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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->A vida como um projeto-cap. 11 a 15 -- 05/04/2000 - 13:40 (gilberto luis lima barral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Cap. 11

Fomos parar os cinco num bar. Aquela noite estava prometendo. As garotas eram lindas e cheias de graças. Cada uma com um detalhe mais bonito que o outro. Pena que éramos apenas dois ou elas mais de dois. Mas qual nada, Robbie, Elise e Trissina tiveram que segurar as pontas, pois tão logo vi Louie já começamos com o negócio dos beijos. Nós já nos conhecíamos de vista, Allien a me tinha apresentado, numa outra oportunidade. Mas estava meio complicado esse negócio dos beijos por causa do negócio das roupas. Então paramos numa dúzia de garrafas apenas e fomos para a fazenda onde as meninas estavam para elas se vestirem. Pode acreditar que elas tinham esquecido o lugar que tinham deixado as roupas na preparação para a performance.
Robbie assumiu a direção do veículo. Não porque algumas das garotas não pudesse dirigir, ao contrário, por exemplo, quer ver qualquer uma delas dirigir fenomenalmente bem é alcoolizá-las. Eu fico até com medo. Louie então tem a mania, ou tinha, de dirigir gritando uh, uh, e dando gargalhadas que pode parecer perigoso, porque ela faz isso em alta velocidade e em manobras de zigue-zague, mas não é. Ela é boa mesmo.
O negócio é que Robbie não permite que outra pessoa dirige quando ele esta na situação. E também ele bebe pouco e isso combina muito bem com direção.
Por aquelas estradas de terra o carrinho corria desesperado e alegre. Consegui animar um coro para a canção The Catterpilar e na sequência um monte de coisas, já muito melhores, foram se desenrolando. Ou como dizem os garotos foram rolando. Dentro da noite claríssima o farol do carro iluminava pouca coisa, mas não era desnecessário. Eles, nos seus canhões de luz, acentuavam aqui e ali ora a estrada, ora o rio que desciam entre as montanhas para um vale. A noite tinha a lua cheia que nós daqui tanto gostamos. Dizem que para os enamorados, no entanto, é preferível a noite escuríssima, de azul ultra-marinho, pois ali espocam as estrelas e algumas delas então vem buscar os eternos pedidos. Pode ser que isso tenha contribuído para o nosso infortúnio, meu deus. Prefiro nem pensar. Se eu tivesse me lembrado, ou algum dos outros, teríamos cantado também Killing Moon, afinal todos gostam dela, não é mesmo ?
Somente a mãe de Elise estava acordada quando chegamos, ainda bem. Era uma senhora doce. De imediato pareceu-me que tinha alguma ponta de sofrimento na alma, mas chegando mais perto, para cumprimentá-la, pude ver o agnus dei que trazia na correntinha e que mostrou que era apenas católica de muita fé. Dessas que parecem um anjo e que aparecem poucas vezes na vida da gente. Até aqui eu tinha encontrado dois desses anjos: a moca da cromoterapia lá do centro e a mãe de Elise. Depois disso eu ainda a vi duas vezes, nunca mais. Uma no almoço que ofereceu para nós no dia após a nossa chegada. E outra quando ela veio trazer o marido para um tratamento médico na minha cidade e eu fui visitá-la na casa de Elise.
Se as garotas já eram lindas no estado em que as encontramos imagina no instante em que saíram do quarto arrumadinhas. Quase resolvi refazer o negócio, Elise era a mais linda delas, mas não tinha jeito mesmo, até a mãe de Elise percebeu o meu negócio com Louie. Despedimos e tomamos a estrada de volta. Eram umas duas horas da madrugada, a noite estava linda. As garotas estavam lindas e eu e Robbie, bem, nos íamos ficar, né ! Voltamos para o mesmo bar onde havíamos tomado a primeira dúzia porque era o único lugar aberto àquelas horas e isto porque estava tendo um festa de criadores de gado. É o tipo da cidade onde as pessoas dormem dez horas a terra de Robbie. E de Elise também, é claro. Melhor teria, p sido se não tivéssemos voltado para lá, apenas por causa de uma briga que tivemos, mas o que aconteceu tá feito e teve um lado bom, eufórico e que contribuiu para o restante do fim de semana ser mais alegre.
