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Contos-->vôo sobre o Afeganistão (um conto de Guerra) -- 17/07/2002 - 10:54 (Wesley Nogueira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ross estava bem preso ao assento, aguardando seu avião ser enganchado na catapulta do convés do Porta-aviões, o mar estava relativamente calmo e o convés balançava pouco para os padrões da marinha, sentiu o ligeiro puxão da catapulta esticando a perna da frente do trem de pouso e olhou para baixo, pelo canopy do F-18, viu o marinheiro lhe fazer o sinal padrão de que estava preso e que poderia acelerar os jatos ao máximo.

Pelo espelho viu as chamas alaranjadas batendo na antepara atrás do avião, um segundo sinal o fez prender a respiração e soltar os freios das rodas, a catapulta começou a arrastá-lo pelo convés numa velocidade vertiginosa, o convés desaparecendo sob seu avião. Em dois segundos ele estava no ar, a quatrocentos quilômetros por hora e acelerando, as rodas sendo recolhidas e o potente avião subindo em uma espiral à direita, seguindo as rodas, os flaps das asas também se recolheram e o avião acelerava cada vez mais, apesar de continuar a subir, com a potência máxima dos motores .

Seu avião estava bem pesado, sob a barriga levava uma única e pesada bomba, sob cada asa um tanque de combustível dos grandes, um míssil em cada ponta de asa completava seu armamento. Sua larga curva em espiral o levava a um ponto pré-determinado onde encontraria o resto da esquadrilha, lançados um a um, os procedimentos de vôo tinham de ser bem calculados para os aviões entrarem em formação no ponto, altura e hora certas, não que isso fosse imprescindível para o bom andamento da missão, mas eles eram pilotos, e pilotos da marinha, e tinham seu orgulho próprio a ser resguardado. Como num passe de mágica ao passar uma camada de nuvens viu o avião de seu ala bem à direita, no ponto exato onde ele deveria estar; à esquerda, um pouco mais distante, o segundo par de F-18s estava em formação. Reduziu a potência para velocidade de cruzeiro, afim de economizar combustível e fecharem mais a formação.

Repetindo a tradição dos pilotos da marinha e mantendo o silêncio de rádio, balançou as asas do seu avião para indicar aos outros aviões que ele lideraria a esquadrilha. Acelerou um pouco e verificou, na tela de navegação, que estavam rigorosamente no curso, e não poderia ser diferente, já que os computadores de bordo e a navegação por satélite não os deixariam sair da rota.

Ele se orgulhava de ser um dos melhores pilotos da marinha, treinado para lançar suas bombas com precisão, voando baixo, contornado montanhas e desviando de árvores, evitando mísseis e ainda combatendo outros aviões pelo céu. Mas essa missão era diferente, considerava-se como um motorista de um caminhão de entregas, voando uma longa distância para jogar uma bomba sobre um alvo que quase não tinha defesa, a foto do avião espião mostrava apenas um conjunto de barracos e tendas, protegidos apenas por envelhecidas metralhadoras que não tinham sequer alcance para atingir os aviões se esses lançassem as bombas na altitude prevista.

Atacar inimigos tão fracos o fazia questionar a validade da missão, jogar uma bomba sobre um acampamento no meio do nada, suposto quartel de terroristas do Al Qaeda, não era missão para a elite da marinha.

Olhou no display do data-link as informações passadas pelo avião de radar, que estava a algumas centenas de quilômetros de distância; na tela via seu próprio esquadrão, ainda sobre o mar, outros pontos demonstravam que havia outros aviões num raio de 300 quilômetros em torno do avião radar; um toque no botão revelou o detalhamento, a leste um par de Mirages indianos e a nordeste uma esquadrilha de F-16s paquistaneses, nenhum dos grupos representava ameaça para o esquadrão dele, tanto estavam muito longe como nenhum dos dois grupos fossem inimigos dos Estados Unidos, embora fossem ferrenhos inimigos entre si, talvez os dois grupos apenas se testavam sem mesmo saber que estavam sendo observados pelos americanos.

O vôo sobre o mar é monótono, nada de muito interessante para se ver, mas ele logo veria a costa paquistanesa, bastava seguir um corredor aéreo restrito sobre o Paquistão, a fim de não desrespeitar os acordos de neutralidade, para poder chegar ao Afeganistão era necessário atravessar o Paquistão, e aparecer bem claro nas centenas de radares deles, o que fazia as luzes de aviso do avião piscarem como loucas, especialmente porque os radares chineses que o Paquistão usava eram tratados como hostis pelo software de defesa do F-18.

