Jaime costumava sair do trabalho às 18:00 horas,
geralmente passava num barzinho do centro, o "Gole
-Gole", um reduto pouco convencional para os pa-
drões conservadores. Adorava tomar umas cervejas com espetinho de carne e prosear coisas vulgares.
As sextas-feiras, era comum acertar suas investi-
das amorosas - tinha uma lábia de mestre. Os rapa-
zes com quem conversava, dificilmente recusavam um
convite para conhecer o seu flat (apartamento?).
Mulheres nem pensar. Dizia que não eram a razão da
existência dos homens, e sim, a existência da per-
da da razão nos homens. "Lá vem o discurso feminis
ta"- dizia - "vivemos a revolução sexual a todo
momento". Jaime jurava que o mundo era bi, e não
gay. Todas as concepções sobre sexualidade humana,
eram vinculadas ao machismo e o feminismo. Os discursos que monopolizavam religiosos, médicos e
curiosos. As ocasiões para se discutir este assun-
to eram muito mais "resolvidas" no mundo de Jaime.
Nunca houve para ele os paralelos entre limitação
piscológica e física, ou seja, acreditar em teo-
rias de um hetero acerca do comportamento homos-
sual. Mas não significa que Jaime repugnava as mu-
lheres. Ele só passou a dividir com elas suas pre-
ferências...
Jaime costumava sair do trabalho às 18:00 horas,
quando não ia no bar, tinha uns "esquemas" em ou-
tros lugares. As sextas-feiras, quando suas aven-
turas prosperavam, só ia na sexta seguinte. Eram
incontáveis os homens casados na lista de Jaime:
o doutor Fernandes, o pedreiro José, o padeiro Rui, o alterofilista e lutador de karatê Ronaldo,
marido da gatíssima modelo Andréia Pontual etc.
Bem, as descobertas humanas não se restringem a
classe social, e talvez seja por isso que este fun
cionário público mamava confortavelmente nas tetas
do Estado. No bom sentido, lógico, afinal ele
tinha todas as regalias possíveis como um servidor
exemplar para o contribuinte. "O mundo hetero e
gay pagam as contas do mundo bi". O salário de Ja-
ime possibilitava a companhia do melhor "Lover-
Boy" do mundo.
Certa noite, ao receber um belo rapaz em seu
flat, Jaime dividiu com ele duas garrafas de vinho
e umas massagens na genitália. Após uma surra de
lençóis molhados, o conquistador dormiu como um
carneirinho solitário. O então desconhecido rapaz
aproveitou a circunstância de seu sono para pegar
sua carteira com algum dinheiro. Não satisfeito,
o benfazejo moço quebrou as duas garrafas de vinho
no crânio de Jaime. Limpou as mãos, colocou a car-
teira no bolso, abriu a porta e silenciosamente
foi embora.
Morria definitivamente mais uma mente brilhante.
Alguém que nunca abriu mão de suas idéias libe-
rais. Todo o impulso de uma carreira vertiginosa
para o avanço de uma sociedade mais democrática
sexualmente. Sexo não é cultura, é amor. Indepen-
dente de quem o criou e sua vontade.
Agora só um indesejável cadáver revolto em sangue
misturado com tecidos e vidro. Outrora, tinha sido
um ser fantástico, um cara legal. Falta de cuida-
do, sinônimo de excesso de confiança, seria isso?
A noite sempre nos proporciona supresas escuras.
Você não acordará deste pesadelo Jaime. Boa noite
Cinderella.