Quando nos despedimos, no Domingo à tarde, choramos, os cinco e mais a mãe de Robbie e já ninguém lembrava disto. Não fosse a confusão causada pelo namorado de lá de Elise com Robbie e eu e as outras meninas a coisa teria saído um pouco mais barato pelo menos. Não vamos falar disso
A minha história com Louie foi indiferente a todos os acontecimentos, tivemos até alguns minutos de chuva, depois da confusão, que aproveitamos para nos banhar e ficar ali beijando. Passamos o restante da noite, nós dois, por que os outros já tinham se esgotado e foram dormir no carro, sentados no banquinho da praça bebendo cerveja, beijando e falando um tanto de coisas que agora não me lembro mais. Lembro das imagens, das posições que ficávamos, dos carinhos, mas das palavras só me lembro de duas Louie e Vernon. Escuto-as direitinhas. Às vezes me pego repetindo-as. Como agora.
O dia acordou com nós, ali sentados, vendo-o se levantar do horizonte Enquanto esperávamos pelos comparsas que ainda dormiam saímos a dar uma volta pela cidade. Antes fui no box e peguei outras duas garrafas. Quando voltei Louie me disse alguma coisa muito gostosa ao pé do ouvido. Eu a beijei por isso e por ela. Demos uma volta não muito grande por ali. Retornamos e nos pusemos na tarefa de acordar o pessoal. Precisávamos procurar o rumo de casa. Tinha o almoço na casa de Elise e a festa do Dr. Dornelles para a tarde. Elise deixou eu e Robbie na fazenda do pi dele e foi com as meninas para casa. Encontraríamos logo para outras aventuras. Eu já estava morrendo de saudades de Louie.
Encontramo-nos novamente na casa de Elise para o almoço. Eu nunca fui tão bem recebido em minha vida, juro.
A casa de Elise, ou dos pais dela como ela dizia, era fantástica. Enorme e toda decorada com aqueles móveis pesadíssimos de fazenda. Na sala tinha um piano, alemão me pareceu, pois era tão antigo que não tinha o selo. Trissina, veio lá de dentro de um cômodos trazendo em suas mãos amarelas uma garrafa de vinho tinto e algumas taças. As palmas da mão de Trissina eram amarelecidas, de um tom que parecia que ela estava sempre a brincar com terra. E isso com os esmaltes vermelhos que sempre usava ficava muito legal. Em homenagem à garrafa e às sua mãos eu toquei Tinny Girl para ela. O piano ficava, propositadamente, de frente para uma janela de onde a gente podia ver o pomar, o estábulo e a casa de apoio. Louie estava lá fora montada num cavalo enorme e o irmão de Elise lhe fazia companhia montado em um outro. Ela acenou para mim e saiu em disparada. Ela fica linda cavalgando. Ela também é filha de fazendeiros do interior. E tem as roupas e botas certas para a ocasião e maneja muito bem um animal. Eu não me arrisco muito. Prefiro ficar ao piano, tocando e tomando vinho nessas ocasiões. Meu pai também não tem fazenda, ele fugiu cedo para a cidade e se coca todo de pensar na possibilidade de “ir para o mato” que é como diz. A sua visão de fazenda é muito triste. Na verdade ele fugiu do interior para não Ter que trabalhar na roca como os irmãos dele. Ele detesta insetos e nesses locais eles ganham da gente em perturbação mesmo, eu também penso nessa parte como ele.
O almoço foi servido com bastante vinho. A mãe de Elise não quis sentar à mesa. Preferiu ficar tocando o piano para nós E mandou umas músicas lindas, daquelas feitas para o piano clássico que todo aluno iniciante nesse intrumento precisa apreender corretamente para vir a ser um bom músico. Ela apreendeu mesmo. Como eu poderia dizer que não foi um momento especial em minha existência. Digno de ser contado a todo mundo, mesmo que não acreditem. Um dia claro com uma mesa forrada por uma toalha muito alva e com um bordado lindo. Garrafas de um vinho de safra de oito anos do Chile. Cabrito assado com batatas e rabanete. Três garotas lindas e dois amigos se divertindo muito e sendo muito bem tratados. Nada podia ser melhor que isso. O pai de Elise não compareceu ao almoço, estava já envolvido com a política desde cedo. À tarde, depois do quimo, fomos para a festa do pai de Robbie, que era o que nos tinha levado até esse paraíso onde eu me encontrava.
Lá, então, fiquei conhecendo o Dr. Dornelles e todo o seu séquito, mas não me envolvi com eles e nem os meus amigos. A gente se sentou em círculo no gramado, onde um monte de gente passeava, e ficamos ali contando um monte de histórias e morrendo de rir. O garçom passava a cada segundo trazendo carne, cerveja e wiskey. Acabamos a tarde do Sábado os cinco ali desmaiados. Eu nunca bebi tanto na minha vida. E também nunca me diverti tanto.
