Eu queria encontrar algo
para amar nesta cidade fria
que fosse livre do vidro,
do aço, de tudo que é perecível
Eu atravesso as ruas compridas
que nem sei onde terminam,
acompanhada da multidão fatigada -
monstro de várias pernas e braços,
acéfalo, púrpuro- violáceo,
à procura de algo para amar
Às vezes, paro diante de uma vitrine,
observo os manequins da moda,
que olham para mim- tão tristes!
E o que os manequins me falam?
Como a multidão,eles são também vazios e secos
Como eu, talvez, de amor, pedintes
Como as sepulturas, belos, à luz do crepúsculo
sobre suas peles com brilho de cera
Eu procuro algo para amar
neste país morto, sem alma
Algo incorrupto. ÚNICO.
Talvez, a água da chuva
banhará, hoje, as coisas do mundo
Talvez o sabonete do anúncio
lave as carnes das gentes
Talvez as lágrimas de todos
os dias, algo ainda decente,
altere a agenda deste povo
Eu procuro algo para amar
Aceito, algo presumidamente puro,
de segunda mão, ordinário,
com falso lustro :
"um pobre digno"
Como teu beijo,
aquela noite-
ávido e intenso
que não sai não sai
com nenhum lenço
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