Ross desacelerou um pouco o jato e deixou seu ala o ultrapassar; sem romper o silêncio de rádio, fez um gesto para Rick, seu ala, a fim de curvarem para a direita, seguindo a nova direção do curso, passando por fora das aglomerações urbanas do Paquistão e, afinal, melhor não incomodar o trafego aéreo civil, pois o segundo par de aviões agora estava a algumas dezenas de quilômetros atrás deles.
Enquanto ele e Rick atacariam com bombas pesadas, o outro par de aviões atacaria com foguetes e bombas em cacho, mais adequados a alvos pequenos, como infantaria (ou civis, pensou, num calafrio) correndo em campo aberto, e a distância entre os grupos fora cuidadosamente calculada para pegar as tropas inimigas enquanto elas saíam dos abrigos após o primeiro ataque, quando o segundo par atacasse, ele e Rick passariam de novo sobre o alvo para avaliar e fotografar os resultado da operação, voltando direto para o Porta-aviões. Na remota possibilidade de um dos aviões ser atingido, havia um aeroporto de emergência em território paquistanês.

Uma luz de alerta piscou no painel, teoricamente o avião entrou sobre o território inimigo, deixando o Paquistão e entrando no Afeganistão, a paisagem em si pouco mudou, mas os sentidos se aguçaram mais um pouco, o guerreiro voltava a predominar sobre o homem comum, o alvo estava a apenas cinco minutos de distância agora, Rick tomou posição a cerca de 300 metros de distância e um pouco abaixo, a fim de evitar qualquer problema de colisão caso precisassem manobrar de ultima hora; naquela velocidade, eles não tinham nem dois segundos para desviar um do outro, mesmo nessa distância.

Próximo dali, um pequeno avião robô, também americano, um predator do exército, monitorava o movimento do acampamento e, através do satélite, enviava as imagens do acampamento aos próprios aviões. Ross viu que sequer as torres de metralhadoras estavam guarnecidas, ia ser mesmo muito fácil, praticamente um massacre.

Mas Ross lembrou do seu Tio Ralph, Bombeiro de Nova Iorque, que falara com ele ao telefone no dia 11 de setembro, vivo após a tragédia, mas emocionalmente arrasado; Ralph pedia aos prantos por vingança, vingança contra quem eles sequer sabiam, mas queriam vingança, e parece que Ross agora estava de posse do cajado da vingança, na forma de uma bomba de mais de duas toneladas de puro explosivo, capaz de arrasar tudo num raio de 200 metros de onde caísse. Ross mandara pintar na bomba os dizeres “PARA BIN LADEN COM OS CUMPRIMENTOS DO FDNY”, batera uma foto dela e mandara para Ralph.

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Hadji arrastava a teimosa e sobrecarregada mula por entre os pedregulhos do caminho, suas roupas empoeiradas e imundas escondiam um homem forte, porém magro pelas privações que passava, tinha pouco mais de 30 anos, mas qualquer ocidental diria que ele tinha cinqüenta ou mais, a barba suja no rosto e a falta de vários dentes contribuíam para deixar sua aparência mais miserável ainda. Mas eram tempos difíceis, aliás, a vida dele sempre fora difícil, nascido no meio de guerras e fome, crescera lutando contra os Russos, levara até uma bala russa na coxa e sobrevivera a explosão de uma mina, sua irmã não tivera tanta sorte, morrera queimada pelo napalm lançado de um avião russo, ou melhor, soviético, para ele não importava, ele nem sabia ler, ainda mais em caracteres cirílicos ou ocidentais.

Depois que os russos reconheceram a derrota e se foram, ele também não viveu paz nenhuma, facções lutavam pelo poder, essa área foi dominada pelos talebans, os estudantes, como o nome dizia, e ele coxo da perna ferida, foi recrutado para trabalhos fora da linha de frente, melhor para ele e para a mulher que, antes dos talebans chegarem ao poder, até chegara a estudar um pouco, e sabia ler um pouco melhor que ele. Dos quatro filhos que tiveram, dois ainda estavam vivos, o mais velho morreu com uma mina terrestre enquanto procurava alguma lenha para queimar e o mais novo morrera de fome, foi a vontade de Alá, como disse o Mulah do vilarejo.