O caso também era que eu e Louie juntos fazíamos um belo par de pombos alegres e beijoqueiros naquela tarde. Estávamos apaixonados.
Mas acabamos mesmo, eu, ela, Robbie, Elise e Trissina desmaiados na festa de lançamento da candidatura do Dr. Dornelles. Eu não me lembro de nada, mas deve ter dado algum comentário. O pai de Robbie, que era um cara muito bacana compraria qualquer briga por nós se precisasse no entanto.
A noite de Sábado teve aventuras que não terminaram antes do amanhecer do Domingo, que foi tão maravilhoso quanto os outros dias. Triste foi a despedida. Todos nós choramos mesmo na partida.

Cap. 12

O dia resistia à luz do sol. Uma névoa cobria o céu, mas não era a névoa amarga. Ao meu sinal Allison veio com outra cerveja e uma ficha para a jukebox. Fui ao telefone, liguei para Allien e lhe falei do projeto. Queria vê-lo antes que aos outros, pedi-lhe que viesse ao Love Love às 16:00 hs. Liguei para Mary Annie, mas novamente ela não estava. Liguei também para Louie novamente, mas dessa vez deixei um recado na maldita secretária eletrônica. Eu não sei se gosto ou não dessas novas tecnologias. Tem horas em que eu penso que são muito boas e que nos servem bem, mas na maior parte das vezes eu me sinto mal, ou meio constrangido diante delas. A secretária eletrônica é uma perdição, só serve aos destinatários. Já as redes de navegação pela internet não, elas são tudo o que uma pessoa deveria levar numa só mão naquela história. Se, por exemplo, nessa mesa-redoma em que estou agora tivesse um computador ligado em rede, talvez eu fosse mais feliz. Mas também não sei porque hoje estou realmente preocupado, embora já tenha, parcialmente, resolvido os dois problemas do dia.
A questão do dinheiro eu resolvi deixar para depois. Não vale a pena estragar um dia, ou umas horas com isso. De qualquer modo também me parece que eu não vou conseguir resolver esse problema nunca. A não ser que o filme me traga o sucesso que espero. A história é boa. Se conseguir um bom roteiro para ela, e algum patrocínio decente tudo ficara bem.
Será, entretanto, uma producão caseira mesmo, do tipo faca você mesmo como rezavam os manuais para o sucesso da minha juventude.
Mas eu queria ver o Allien primeiro porque gostaria de discutir com ele sobre essas coisas de fantasmas. Ele, sendo da religião espírita, tem jeito para a coisa. É aquela velha coisa de laboratório que os atores conhecem bem. E que prezam tanto que é ir fundo na personagem, de encarnar a personagem na essência delas. Eu estava com a idéia, inclusive, de chamar Olívia, a morena do Centro Espírita, para fazer a personagem do fantasma. Ela tinha uma semelhança com o fantasma e já tinha trabalhado em algumas pecas como eu mesmo sabia. Embora o seu trabalho em pecas tivesse mais ligado aos trabalhos do Centro. Não era nenhuma Vívian Leigh, mas era uma atriz.
Quando ele chegou eu já estava com fome de modo que pedi o almoço. Ele não quis me acompanhar e durante todo o almoço fomos conversando. Ele concordou que poderia ser mesmo um caso de fantasmas mesmo, embora isso não importe para o evento fílmico. Sobre o minha sugestão de convidar Olívia ele achou ótimo, inclusive, porque ela também estava com uma vontade de fazer alguma coisa diferente e do modo como coloquei as coisas ele também viu uma grande semelhança entre a personagem e ela. Primeira vitória.
Com isto achei urgente entrar em contato com Olívia e também com Baldim. Com o profundo envolvimento dele com a literatura ele poderia fazer um roteiro a altura do projeto. Baldim não é exatamente um escritor, mas conhece como ninguém a literatura e sabe contar histórias muito bem. Como a do rapaz que maltratou a mãe até a morte e se tornou um monstro, por exemplo. A possibilidade de montar um filme era um sonho mais seu que de ninguém. Quantas vezes, sentado à porta do sobrado onde moramos juntos, naqueles dias de farra, ele não despejou os seus argumentos sobre filmes e cinema nos meus ouvidos. O caso é que não sei se sendo “O fantasma da Oficina” ele concordaria em filmar. O texto em forma de peca ele já conhecia e tinha a opinião que era de difícil montagem devido aos efeitos especiais necessários. Mas sendo um filme isto se torna mais possível. Talvez ele concorde e até coloque umas idéias boas. Como ele estava morando agora numa cidade do interior, aqui perto mesmo, eu teria que ir de carro, ou em outra locomoção ao seu encontro.
