E haverá dias após dias,
em que entrarei aqui,
neste hospital,
através desta mesma porta velha,
sempre reformada,
cheirando à tinta, à resinas,
à cola, à chumbo, à tabaco
Percorrerei os mesmos escuros
corredores pintados de branco,
vestida no mesmo jaleco-
simples e severo,
acima do joelho
E usarei o mesmo olhar
de cansaço e de espanto
com o mesmo sorriso
caído nos ângulos
igual a uma ave que anda no chão
E haverá dias após dias...
Apesar dos modismos de cada época,
dos círculos dos astros,
das humanas filosofias
da matemática e da estatística,
eu ouvirei as mesmas queixas
e os mesmos pecados,
ditos no mesmo tom de voz-
monótono , em exercício,
pelas mesmas bocas
secas e famintas,
e responderei com as mesmas palavras
experientes, cautelosas,estudadas
Talvez, até, eu rirei
das mesmas piadas
E fingirei pensar
diante das charadas
E haverá dias após dias
que eu me repetirei
que eu me repetirei
até me decorar
sem precisar contar nos dedos
mais de uma vez
E me tornarei automática,
precisa, eficiente, SEM NERVO
Mas haverá "os dias"
em que procurarei um distúbio benigno
Uma dúvida
Um perigo
Algo que me ofereça
uma opção
Pois, eu dispenso vossos mapas
e vossos caminhos
Quero apenas um céu de astros
sobre minha cabeça como uma coroa
E amarrarei meus versos
com uma corda de louros
e sairei por ela
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