Para esclarecer sobre a crise econômico-financeira que beira à recessão do maior país mundial e que está levando o mundo para a catástrofe, vale a pena ler o artigo do grande economista norte-americano, Paul Krugman, que acaba de receber o prêmio Nobel de Economia.
+ Artigo extraído de O Globo de 04 / 10/ 2008
Á BEIRA DO ABISMO
Há apenas três semanas ainda era possível argumentar que o estado da economia americana, embora claramente em situação difícil, não era catastrófico; que o sistema financeiro, embora sob estresse, não entrara em total colapso; e que os problemas de Wall Street não estavam afetando muito a Main Street (a economia real). Mas isso foi naquele momento. As notícias econômicas e financeiras, desde meados do mês passado, vêm sendo muito, muito ruins. E o que é verdadeiramente assustador é que estamos entrando em um período de crise abissal, com uma débil e confusa liderança.
A onda de más notícias começou no dia 14 de setembro. Henry Paulson, o secretário do Tesouro, achou que poderia sobreviver deixando o Lehman Brothers, o banco de investimentos, falir. Ele estava errado. O infortúnio dos investidores encurralados no colapso do Lehman criou pânico nos mercados financeiros, que só cresceu no compasso dos dias. Os indicadores de estresse financeiro saltaram para o equivalente a 42°C de febre, e boa parte do sistema financeiro simplesmente fechou.
Há evidências crescentes de que a crise financeira está se espalhando para a Main Street, com pequenos empresários tendo dificuldade em obter financiamento e vendo suas linhas de crédito sumirem. Os indicadores de emprego e produção industrial pioraram consideravelmente, sugerindo que, mesmo antes da queda do Lehman, a economia, cujo ritmo vem desacelerando desde 2007, estava caindo no precipício.
O quão ruim é a situação? Em geral, os sóbrios estão soando apocalípticos. Na quinta-feira, o operador de títulos e blogueiro John Jansen disse que as condições atuais são o "equivalente do reinado de terror na Revolução Francesa", ao passo que Joel Prakken, do Macroeconomic Advisers, afirmou que a economia parece estar "à beira do abismo". E as pessoas que deveriam estar nos levando para longe desse abismo estão fora, almoçando.
A Câmara provavelmente votará na sexta-feira a última versão do pacote de US$ 700 bilhões. Espero que ele seja aprovado simplesmente porque estamos em meio a um pânico financeiro, e uma nova rejeição tornaria o pânico maior. Mas isso é só outra forma de dizer que a economia agora é refém da incompetência do Departamento do Tesouro.
Pois o fato é que o pacote em questão é inevitável. O sistema financeiro está sob forte estresse há mais de um ano, e planos de contingenciamento deveriam ter sido preparados para entrar em ação no caso de colapso dos mercados. Obviamente, eles não existiam: o pacote de Paulson foi claramente feito em um momento de pressa e confusão. E as autoridades do Tesouro ainda estão devendo explicações sobre como o plano deverá funcionar, provavelmente porque elas mesmas não têm a menor idéia do que estão fazendo.
Apesar disso, como disse, espero que o pacote seja aprovado, pois do contrário veremos um pânico maior nos mercados. Porém, na melhor das hipóteses, o pacote apenas nos dará mais tempo para buscar uma solução real para a crise.
E isso coloca a questão: dispomos desse tempo?
Uma solução para o nosso assombro econômico terá que começar com um resgate do sistema financeiro melhor concebido - um que certamente requererá que o governo americano assuma parcialmente a propriedade desse sistema, como fez o governo da Suécia no início dos anos 90. Apesar disso, é difícil imaginar o governo Bush dando esse passo.
Também precisamos desesperadamente de um pacote de estímulo econômico que inverta a retração do consumo e do emprego. E dessa vez é melhor que seja um plano sério, que não dependa da magia do corte de juros, mas, em vez disso, invista dinheiro onde é necessário. Porém, é difícil imaginar o governo Bush, em seus momentos finais, supervisionando essa iniciativa.
Portanto, teremos provavelmente de esperar pelo próximo governo, que estaria mais inclinado a fazer a coisa certa - embora nem mesmo isso seja garantido, devido à incerteza sobre o resultado eleitoral.
E embora a eleição esteja a apenas 32 dias, levará quase quatro meses para que a nova administração assuma. Muita coisa errada pode - e provavelmente irá - acontecer. Porém, uma coisa é certa: é melhor que o time econômico do próximo governo esteja pronto para começar o caminho correndo, pois desde o primeiro dia encontrará a pior crise econômica e financeira desde a Grande Depressão.
PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times". O artigo foi escrito antes da aprovação do pacote pela Câmara