteria

Roberto é um garoto de 16 anos que vive numa pequena cidade do interior. É pobre, mas sua família, apesar das agruras da vida mantém-se unida.Todos trabalham, desde o pai até o irmão de 12 anos que vende os picolés feitos pela mãe. Apenas o Tio é já aposentado e não pode mais trabalhar. Problemas sérios no coracão, dizem os médicos, qualquer emoção, por pequena que seja, poderá ser-lhe fatal.

É Domingo.

Depois da missa na Igreja da Matriz, o pai foi roçar o que ele chamava de horta. Os pequenos dispararam para a pelada na rua. A mãe e a irmã, com rádio ligado e cantorias junto, enfiadas na cozinha minúscula, preparavam o almoço. Por ser domingo e a família reunida, tio Pedro resolveu que iria pescar o almoço, no rio estreito que cortava a cidadezinha.

Pegou uma cesta, caniço e algumas minhocas. Quando saía da casa, lembrou-se de alguma coisa e voltou. Caminhando devagar, como sempre, meteu a mão no bolso e disse a Roberto que tentava, em vão, consertar a fechadura da porta principal:

-Roberto, faz um favor?

-Claro, tio, pode pedir.

-Olha, falou mostrando um pedaço de papel, comprei este bilhete da loteria ontem. Mas como não tava muito bem, tomei meus remédios e dormi.Perdi o resultado da loteria que dá no rádio. Mas eles repetem nos domingos, por volta das dez horas.Você confere pra mim?

-Pode deixar comigo, confiro sim. Eta tio ! Querendo ficar rico hein?

-É, bem que podia mesmo, se a sorte um dia viesse me visitar...Mas tenho que tentar, não é mesmo? Comprei o bilhete com o restinho que roubei da minha aposentadoria. Mas não diz nada pra sua mãe. Ela não gosta que eu gaste dinheiro com o que chama de jogo de azar. Já pensou...poder dar uma vida melhor pra vocês? E eu poder viver o tempo que me resta, sob a sombra daquela figueira ali, só sonhando...

E foi andando, olhos sonhadores, caniço, cesta e minhocas com ele.

-Mãe, grita Roberto, aumenta o volume do rádio, também quero ouvir música. E quando for sair o resultado da loteria, me chama correndo, quero ver se saiu um número que sonhei...

-Tá bom...tá bom...eu chamo. Mas que mania você e seu tio têm de só ficar pensando em ganhar na loteria.

A música espalhou-se pela casa, pelo quintal, perdia-se por cima da cerca, árvores...

E a fechadura nada de funcionar. Comprar outra nova, nem pensar.... cantalorava...depois do almoço iria até a praça. Quem sabe poderia encontrar a filha do seu João da padaria...bonita ela...

-Roberto! Olha o resultado da loteria! Gritou a mãe da cozinha.

-Tô indo. Pegou um lápis na corrida e colou o ouvido no rádio.

-Credo, rapaz! Pra que isso? Até parece que espera ganhar na loteria.

-Não é por nada não, mãe. Mas se sair o número que sonhei, compro um bilhete mesmo, se sonhar com números de novo.

-Compra nada, dinheiro não tá sobrando pra isso.

E Roberto ia anotando todos, em um pedaço de papel que embrulhava o pão em cima da mesa.

-Pronto, mãe, se quiser pode diminuir o volume, não saiu o meu número....

E se foi pra saleta.

Pegou o bilhete do tio, que guardara no bolso da bermuda, e sentou-se na cadeira, que havia colocado para calçar a porta.

Um a um, os números foram sendo conferidos. E a cada um o coração saltava. Chegou ao primeiro prêmio. A mão até já tremia. Se soubesse que iria ficar nervoso desse jeito, não teria aceitado a tarefa, pensava.

O coração já nem pulava, corria em disparada. Olhou de novo, não podia ser! Todos conferiam! E era o primeiro prêmio!! Algumas lágrimas o impediam de ver direito. Seu tio ia morrer de Alegria.

-Morrer???

-Meu Deus do Céu! Virgem Maria! Você tem certeza?

-Tenho mãe. Mas como vamos contar pra ele?

-Nossa Senhora Aparecida! Ele vai morrer mesmo quando souber...e chorava copiosamente.

-Vamos esconder isso dele. Não queremos perdê-lo, não é mesmo?

-Claro que não, mãe. Mas ele tem direito de gozar desse dinheiro. Pode até se tratar nos Estados Unidos e ficar bom.

-Nào, meu filho. O caso dele não tem cura, em lugar algum do mundo. É só uma esperança que ele alimenta.Tem os dias contados. Só eu e seu pai sabemos disso. Muitos médicos já falaram conosco.

-Vamos fazer assim então: contamos só pro pai e, aos poucos, devagarinho, um tantinho por dia, contamos a ele. Ou quem sabe vou na lotérica e digo que o bilhete é meu? Não, não adianta. Mentiras têm pernas curtas. Ele ficaria sabendo, um dia, que seu bilhete foi premiado. Deus me livre de ele pensar que eu roubei dele! O que fazer mãe? É muito dinheiro!

-Mãe!Mãe! Era Tininha, a caçula, correndo esbaforida e entrando na cozinha feito furacão.O pai tá chamando vocês, venham ligeiro!

Mãe e filho saíram às pressas atrás de Tininha, em direção ao rio.

-Olha mulher. O Pedro...filho, veja seu tio...soluçava, lágrimas molhavam as faces, corriam pelos vincos como o rio estreito.

Estatelados, olhos arregalados, mãe, filho e Tininha olhavam o corpo do tio Pedro, recostado na árvore. Olhos fechados, peixes caraminguados na cesta.

-Meu Deus! O que aconteceu? gritou a mãe.

Só então Roberto viu seu João, que, além da padaria, tinha uma pequena casa que vendia quinquilharias e bilhetes de loteria.

-Hoje ouvi o resultado da loteria. E, como sempre faço anotei os números. Quase não vendo nada e lembrei que o seu Pedro havia comprado o último. Lembrei do número porque ele me disse que sonhara com ele. Até me pediu que cuidasse isso pra ele. Vim correndo quando vi que o bilhete dele fora o sorteado. Quando estava contando pra ele, colocou a mão no peito e me pediu que o ajudasse a sentar debaixo dessa figueira. Foi o que fiz e fui correndo chamar vocês.

Roberto, tentando conter a emoção, olhou para o tio.

-Pai, mãe...ele está sorrindo...



Lizete Abrahão
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