Nesse caso o melhor seria ligar para Robbie, pois ele sempre tem um veículo disponível, e também porque no caminho poderíamos discutir as minhas propostas e também situá-lo, ou melhor, achar um lugar para a sua participação. Eu não sabia ainda onde enfiá-lo no projeto, mas o certo é que ele teria um lugar no filme. De início ele poderia ser o nosso assistente de produção, ou o responsável pelos transportes dos equipamentos, atores, e tudo o mais que precisasse e que dissesse respeito a locomocões. Também, óbvio, ele palpitaria na trilha sonora, como músico que era. Mas não assim ao deus dará, pois, por ser a coisa na base do faca você mesmo seria preciso muita organização para dar certo. Cada um seria o responsável pela sua área.
Pedi outra cerveja ao garçom gente fina e mais uma ficha de telefone. Liguei para Olívia. Ela me atendeu como sempre muito gentil e sensual. Aqueles amassos que demos quando nos conhecemos abriram as portas para um relacionamento muito íntimo entre nós dois, mesmo que em poucos encontros. Ela é uma morena bonita e matreira. Não possui um cérebro muito dos complicados e também, me parece, costuma receber umas pomba-giras. Mas tem um corpo, um molejo nele, que tanto serve para dançar o rock mais pesado como um sambinha ou um tango. E como atriz que é sabe dançar qualquer estilo. Marcamos um encontro para as vinte e duas horas ali no Love Love mesmo. Era o tempo suficiente para eu ir ter-me com Robbie e voltar. De qualquer modo deixe-a prevenida de algum possível atraso. O que aliás é uma constante em nossos encontros. Allien concordou em me deixar na casa de Robbie se eu não demorasse com a cerveja. Pedi a conta, paguei e partimos. Nesse horário certamente encontraria facilmente Robbie em casa. Ele que trabalha tocando nas noites, aqui mesmo, no seu bar, começa a se levantar por essas horas. Eu não suportaria essa rotina, porque as horas em que mais produzo são as do começo do dia. Às vezes antes do sol nascer eu já estou envolvido no meu trabalho. Quando vai chegando as 18:00 hs eu já quero me ver livre do serviço. Talvez por isso, não sei, esse trabalho com teatro tem me deixado tão desmilinguido, insosso e entediado.
Quando estamos ensaiando uma peca eu faço questão que seja pela manhã ou pela tarde. E somente apareço a noite num teatro para três coisas: para ver uma peca de outro autor, para o ensaio geral das minhas pecas e para a noite de estréia. Mas eu não gosto dessa coisa de noite de estréia eu vou mesmo é pelos patrocinadores que muitas vezes querem nos conhecer.
Não deu outra, Robbie estava em casa. Despedi-me de Allien ali mesmo na rua e ficou combinado de eu ligar para ele assim que tivesse um plano geral nas mãos. Ele, que conhece as melhores garotas da terra, se prontificou a selecionar, de acordo com as personagens e o meu gosto, algumas dessas para um teste de seleção para o filme. O Allien é um cara e tanto. Mas infelizmente não teria lugar para ele no filme, o projeto, que já estava pronto não o cabia. Mas muitos amigos foram aproveitados na coisa do faca você mesmo.

Cap. 13

Eu estava agora com um sorriso no rosto de dar inveja. Nem parecia o mesmo Vernon Madruga de algumas horas atrás. O almoco me fez um bem danado, por um lado, mas por outro abusou de minhas forcas. A escadaria da casa de Robbie é um arranjo neoclássico de uns quarenta andares, toda pintada da cor branca apenas, sem nenhum matiz. Eu sempre estou encontrando escadas na minha vida, e sabem por que ? É porque moro numa cidade que esta entre montanhas. Nessa geografia ou as casas ficam abaixo ou a cima do nível das ruas. Não tem outra resposta. E também não é nenhum determinismo. É só a geografia do lugar. O bairro de Robbie é o mais legal dessa cidade.
Todo mundo mora ali. As pessoas todas que você gostaria de estar sempre vendo moram ali. Robbie mora no primeiro andar do sobrado onde morava o casal de amigos dele que eram os donos do imóvel, mas que tiveram de viajar para outro lugar por motivo de trabalho e por isso pediu a Robbie que ficasse por ali tomando conta das coisas. Robbie dizia que eles eram um casal sensacional, muito alegre. O marido era também músico, um guitarrista.