Ele arrastava a mula carregada de tonéis de água, reservada para beber, retirada de um poço a alguns quilômetros de distância, tinha de abastecer o quartel dos Sauditas que ficava quase dentro do vilarejo, não era de todo ruim, os soldados lhe ofereciam comida e mesmo algumas moedas pelo serviço, já podia ver o portão e a torre da metralhadora, quase sempre desguarnecida, já que estavam mesmo meio distantes da linha de frente, o quartel estava apenas com sua dotação normal, ele já o vira mais agitado, quando jovens de várias nacionalidades treinavam nos campos de tiro, mas agora, talvez só duas dezenas de soldados entre talibans e sauditas estivessem lá.

Hadji começou a ouvir um zumbido trazido pelo vento, ele já ouvira o zumbido várias vezes, quando os soviéticos dominaram seu país, era um avião a jato, o zumbido era parecido com o dos migs que ele aprendera a contar, bem diferente do ruído encorpado dos helicópteros, ele começou a procurar, aviões eram bem raros nessa guerra civil, ficou curioso para ver que tipo era, viu dois pontos escuros vindos do horizonte, e viu bem mais próximo um outro objeto voador, ele não teria como saber que era o pequeno avião sem piloto Predator, bem mais discreto e silencioso, que monitorava os movimentos do acampamento, mas ele viu aquela coisa estranha e pequena voando por perto, e imaginou o que aquilo fazia ali.

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Ross tinha as imagens bem nítidas do Predator em sua tela, pela assinatura térmica, viu que havia um depósito e dois veículos motorizados cobertos por uma tenda, escolheu aquele ponto como alvo para sua bomba, por parecer um depósito de munição ou algo assim, de relance viu o que parecia um homem puxando um cavalo, ele não tinha como perceber que era uma mula e não um cavalo...

Os pontos foram crescendo e Hadji viu dois aviões, não se pareciam com os migs ou qualquer outro avião conhecido, esses eram bem diferentes, não lembrava de ter visto nunca desses modelos, ele notou que vinham em sua direção, viu ainda ao longe desprenderem-se duas coisas das asas, enquanto cresciam à sua vista, aproximando-se a grande velocidade, notou que eles começaram a subir e viu um ponto maior se desprender da barriga do avião e voando em sua direção.

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Escolhido o alvo, Ross descartou os tanques auxiliares debaixo das asas, ia entrar em combate e qualquer peso ou arrasto extra o prejudicaria, ligou mira computadorizada e a zerou no alvo, apertou o botão de liberação em consignação e iniciou uma subida para dar um melhor momentum angular para o lançamento, só soube que a bomba tinha sido lançada quando sentiu o avião embicar para cima, livre do peso, só então olhou para o painel e viu a mensagem de lançamento confirmado, seu avião, livre do peso, acelerava enquanto subia, ele permitiu procurar pelo Rick e viu o outro F-18 curvando para a esquerda, também já livre de sua carga mortal. Ele virou à direita num círculo bem largo para aguardar o ataque do segundo par, em mais ou menos um minuto, eles chegariam pelo outro lado e voariam bem mais baixo procurando por alvos móveis.

A curva fez com que ele pudesse ter uma visão do impacto da sua bomba, uma grande explosão, seguida por explosões secundárias que atestavam que ele realmente tinha atingido um alvo válido, talvez um paiol de munições ou um reservatório de combustível.

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O horror tomou conta de Hadji ao ver o ponto se aproximando dele e se tornando maior, soltou os arreios da Mula e começou a correr da forma que sua perna deficiente deixava, pela sua experiência sabia que uma bomba daquele tamanho não se destinava a ele, elas eram reservadas a alvos maiores, e foi correndo para um grupo de rochas e para longe do acampamento, a bomba vinha em sua direção e ele fascinado, corria e olhava para ela, quando ela passou sobre ele, ainda meio alta ele poderia jurar que tinha algo escrito nela, foi tão rápido, que mesmo que ele soubesse ler aquele idioma estranho, não teria tempo de fazê-lo. Tropeçou e caiu rolando pelo chão em um desnível do terreno, ao mesmo tempo sentiu a explosão da bomba, a terra tremeu, um barulho literalmente ensurdecedor, pois seus tímpanos estouraram; naquele momento uma onda de calor passou por sobre seu corpo e incendiou uma parte de suas roupas, enquanto a onda de compressão o fazia rolar pelo chão, no meio da poeira pôde ver algo passar voando por cima dele, sua Mula, aliás, um pedaço dela, uma pedra acertou no seu rosto e ele sentiu o gosto do próprio sangue na boca, a pancada devia ter arrancado mais algum de seus poucos dentes, mas ele não tinha idéia de qual, seu cérebro parecia meio entorpecido e tudo parecia acontecer muito devagar, muita poeira e fumaça o impediam de ver que outra bomba caíra do outro lado do acampamento, o chão continuava a tremer ainda. E tudo que ele queria era pôr-se em pé, mas não conseguia, a perna doía muito, tirou os trapos queimados de cima do corpo, ficando quase nu.

