A POSTURA IDEALISTA DA MODERNIDADE EM GUERRA JUNQUEIRO (1850-1923)
João Ferreira
Parece fora de dúvida que no Grupo dos Cinco, Guerra Junqueiro foi o menos decadente, a julgar por alguns textos estéticos de sua fase pós-realista. Poeta profundamente virulento e iconoclasta em sua fase de virtuosismo realista, Junqueiro assestou impiedosas betardas contra o clero e a instituição eclesiástica decadente, apesar de sua patente religiosidade panteísta e de seu respeito pela mensagem cristã pura veiculada pelos Evangelhos. No campo político, tão pouco perdoou à instituição monárquica conforme podemos ver em "Pátria". Bem manifesta foi sua intolerância com a dissolução dos costumes expresa no "D. João". No fundo, Guerra Junqueiro era um poeta que no quadro da ortodoxia do realismo puro, pregada por Eça de Queiroz, na sala do Casino de Lisboa, em 1871, buscava de todas as maneiras a moral e a coerência nas instituições oficiais portuguesas.
Coincidentemente, quando em 1889, soavam em Coimbra os clarins anunciando guerra entre as duas alas jovens da Bohemia Nova e de Os Insubmissos, a "Revista de Portugal" que iniciava nessa altura a publicação sob a direção de Eça de Queiroz, acolhia em suas páginas o poema "Ideal Moderno" de Guerra Junqueiro.
A publicação desse poema correspondia a uma certa proclamação do que era ideal moderno. A leitura do texto dá-nos, antes de mais nada, uma perspectiva de rejeição pessimista, para em seguida fazer a defesa da idealidade da vida individual e coletiva, em tom moderno. Ser moderno, entenda-se, era conhecer, em 1889, a realidade da evolução proposta pelas teorias darwinistas defendidas em "A Origem das espécies"(1859) e também respeitar a ciência, tirando de suas leis indiscutíveis as ilações necessárias à moral social. As estrofes do poema, em sua natural e cadenciada sucessão, conduzem à necessidade da opção idealista do homem, que não é simples lodo nem verme como poderiam sugerir as teorias de Zola, mas um ser superior, como ensinava agora a nova orientação estética que dava amostras claras de saturação dos princípios materialistas de um certo realismo naturalista. Contundentemente e dialeticamente, o poema se estrutura pressupondo que "existe a luz e existe a chama" e conduz gradativamente à pergunta insistente: "que desejas tu ser", "o que aspiras a ser", "o que desejas tu em teu sonho idealista", "qual é o teu ideal",etc. Na evolução do argumento poético-narrativo é fácil entender que é ao próprio homem que o poeta "dirige a pergunta, ao homem, ser supérior que chegou aos graus superiores da evolução, que "com seu olhar, cérebro e braço escraviza a luz, a terra, a água e o vento". Significativamente, o poema ganha um sentido alegórico como que dizendo aos leitores da "Revista de Portugal" e aos portugueses de 1889 que o ideal da modernidade estava em rejeitar a acomodação e a decadência e que urgia "preparar a asa para o vôo e a mão para a conquista". Estas eram, na visão poética do Guerra Junqueiro de 1889, os pontos essenciais do sonho idealista. Num contexto europeu de idealismo hegeliano e neo-idealismo kantiano, com o cientismo positivista e materialista tentando uma apologia simplista da interopretação filosófica da realidade, Junqueiro parece ter sentido que o universo era maior do que as "vãs fiulosofias" e através da profissão de fé expressa neste poema conseguiu ser a um tempo só, um anti-decadentista e um anti-positivista. "Ideal Moderno", pela oportunidade epocal em que é produzido e publicado soa como uma apóstrofe e como uma concitação à alta aspiração ontológica. Sua linguagem traduz uma indireta rejeição da onda pessimista que então grassava na estética literária dominada pelos conceitos de Schopenhauer e Hartmann. Juntando as duas alas jovens de Coimbra representadas pela Bohemia Nova e Os Insubmissos e o consagrado autor de "Pátria", verificamos o encontro de duas gerações que dizem não ao pessimismo nacionalista e se propõem uma renovação pelo caminho da modernidade. Entendendo por modernidade, a forma nova de tentar outros caminhos para a Liteartura, dando à Literatura uma função social e humanizante calcada em ideais superiores espiritualizantes que pudessaem dar vantagem à vida existencial do próprio homem.