O cara me deu um abraco de dar a pensar que ele estava engrossando comigo. Mas logo me deu um empurrão e deu aquele grito normal de sempre. É bom ouvir o Robbie me chamar de “velho”. Soa como se eu fosse uma pessoa bastante chegada da pessoa dele. Depois como desde sempre fazemos ficamos a conversar olhando da entrada da sua casa para a cidade que desce pelas serras para se centralizar numa espécie de umbigo em forma de um obelisco que é um dos patrimônios ímpares dessa cidade. Robbie nos conduziu para dentro da casa tomando a dianteira.
Eu fui até a velha geladeira azul cobalto com macaneta banhada em cromo e peguei duas garrafas. Eu estava trabalhando sério no projeto dessa vez e não tinha muito tempo a perder. A minha conversa com Robbie foi rápida e precisa como deve ser a literatura do atual milênio para aquele autor que esqueci o nome, embora ele seja inesquecível para muita gente. Falei-lhe que o projeto deveria acabar sendo mesmo, “O Fantasma da Oficina” que seria montado e eu precisaria muito da sua colaboração, como antes já havia anunciado para ele. Não ficou surpreso, ele sabia que quando eu fico empertigado com uma coisa não sossego enquanto não a resolvo. Disse-lhe também que talvez tivesse que enfrentar resistências de Baldim que poderia querer mexer na história ao montar o roteiro, de Louie que seria a produtora e colocaria suas lindas mãosinhas aqui e ali ou por Elise que seria quem iria correr atrás do patrão. Enfim, aquelas pessoas que se acham as donas dos projeto. Pedi-lhe que ficasse do meu lado, que desse o seu voto para mim. Ele concordou que o negócio era urgente mesmo e logo se aprontou para irmos ao encontro de Baldim. Em menos de uma hora estaríamos em sua casa. E com sorte o encontraríamos. Ele lecionava pela manhã e tarde numa escola do local e ficava sempre em casa à noite cuidando dos trabalhos extra-escolares, aqueles que os alunos acham que somente eles têm.
Já estava escurecendo quando tomamos o trecho sem asfalto da estrada. A casa de Baldim distava dali apenas dois quilômetros. Logo que saímos da última curva que dava para uma descida íngrime avistamos o nosso Baldim que não sei o que estava fazendo ali a pé na estrada, talvez estivesse indo ao posto telefônico da comunidade. Tão logo nos viu acenou alegremente com as mãos, estávamos a uma distância de uns oitenta metros. Que visão maravilhosa. Lá estava o nosso velho amigo em suas roupas desde sempre muito coloridas. Ele era filho de ciganos e tinha uma paixão especial pelos espanhóis e tentava imitá-los nas vestimentas. De longe ele podia ser distinguido em qualquer paisagem. Mas realmente ele sabia combinar um verde com um laranja, ou um marrom com um rosa. E usava sempre aqueles lenços no pescoço. Eu gostava muito de Baldim, embora aquele episódio da porta da escola, no dia em que o chamei pelo nome, tenha nos deixado alguns dias meio distantes.
Robbie trocou de marchas reduzindo o veículo e na freada emergiu do solo uma nuvem de poeira de fazer tijolo de nossa saliva. Quem nos visse teria uma bela imagem. Ir à casa de Baldim é sempre um passeio maravilhoso e é nesse ponto onde nos encontramos que a paisagem do local pode vista em sua totalidade, com aquela cheirosa mata de Jambreiro cobrindo toda vegetação. Mas dessa vez não tive tempo para a contemplação. Baldim estava indo fazer um telefonema como eu imaginei. O enfiamos dentro do carro e o levamos ao posto telefônico. Ele fez a ligação e retomamos a estrada para a sua casa. Ele estava muitíssimo preocupado, pois sua esposa até agora não tinha voltado para casa. A situação era mesmo preocupante, pois isso nunca acontecia. No estado em que ele se encontrava não havia como eu vir a falar de meus projetos.
É nessas horas que essas novas tecnologias têm o seu valor. Se sua esposa tivesse um aparelho telefônico celular ou ele tudo se resolveria com menos desespero. É mesmo terrível você querer localizar uma pessoa e não conseguir. Eu acredito que entre eu e Louie a coisa toda fora por água abaixo por causa desse quesito. Os desencontros.
De qualquer modo eu não poderia ficar ali para lhe dar forcas. Eu tinha que retornar a cidade, pois o encontro com Olívia também era urgente e já estava em cima do horário. Infelizmente teríamos que deixar o amigo naquela situação desesperadora. Mas eu tinha a certeza que tudo se resolveria. Aquela coisa de intuição que algumas mulheres dizem ter estava acontecendo comigo neste instante. Consegui me tranquilizar e tranquilizar os amigos.