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A curva levou o avião de Ross a uns vinte quilômetros de distância, ele estava atento a qualquer movimento no solo, sensores ao máximo recolhiam todo tipo de informação ao redor do avião, mas, como dizia seu avô, que também fora piloto da marinha, nada substitui os olhos para um piloto. Aproou a aeronave em direção ao alvo e viu os outros dois F-18 atacando naquele momento, explosões menores mas em grande número se espalhavam pelo acampamento, ele mesmo se sentiu tentado a dar um rasante e metralhar o alvo, mas as ordens contradiziam isso, e embora a inteligência militar tivesse dito que eles não tinham mísseis era melhor não arriscar, e continuou no mesmo nível de vôo, preparando as câmeras de vídeo para filmarem o estrago, viu pelo radar o avião de Rick se aproximando do alvo perpendicularmente ao dele, vindo do Norte, quando ele cruzasse o alvo, bastaria voltar ao nível de vôo e voltar ao Porta-Aviões. Já Ross teria de contornar um conjunto de montanhas e, se quisesse acompanhar a esquadrilha, teria de correr um pouco mais.

Com as câmeras rodando, passou sobre o alvo e supreendeu-se com as luzes de alerta, não um, mais dois mísseis foram lançados contra ele, o radar de alerta piscava como um louco, mostrando que dois mísseis, um russo SA-7 Strela e um americano Stinger tinham sido lançados, o Strela não era uma ameaça muito séria, tinha sido lançado em um envelope de vôo desfavorável, sem contar que era um míssil de mais de 20 anos de uso, e provavelmente não captaria o F-18 depois dele lançar as medidas defensivas. O stinger era uma ameaça bem maior, tinha o dobro do alcance do SA-7 e era um tanto mais moderno, mas isso tinha algo de bom, pois o stinger era tão americano quanto Ross, e ele sabia exatamente como se defender dele.

Ross lançou as medidas defensivas, eram Flares, pequenas tochas de fogo que voavam em direções diferentes do avião, confundindo e atraindo os mísseis inimigos.

Como previsto, o strela foi atraído pelos flares, Ross Mergulhou contra o solo, preocupado com o stinger, ele sabia que o stinger uma vez chegando a uma determinada altura, tem dificudades de mergulho, é o que os técnicos chamavam de olhar vesgo do míssil, o mergulho o levaria ao lado do acampamento atacado por ele, que ele sabia já estar neutralizado, mas a adrenalina no corpo o fazia suar muito dentro do macacão, não que o ar condicionado da cabine não estivesse funcionando, mas mesmo assim ele suava como um porco.

O Stinger passou a cerca de 50 metros acima e à direita, perdendo-o completamente, nem detonou, só passou pela sua visão e caiu por falta de combustível.

O avião controlado passou num rasante sobre o solo, Ross procurava sua proa de retorno quando viu de relance um homem semi-nu que se arrastava pelas pedras abaixo, pensou por um segundo em quem seria aquele homem, seria realmente um inimigo? Mas isso foi só um momento, pois logo ele pensou em voltar para o navio e para o seu mundo, esquecer aqueles momentos e rezar para não precisar fazer de novo.

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Hadji levantou a cabeça, a poeira baixando, viu um jato passando bem perto dele, os ouvidos nada diziam para ele, mas ele continuava vivo, de novo, mais um inimigo o atacara, e novamente não conseguira matá-lo, olhou a pouca distância para os restos da mula, um de seus poucos bens, mas como bom afegão, ele não lamentou a perda, apenas pensou se poderia ainda aproveitar a carne para se alimentar depois...
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