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Contos-->D E S E N L A C E -- 19/07/2002 - 10:30 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
D E S E N L A C E
“A mulher não tem poder sobre seu
próprio corpo, mas tem-no o marido.”
Paulo aos Coríntios 5-7.


Pela primeira vez começava a admitir que o casamento não é exatamente o culpado do insucesso humano. Havia lido num desses terapeutas, talvez Lacan, que a dificuldade reside no desrelacionamento. O desgaste da relação conjugal, a mesmice do cotidiano, o monótono ideário matrimonial. Mas encontrava sempre razões mais profundas, quem sabe para sublimar um pouco a eterna dúvida: estou indo no caminho certo?
Começara uma terapia, duas vezes por semana. No início, tudo bem. Na sexta sessão, de saco cheio, apagou o cigarro onipresente, fitou a cara do terapeuta: sequer deu um boa-noite! Se lá não voltou mais, tampouco recebera telefonemas convocando-o a continuar, sob a atenção delicada da atendente. Neste ínterim, voltou a freqüentar o clube, ele que prometera a si mesmo não voltar mais por lá (perdendo uma aposta depois), para não sentir o desprazer de ver e ouvir aquela mulher que fala como se tivesse um ovo quente dentro da boca. Chata, grudenta e, pior, supunha que entendia de jazz, quando o convidou para ouvir, certa vez, Ray Conniff.
- Olha Beatriz: jazz é outra coisa. È Miles Davis, Dizzy, Coltrane, Ella Fitzgerald... e por aí vai. Me desculpa, gente boa, não estou querendo
ser chato...mas...
- Tudo bem.... tudo bem, sabichão. Olha Israel, você é quem entende do riscado, do metiê. Sou apenas uma diletante, amadora. Também não é pra levar tão a sério, né? Você é rigoroso demais com você. Relaxa, homem. A vida é séria, mas há de ser levada na brincadeira, ligado?
Encontraram-se todos na churrasqueira do clube. Todos, menos o cara chato, funcionário da companhia de meio ambiente. O baixinho do Banco, os gêmeos da casa rosa, o torcedor do Sport inveterado, Israel e a eterna Beatriz, com sua amiga do Consulado a entremear no diálogo, alguma expressão em italiano.
- Oi Israel. Como é que tá essa depressão, porra? escusa caro. Foste ver o filme húngaro? Porretíssimo!! Belésimo!!
- Oi Isadora. Você sempre a mesma... sempre a irreverente!
- Querias que eu fosse como? Feito a tua ex? E finalmente, resolveram o maldito imbroglio?
- Não. Ainda não. Mas fique você sabendo que eu não vou mais voltar pr’aquele psicanalista de cachimbo, não, estás sabendo?
Enquanto trocavam figurinhas, iam chegando os personagens habituais do Clube. Os “pontuais do viver comum”, como na letra de Sérgio Ricardo. Israel está bem melhor e resolve imediatamente tomar uma, que segundo ele, é para tornar os outros mais interessantes. As carnes vão sendo temperadas a sal de pedra... peça por peça. O aroma da carne, no fogo crepitante, trouxera-lhe à memória, os bons tempos, domingos ensolarados, em sua casa, rodeado de filhos e mangueiras, no quintal. A pinga de cabeça, trazida de Areia, na Paraíba. A gozação dos amigos com seu uso diuturno do robe de chambre, presente de aniversário de casamento de Nair, sua mulher, observando-o contrita, a baforar o cachimbo, presente de aniversário.
A algaravia dos comensais, não deletava de sua memória, essas horas inesquecíveis, indeléveis. Alguém faz-lhe alguma pergunta... e ele não ouve. Apenas ouve o eco dos fins-de-semana, ao lado de Sandríssima, primeira namorada, primeiro alumbramento. Beatriz, a eterna candidata a candidata a namorada dele, pula de lá da cadeirinha de alumínio e brada:
- Comequié tchurma?! O que é que a gente vai comemorar hoje por aqui? Será o desenlace do companheiro de lutas? Ou será o prognóstico da próxima relação? Hahahahahahahahaha.
Cabisbaixo, concentrado noutra coisa, Israel nada responde. Apenas meneou a cabeça de um lado para o outro, como que a negar seu papel de ex-marido, ex-isso ou ex-aquilo.
José Maria, o baixinho do Banco do Estado, dá um pinote de sua cadeirinha e esbraveja:
- Hoje a gente vai comemorar minha eterna e irrecuperável solteirice... minha liberdade permanente. Libertas quae sera tamen!!!!!!!
Gargalhando, espalha farofa de ovo pra todo lado. Isadora, desquitada e dita liberal, olha o interlocutor de maneira desdenhosa e detona:
- Você, Zé, devia se dar o respeito! Homem solteiro com 43 anos de idade... hum hum... cuidado pra não te confundirem por aí... né gente? Porca miséria!!!!!
- Ora mulher.... você vá pro inferno de Dante... que é o melhor lugar presse tipo de gente... você é que tem que se dar o respeito!!!
Hahahahahaha!!!
Nenhum dos outros deu qualquer atenção a esse diálogo. Israel continuava amuado, cabisbaixo, macambúzio. Saira para lavar as mãos e quando voltou, estava na berlinda, que é uma brincadeira usada habitualmente pelo grupo de amigos. Ele ouviu a proposta, covardemente feita pelos cumparsas, sentou no meio do círculo feito com as cadeiras de alumínio. Beatriz sentou-se à sua frente de propósito, mesmo porque sempre tivera uma caidinha por ele. Um silêncio súbito, seja de respeito, seja de sarcasmo... Todos miravam o escolhido, como se estivesse numa arena prestes a ser devorado pelos leões do interrogatório, fosse qual fosse. Israel enxugou as mãos com uma toalha que Beatriz lhe entregara, passou as mãos no rosto, olhou um a um os inquiridores, detendo-se um pouco mais nos olhos claros de Beatriz, cujo brilho inspirara-lhe a dizer:
- OK. Estou pronto!!
Daí em diante, Israel percebera, diante de sua impotência, sua angústia e sua introspecção, que já poderia constatar definitivamente, que não fora o casamento ou seus percalços, a causa do seu estado d’alma interior. Residia aí precisamente o verdadeiro desenlace de sua existência.




WALTER DA SILVA
Olinda Pernambuco 1998
Extraído de “22 contos de rés”®.
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