Entre dois atrasos eu prefiro um, muito embora cometa dois e mais. Pedi desculpas a Baldim e chamei Robbie para irmos embora. Na despedida ficou acertado entre nós que ele ligaria para nos informar de tudo. Depois falaríamos sobre o projeto.


Cap. 14

Aquele sorriso desapareceu do meu rosto. A viagem de volta foi amarga, afora o poeirão daquela freada do encontro na garganta, na língua, nos lábios e nas têmporas. O problema de Baldim era legítimo, mas eu também tinha os meus. A minha maldita intuição reclamava urgência. Para esta terça-feira eu tinha que pelo menos contatar as pessoas mais importantes para o projeto. Eu só consegui relaxar as idéias quando Robbie imprimiu mais velocidade ao veículo. Abrimos os vidros laterais das portas e aumentamos o som. Estava tocando uma canção nova do Lou Reed e o “velho” Vernon ressuscitou em mim. O “velho” Vernon Madruga soltou a voz, na verdade ele gritava mesmo pela estrada. Ocorria-lhe nessas horas que existia cerveja, gente, projetos e música no mundo e o próprio mundo. Uma música faz o diabo. E quando ela é boa para o ouvinte o faz melhor ainda.
Olívia já devia estar pelo Love Love. Ela sabe sentar a uma mesa de bar e ficar bebericando alguma coisa sozinha e sabe como espantar os que vem pertubá-la, mas não gosta mesmo de atrasos. Ela fica enfurecida. E não falta quem queria incomodá-la, bonita como é e dos modos como se veste e se porta. Não exatamente os modos, mas as corês que escolhe. Ela gosta de amarelo, vermelho ou azul. Cores quentes. Ela é uma morena, vocês sabem como são essas.
Chegamos com um certo atraso, ela estava sentada no balcão. Não fez aquela cara costumeira, um misto de repreensão e sátira, quando de meus atrasos. Também não estava vestida com as cores de sempre. Alguma coisa devia estar errada, mas não estava, pelo menos aparentemente. Ela me deu um longo e demorado abraco e aquele beijo no rosto. Pedi ao Allison que nos trouxesse duas cervejas. Ela já estava bebendo alguma coisa.
Robbie apanhou sua garrafa e foi dar uma volta pelo local. Me deu inveja aquela sua folga. Robbie, desde a morte de seu pai, continua o mesmo folgado. Aquele seu gesto habitual de enfiar uma das mãos no bolso da calca, sempre de tecido leve e larga, e carregar uma garrafa de cerveja pelo salão do Love Love já virou um clássico. O Allison, garcon gente fina também é uma pérola. A jukebox. O balcão. Já teve até um assassinato clássico aqui. Mas eu não conheco direito a história. Sei que foi coisa mesmo de bar, dessas que envolvem paixão, bebida ou droga.
Uma vez em que eu chegava aqui, por volta de umas cinco horas da tarde, eu vi uma história dessas de paixão muito engraçada. Um rapaz dava uns tapas bem fortes no rosto de uma garota. Essa caía uns dois metros para um lado. Se levantava e vinha correndo e pulava no rapaz e lhe dizia que o amava. Ele se desvencilhava dela e lhe dava outro safanão ainda mais forte. Ela estava ficando toda destruida e mesmo assim continuava aquele troco. A gente não podia fazer nada, o negócio era patético. E era entre eles dois. E quem tentou se intrometer levou a sua. Até os policiais que chegaram e tentaram intervir se viram com os dois amantes. Eles tinham um negócio a resolver estava na cara. Tá certo que não devesse ser em público, mas em parte o foi. E somente terminou quando os dois se deram por satisfeitos e respondidos em suas dúvidas e desceram em direcão ao centro da cidade abracadíssimos como nunca. Não é sadomasoquismo, não é isso. Que fique bem claro. Mesmo por Louie, minha princesa das noites andarilhas, eu nunca briguei ( ou me excitei, quem sabe ?) assim na minha vida. Eu devo ser um idiota mesmo. Eu sempre vivi a ilusão do amor e nunca a sua dura realidade. Uma guitarrista que eu conheci uma noite aqui no Love Love me disse que ela preferia um amor com os pés na realidade, e que desses do mundo da ilusão não servem bem, pois estes últimos somente existem por uns dias. Será o que ela estava querendo dizer com isso ? Eu não consegui entender o sentido, eu sei que nós fomos para a sua casa e ficamos tocando guitarras até amanhecer o dia. Algumas vezes ela parava, pegava nas minhas mãos e ficava a tocar a ponta de meus dedos. Ela era uma excelente guitarrista. Há tempos que não a vejo.
