Usina de Letras
Usina de Letras
446 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62192 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10352)

Erótico (13567)

Frases (50598)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->O professor e a rosa de Hiroshima -- 09/05/2002 - 21:27 (Marcelo Rodrigues de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O professor e a rosa de Hiroshima.
Marcelo Lima


Um senhor oriental aproximou-se de mim e com um gesto, pediu para que eu lhe desse um espaço. Queria sentar-se no único banco que ainda pegava o sol da tarde.
Agradeceu e me disse com uma cara feia:
- Nunca tomei injeção. Tomei a de gripe e fiquei doente.
Sorri. Perguntei algo sem importància o que ele respondeu com um sorriso. Completou afirmando que precisava de um pouco de sol para melhorar.
- Não tomo remédio. O corpo tem que curar sozinho.
Estávamos esperando a abertura das portas da sala de cinema, para a exibição do filme japonês Instinto, de Kaneto Shindo.
Guardei um livro que estava lendo e fiquei reparando nas pessoas. Um pensamento que eu tivera há alguns dias atrás me veio a cabeça: "As pessoas são mais importantes que os livros". Não sei por que está frase veio, assim, do nada. Só sei que não conseguia esquece-la.
Abriram as portas. A sala estava repleta de japoneses. Todos de terceira idade. Sabem aqueles senhores e senhoras orientais que vemos andando na Liberdade? Eram eles.
Apagam-se as luzes. Era a história de um professor que estava em Hiroshima na hora em que jogaram a bomba nuclear. Sobreviveu, mas ficou impotente. Isso era terrível para esse homem de meia idade que via casais de namorados por todos os lados, se abraçando aos beijos.
O filme trazia várias imagens do inverno japonês. As lagoas congeladas, as árvores secas de tanto frio. Uma senhora que estava na minha frente não tirava os olhos da tela. Nem se mexia. "Deve estar morrendo de saudade de sua terra", pensei.
Mas o filme não girava apenas em torno do professor. Sua empregada, Nobu, se sensibilizou com sua história e resolveu ajuda-lo. Contratou três jovens da vila onde morava e pediu que eles fizessem um ritual que há muito tempo não era realizado no Japão.
Era bem simples. Os rapazes ficariam rodeando a casa dela, miando e com seus rostos cobertos, tentariam entrar. Pelo o que tudo indicava, esse era uma artimanha muita antiga utilizada pelos homens solteiros que queriam fazer sexo com mulheres viúvas, caso de Nobu.
Ela convidou o professor para que fosse a sua casa, que ficava em outra vila. Assim poderia ver esses rapazes miando. É claro que ela não disse que era tudo combinado.
- Mas esse é um hábito tão antigo, disse o professor.
A mulher apenas respondeu que na sua vila isso ainda acontecia.
- Quem sabe isso possa excita-lo, disse entre sorrisos.
O professor foi e ouviu aqueles rapazes miando e forçado às portas. Não passou disso.
Fiquei imaginando que aquelas senhoras e até mesmo os senhores estivessem indignados. O filme havia sido produzido em 1996 e eles eram "antigos". Mas o filme não era pornó e ao contrário do que muitos podem imaginar, era uma história de amor. À maneira japonesa. Até mesmo as cenas que poderíamos chamar de mais picantes tinham uma delicadeza que beirava a infantilidade. O ato de fazer amor era tão suave e inocente que era impossível ver qualquer maldade.
Aquilo realmente deve ter excitado o professor. Na outra noite foi para a casa de Nobu. Cobriu o rosto, colocou seus óculos escuros e começou:
- Miahuhuhuhuh!!! Miahuhuhuhuh!!!
Isso tirou uma gargalhada de todos que estavam assistindo. Mas não poderia ser por menos. Os jovens sussurraram: "Miauuu", e ele gritava "Miahuhuhuh.
Ele forçou a porta e conseguiu entrar. A mulher, de olhos fechados, se entrega completamente. Retorna feliz para casa. No final deste mesmo dia volta para fazer a mesma coisa. Só que desta vez a mulher disse um nome de um homem desconhecido. Faz amor com ela e fica indignado com essa "traição". Para ele, nenhum daqueles outros homens que ouviu miar naquela primeira noite havia dormido com ela. Ela disse. Ele havia confiado nela.