Olívia perguntou se eu não me importava de irmos para o reservado. O convite foi aceito. Comecei logo no assunto do projeto, dizendo que eu gostaria muito de tê-la no filme que estava montando e que pretendia rodá-lo no máximo em oito semanas. Mas alguma coisa estava errada com Olívia, ela não estava me escutando. De repente ela me tomou o braco com as mãos mais frias que já me tocou até hoje, e disse que não tinha certeza se ia poder participar do filme ou de alguma coisa mais na vida.
Aí, então, percebi que o negócio era sério. Não era à toa aqueles seus modos. Primeiro ela não estava à mesa, mas no balcão. Em seguida não me fez a expressão costumeira pelo atraso, depois ainda não estava vestida com côres as quentes. Eu a conhecia muito, embora os parcos encontros. As suas mãos precisavam de algum calor humano, ou talvez a sua pressão estivesse caindo além do limite mesmo, coisa física.
Então comecou um choro interminável, distante, e as lágrimas estavam ainda mais frias que as suas mãos. Ela se agarrou a mim, num abraço de tal maneira estrangulador, que não me deixava sentidos para entender os grunhidos ou palavras que ela tentava articular em meio aos prantos. Quando então consegui discernir aquelas malditas três letras do vírus. Interei-me de tudo. Olívia estava mortalmente doente. Deve ser um desespero do tipo que nos falava Kiekeegard. Eu que estava ali segurando aquele corpo cheio das lágrimas mais tristes que o mundo produzira até então, descobri um pouco do que é a tristeza. Mas ela não estava em mim. Era a tristeza de Olívia. Uma tristeza que tudo que eu fizesse no mundo jamais a tornaria alegria novamente. Mas a coisa das lágrimas eu consegui controlar um pouco.
Eu fui na jukebox e pus uma música mais suave do que as que estavam tocando. Lá de dentro do reservado Olívia arremessou a garrafa na minha direção. Eu abaixei e ela espatifou toda a vitrine da jukebox. Um monte de compactos se espalharam pelo salão. Corri em direção a ela. Ela gritava que não queria ouvir música nenhuma. E entrou em desespero novamente.
Robbie que estava no lado de fora ao escutar a barulheira veio correndo para dentro do bar. Os donos do Love Love já estavam acostumados com essas farras, e todos frequentadores do local também. Fomos os três para o reservado. Com a ajuda de Robbie consegui controlar Olívia. Fizemo-la entender que aquilo não era o fim do mundo, que tudo se ajeitaria e que ela não era a primeira pessoa do mundo a passar por isso e todas as besteiras mais que todos nós trazemos hipocritamente desenhados em nossos esqueletos cerebrais. Daquelas mesmas histórias que minha amiga Dra. Mary Annie, especialista por estudos, traz na ponta da língua para seus pacientes.
Olívia nos pediu apenas que a deixasse em casa. Que queria ir para casa dormir, mas nós tivemos dúvidas em deixá-la naquele estado. Eu preferia, pelo menos por enquanto mantê-la sob meus auspícios. Insistimos tanto que ela aceitou passar comigo esta noite.





Cap. 15

Não eram onze horas quando Allison veio me trazer o recado que tinha um telefonema para mim. Fui atender, talvez fosse Louie respondendo ao recado que eu tinha deixado em sua secretária eletrônica. Talvez pelo menos uma coisa nesse dia daria certo. Depois de tanto tempo eu ouviria novamente a sua voz. Parei no balcão e pedi ao Allison um destilado. Sorvi de uma vez, num só gole, a bebida. Pigarreei e empostei a voz.
Mas de nada adiantou era mais uma desgraça e vinha na voz de Baldim. A notícia era feia. Sofia, sua esposa tinha demorado, porque depois das compras, com saudades de Louie, resolvera passar em sua casa para vê-la. Ela tinha ligado várias vezes para ela mais não conseguira falar .E estava muito preocupada. Eu também já havia tentado falar com Louie várias vezes e também não tinha conseguido, mas para mim era diferente porque eu acreditava que ela estava era se fazendo de difícil. Apesar de eu ter certeza que ela não é destes tipos de garota. Ele dizia que não fazia poucos minutos que Sofia chegara e por isso não ligara antes. Que ela estava muito assustada e que demorou para conseguir contar toda a história, mas dizia que o caso era feio mesmo e que era preciso eu estar preparado.
Eu fui obrigado a gritar com Baldim para ele terminar sua ladainha e me contar logo que merda de notícia era a que tinha me dar. Então ele não titubeou. Disse que Sofia encontrou uma enorme confusão no prédio de Louie e que esta estava lá num estado de morte. A coisa era de se lamentar. Não podia ouvir mais nada. Disse a Baldim para esperar em sua casa algum aviso e que logo Robbie o apanharia lá e desliguei. Mas talvez ele não me obedecesse, pressenti, afinal ele era meu amigo. Isso não importa.
Desci para o reservado completamente desatinado. Eram todos os meus pecados para eu pagar numa terça-feira. Jesus pagou os seus na Sexta. Dei a notícia aos amigos. Pedi a Robbie que fosse à casa de Baldim e Sofia. Eles precisavam vir para a cidade acompanhar o caso. Sofia tinha sido a Segunda pessoa a ver Louie. O primeiro fora o porteiro, nosso amigo, que resolvera arrombar a porta diante da suspeita causada pelo cheiro que vinha de dentro do apartamento. Portanto Sofia seria, talvez, uma testemunha do caso.
Liguei para Allien, mas não o encontrei e deixei a notícia com sua mãe.
Pedi a Olívia que viesse comigo para o apartamento de Louie. Agora quem estava gelado era eu. Mas não somente as mãos, pode acreditar. Robbie nos deixou lá e foi buscar Baldim e a esposa.
Quando eu cheguei no quarto andar me deparei com o aglomerado de pessoas que bloqueava a saída do elevador. Eu sabia que seria assim, pois já estando bastante atrasado algumas pessoas chegariam antes ao evento. Apressadamente ultrapassei a multidão que me abriu o caminho. Então meus olhos confirmaram o recado. Uma trilha de sangue, estendia-se sobre o tapete até a parte central da sala, onde, um sofá escondia o resto da cena. Adentrando mais pelo apartamento me inteirei de toda a tragédia. Todos que sabiam de nosso caso ali tiveram pena de mim eu pude sentir.
A situação de Louie era horrível. Uma grande almofada, que ainda estava abarcada ao seu corpo, parecia-se com um rins gigante, tal a quantidade de sangue que nesta se acumulou. Uma tesoura, instrumento de profanação do corpo, enterrada até a metade do cabo, pinicava uma grossa veio. Mas o estado geral da vítima e do ambiente eram saudáveis. Não havia nenhuma desordem aparente. A condição suis generis do palco, no entanto, atrapalhou um pouco as minhas idéias. Já não era mais somente a perda de Louie. Nesse momento muito já se havia perdido. Tomando o cadáver dela no meu colo insanamente eu falava porquê, porquê àquela massa inerte. Meu corpo estava gelado, mas meus miolos estavam pegando fogo. E o tumulto ali formado à porta da sala precisava ser dispersado. Tarefa que Olívia e o porteiro me ajudaram com bastante firmeza.
Eu estava perdido. Aqueles anos todos com Louie e agora que estávamos numa fase complicada essas coisas acontecem. Ela era muito para mim.
Num certo período além de namorarmos tínhamos ainda trabalhado em vários projetos juntos. Foram momentos de intensa atividade e muito lucro. Juntos realizamos espetáculos que encheram casas. Tínhamos conseguido adquirir uma casa, dois apartamentos, mais outras duas propriedades. Além de diretor de teatro eu entendia muito de negócios. Sabia mesmo como fazer o dinheiro crescer. A nossa vida era rodeada de pessoas e fatos. A gente estava vivendo uma fase difícil, principalmente por culpa minha, mas agora com a filmagem de “O Fantasma da Oficina” eu tinha certeza que os bons ares soprariam novamente. Mas que nada.
Agora era preciso urgentemente mudar toda a situação. Obviamente, numa hora dessas é preciso muita calma. Não é desorganizando tudo à volta e esbravejando contra os deuses que se logra algum louvor. A morte chegara em mais uma casa nesse dia. Devagar as idéias foram se ajeitando.
Quando um sujeito resolve morrer-se, e esse parecia o caso, o seu ser se torna presa desse desígnio e a sua vida se torna apenas uma trajetória para esse fim. A vida em sua extensão compreende pessoas assim. Eu conheço, às vezes, somente de uma olhada, as pessoas tendenciosas. Não parecia o caso de Louie. Mas as coisas acontecem. Para algumas pessoas uma reação saudável seria trancar as portas da emoção, não deixando aberto nenhum vão que possa deixar penetrar coisas estranhas. Pois, se essas coisas penetram acabam por invadir todos os espaços do corpo e o anestesiam para a destruição final. O medo, por exemplo, faz isso. Ele primeiro arrepia nosso pelo animal, depois instiga nossas sensações ao mundo da reclusão eterna. Não devemos agir num estado de tensão.

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