A partir deste momento, o professor começou a trata-la muito mal. Disse que ela era uma devassa. Isso, mesmo depois de ouvir-la dizer que queria ter o homem que amava ao seu lado. Era ele. Não percebeu e intimamente deve ter achado que era o homem que ela se referira na noite anterior.
Na sala, ninguém mais falava ou dava risada. Todo aquele emaranhado de sentimentos começam a fazer sentido.
Olhei para a senhora que estava na minha frente e pensei que tipos de recordações aquele filme poderia estar trazendo para ela. Imaginei o que possa ter vindo à sua cabeça; algum amor que poderia ter deixado em seu país de origem; a tristeza da despedida de sua terra. Ela poderia estar triste até com a tristeza dos personagens. Poderia ser a sua história, ali naquela tela.
A última coisa que Nobu disse ao professor, que iria viajar para Tóquio no outro dia, foi com uma mistura de tristeza, pena e raiva daquele homem:
- Vê se não vai olhar para nenhuma foto do cogumelo.
Ela se referia a imagem da bomba nuclear que parecia um cogumelo ao ter explodido. Isso realmente o atormentava.
Quando ela estava no meio do caminho, ouviu um grito. Era do vizinho que havia achado um casal de namorados mortos no meio do mato. Talvez tivessem sido picados por uma cobra. O visinho correu para chamar o professor e quando voltaram, Nobu tinha aproximado os corpos como se estivessem dormindo, apaixonados. Ao longe o professor a viu, triste e com um último olhar, virou-se de costas e se foi.
Ele também foi embora. Depois de algum tempo, volta e descobre a casa suja. Diz a um vizinho que telegrafou para que ela continuasse a arrumar a casa, coisa que não fez. Logo mais tarde dizem que estava morta. Correu para o hospital e ouviu que ela havia morrido de gestação fora do útero. Não podia acreditar
Correu para a vila de Nobu e encontrou os três rapazes que iam trabalhar na lavoura. Disseram que foram contratados para poder ajuda-lo e que não havia mulher mais digna naquela região, o que alias era seu principal atributo.
Quando estava chegando em casa, o filho de Nobu, que estava na faculdade, chegou com uma carta de sua mãe ao professor. Ele agradeceu, o garoto despediu-se e então leu as poucas linhas. Ela escreveu o quão especial havia sido tudo o que tinha acontecido.
Estarrecido, chora por descobrir que ela o amou e que estava morta por sua causa.
O filme acaba como começou, neve e tristeza.
As luzes se ascendem e as pessoas começam a ir embora. A senhora que estava na minha frente, o senhor da injeção contra gripe. Suas histórias tinham acabado ali mesmo, ao menos para mim, como no filme.
A minha frase voltou novamente e podia começar a entende-la agora: "As pessoas são mais importantes que os livros". E até me veio uma explicação do por que ter pensado nisso. Estava lendo um livro com seus personagens, quase tão reais quanto às pessoas e ao fecha-lo reparei que a vida estava ao meu lado, não dentro daquelas páginas.
Como a vida destas palavras que logo vão morrer, assim que eu acabar de escreve-las e morrer mais uma vez quando as pessoas deixarem de lê-las.
E com uma das últimas frases que ouvi naquela tarde, antes da sessão:
- Estou com o corpo todo "dololido", disse o senhor da injeção passando a mão no corpo e olhando para mim.
"Dololido" estou eu agora, sabendo o quão vazio pode ser o que escrevemos.




Ps.
"A JOSÉ GOMES MONTEIRO,

Meu amigo,
Peço licença para inscrever o seu nome na primeira página deste livro. Esta fica sendo para mim a mais prestante da obra. As outras são futilidades; porque lágrimas e alegrias de romance é tudo fútil.

No Minho, em 1864.
CAMILO CASTELO BRANCO".
(Amor de Salvação)
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui