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Artigos-->REMINISCÊNCIAS -- 08/09/2008 - 22:00 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Às vezes, quando entro em divagações, com saudades volto ao meu passado de infância e adolescência. Assim, retorno aos fugazes tempos de convivência pacífica com os costumes da época, brincadeiras de rua, distrações, lembranças do tempo do grupo escolar, enfim, uma época repleta de pioneirismos e criações para um menino nascido no bairro da Bela Vista, Bixiga, em maio de 1941.

Foram muitos os acontecimentos, e alguns vale a pena contar.

A goma de mascar chegou ao Brasil em 1944. A Adams começou a fabricar apenas chicletes com os sabores hortelã e tutti-fruti. Ainda não existiam as gomas de fazer bolas.

Em 1946, num domingo, estava na casa da minha avó Joaninha, quando chegou uma de suas afilhadas, Rosa Maria, da minha idade, filha do compadre Rafael. Ela mascava um chiclete diferente, cor-de-rosa, e fazia bolas enormes, até que estouravam e deixavam a sua boca toda lambuzada.

Seu pai contou, então, que tinha comprado a novidade na Sears da Praça Osvaldo Cruz.

No dia seguinte, minha tia Cida, alguns anos mais velha que a criançada, juntou alguns trocados e nos levou para lá.

A loja ficava perto e fomos a pé. Havia fila para comprar a novidade! O dinheiro foi suficiente apenas para três chicletes de bola, de nome Basoka. Levamos para casa e democraticamente, com uma faca, dividimos em sete pedaços. Ficamos fazendo bolas até a hora de dormir. Antes de ir para cama, cada um guardou o seu pedaço grudado debaixo da mesa para, no dia seguinte, continuar mascando aquela delícia. E assim passaram-se dias e dias, brincando com os mesmos chicletes até que eles perderam o sabor e deixaram de fazer bolas.

Em 1947 eu estudava no jardim da infância da Escola Santa Mônica, no bairro da Consolação, quando fui apresentado oficialmente à Coca-Cola. Até então só conhecia guaraná e soda limonada.

A Coca-Cola iniciou as suas atividades em São Paulo, em 1943, com uma campanha de marketing para conquistar o mercado.

As aulas eram de manhã e me lembro da alegria naquele dia, quando a professora mandou todos os alunos ao pátio. A nossa surpresa foi grande ao vermos o portão de entrada aberto e, na frente, um caminhão da Coca-Cola, que descarregava a bebida na escola. Alerta geral dos funcionários do caminhão, abrindo as garrafas: “– Bebam à vontade! Vamos ficar aqui até a hora do almoço”. Foi uma grande bebedeira de Coca-Cola!

Os mais espertos no assunto recomendaram levar as tampinhas para casa para fazer relógios de brinquedo, cuja fabricação era extremamente simples. Com um martelo, achatava-se as tampinhas no chão cimentado do quintal ou da calçada. Depois, com um prego, furava-se as bordas e nos furos colocava-se um barbante. Pronto! Era só amarrar no pulso.

E assim, no dia seguinte, quase todos chegaram à escola, usando relógios.

Outra propaganda da Coca-Cola consistia em passar filmes nas ruas.

Paralela à rua Abolição, onde eu morava, ficava uma rua sem saída, a Japurá, e até hoje é rua sem saída. O final é um imenso muro que, naquela época, pertencia a um laboratório. Durante o dia, um carro com alto-falantes passava, anunciando que a partir das dezenove horas haveria filmes do Carlitos, Gordo e o Magro e Os Três Patetas, com farta distribuição do refrigerante.

Na hora da sessão chegava um caminhão de Coca-Cola. Os funcionários montavam a tela no muro do laboratório. Os mais idosos levavam, de casa, cadeiras para sentar. A molecada, na maior algazarra, assistia os divertidos filmes em pé, tomando o que conseguiam de Coca-Cola. Até hoje sou viciado na tal bebida!

Nessa época, uma das coqueluches era colecionar maços de cigarros – o tabagismo estava no auge! Entre os maços mais encontrados nas ruas, havia alguns, raros e cobiçados, como Neusa, Yolanda, Fulgor, Negrito, Elmo liso e com ponta, Luiz XV, Petilondrinos, Columbia. Todos os cigarros eram sem filtro. Não era preciso muito esforço para catar aquele lixo que, além de coleção, utilizávamos para fazer cintos, com os quais presenteávamos as meninas que os usavam, aliás, com muito orgulho!

Outro vício era a coleção de figurinhas das Balas Futebol.

Todos os anos, assim que começavam os campeonatos regionais de futebol, uma fábrica de balas, doces e chocolates, situada na rua do Gasômetro, no Brás, lançava as figurinhas embrulhadas, uma a uma, em balas. O álbum para colar as figurinhas era gratuito.

As figuras dos jogadores eram colecionadas, trocadas e colocadas em jogos como abafa, caxeta e dadinhos. As carimbadas eram tão raras que, muitas vezes, eram vendidas em um câmbio negro inventado por nós.

Lembro-me de que o pai de um amigo, para fechar o álbum, pagou cinco cruzeiros pela figurinha do jogador Giancolli, do Ypiranga. Naquele tempo, o Clube Atlético Ypiranga, da capital, disputava a primeira divisão do Campeonato Paulista de Futebol.

No dia em que completei nove anos, ganhei da minha avó Palmyra uma nota novinha de vinte cruzeiros. Dava para comprar um bonito par de sapatos e mais algumas roupas.

No dia seguinte fui à venda, onde comprava as balas, e pedi os vinte cruzeiros em Balas Futebol.

O dono olhou-me, desconfiado, e perguntou se a minha mãe sabia daquela compra. De pronto, menti que sim! O homem saiu do balcão, demorou uns minutos e retornou com várias caixas fechadas de balas e cinco álbuns novos. E ainda me deu sete cruzeiros de troco. Certamente aquele era o restante do seu estoque. Não era para menos, cada bala custava cinco centavos!

Voltei para casa com a árdua tarefa de abrir caixa por caixa, bala por bala, para ver se fechava algum álbum, e quantas figurinhas carimbadas havia naquele amontoado de balas.

Resultado: as figurinhas eram repetidas. Algumas, mais de dez vezes. Para minha única alegria, diversas eram carimbadas. Sem falar na dor de barriga que tive por chupar tantas balas.

Quando meu pai chegou, à noite, e soube da minha façanha, com o semblante triste apenas falou que eu era um caso perdido.

No início dos anos 50, lançaram o álbum das Balas Seleções. Cada página era um campo para o saber. Havia animais do mundo, aviões, navios antigos, as sete maravilhas do mundo, borboletas raras, cientistas famosos e outras preciosidades. A primeira página era para montar a imagem de uma bicicleta. Quem conseguisse realizaria o sonho de toda a garotada, que era ganhar a bicicleta. Nunca fiquei sabendo se alguém foi beneficiado pelo presente, já que sempre faltava uma peça!

Outro caso de consumismo desvairado aconteceu quando completei dez anos.

Novamente ganhei mais uma nota de vinte cruzeiros. Meu aniversário é no último dia de maio e, no final desse mês, vendas e lojinhas começavam a comercializar fogos para as festas juninas. Comprei, então, bombinhas, traques, fósforos-de-cor, biribas. Tudo para abastecer a temporada de festas. Mais vale um gosto do que dinheiro no bolso, já dizia uma amiga de minha mãe.

Outras brincadeiras de rua que deram o que falar, além das “peladas” com bolas de meia, eram os combates com estilingue, tendo mamonas como munição, e as batalhas com os canudos de bambu, municiados com canudinhos de papel.

Mais uma travessura, às vezes lucrativa, era apagar as lâmpadas dos postes do Morro dos Ingleses, com certeiras pedradas atiradas por nossos estilingues, para propiciar os namorados mais privacidade durante os colóquios amorosos. Alguns pagavam pelos serviços prestados.

Empinar pipas, que no bairro chamavam-se “quadrados”; rodar pião; fazer, soltar e correr atrás de balões; brincar de “pula sela”, com o famoso ritual de bater nas costas e acabando nas nádegas de quem estava curvado, servindo de sela, enquanto falávamos: – “Estampilha, selo e correio”. Enfim, todas as brincadeiras de rua, que hoje não existem mais e que deixaram saudades.

Com as meninas brincávamos de roda, pular corda e passar anel.

No espigão da avenida Paulista, onde hoje está o MASP, do lado direito de quem sobe a avenida Nove de Julho, em direção aos bairros, antes do túnel recém inaugurado havia os morros que pertenciam a Saracura, um dos recantos do Bixiga. Lá, no nível da avenida, corria a céu aberto o córrego da Saracura. Para nós, aquela “floresta” era o lugar ideal para as brincadeiras de Tarzan, bandido e mocinho, além de índios que atacavam com arcos e flechas feitos dos bambuzais, fartos na região.

Também sinto saudades das matinês dominicais dos cines Rex e Espéria, os dois cinemas do bairro, e do primeiro programa de televisão, que assisti na casa da nossa vizinha, dona Carmela, em 1951. O primeiro canal de televisão no Brasil foi o Canal 3, TV Tupi de São Paulo, oficialmente inaugurado no dia 18 de setembro de 1950.

TV na Taba, apresentado por Homero Silva, foi o primeiro programa transmitido e contou com a participação de Lima Duarte, Hebe Camargo, Mazzaropi, Ciccilo, Lia Aguiar, Vadeco, Ivon Cury, Lolita Rodrigues, Wilma Bentivegna, Aurélio Campos, Baltazar, jogador do Corinthians, e da orquestra de George Henri, entre outros.

Como o comércio não dispunha de aparelhos para vender durante a estréia da televisão, a transmissão aconteceu através de 200 TVs importadas e espalhadas na cidade pelo pioneiro Assis Chateaubriand, dono da TV Tupi e dos Diários Associados.

Um ano após a inauguração já havia, em São Paulo, sete mil aparelhos de televisão.

Lembro-me das procissões que saíam da igreja da Achiropita e das quermesses da rua 13 de Maio, diante da igreja. E do lança-perfume, confete e serpentina que jorravam dos grandes corsos carnavalescos na Nove de Julho. Outra brincadeira maliciosa para o carnaval era o “sangue de diabo”, cuja fórmula levava Lactopurga, um laxante moderado, álcool zulu 93º e éter, utilizado como removedor de esmalte de unhas. A fabricação é simples: coloca-se mais da metade de álcool em um vidro, completa-se com éter e, em seguida, junta-se dois comprimidos do laxante para tornar o líquido vermelho como sangue.

Depois, é só distribuir o líquido em vidros pequenos, sair à rua e jogar nas roupas claras ou brancas dos desavisados. O susto era enorme para quem não conhecia. A roupas ficavam com aquelas manchas vermelhas, mas, em poucos segundos, evaporava sem deixar vestígio algum do “sangue”. Diabruras e mais diabruras!

A cena mais cômica acontecia nos sábados de carnaval. Um grupo de foliões, todos fantasiados com vestidos velhos e esburacados, seguia um velho caminhão, caindo aos pedaços, em cujo pára-choque estava escrito “Sai da Frente”, título de um dos filmes de Mazzaropi, rodado no bairro. Na carroceria, com as guardas baixadas, colocava-se uma cama de casal com um colchão completamente esfarrapado. Sob a cama, um penico cheio de água. A cena era impagável. Dois rapazes, um vestido de noiva, com véu e grinalda, e o outro, de terno e gravata, representavam uma lua-de-mel com os mais calorosos beijos e abraços. Enquanto o caminhão ia sacolejando pelas ruas, o urinol balançava de um lado para outro, despejando a suposta urina pelo caminho. Muitas pessoas sentavam-se no chão, fracas de tanto rir!

“Chocar” o bonde camarão (agarrar-se a ele do lado de fora) número cinco, Bela Vista, e ajudar as mulheres com suas pesadas cestas de mantimentos, comprados na feira da rua Maria José, às sextas-feiras, eram atividades que resultavam em alguma fruta ou moeda.

Recordo-me também das compras anotadas nas cadernetas, que seriam pagas no final do mês, no armazém do seu Barretos, na esquina das ruas Conselheiro Ramalho e Fortaleza; de ir benzer malocchio, quebranto, na casa da dona Natalina, num cortiço da rua Rui Barbosa, ou comprar as deliciosas molinhanas, berinjelas curtidas na casa da dona Conchetta, na rua Fortaleza.

De abrir as portas dos carros para os passageiros saírem e entrarem no Teatro Brasileiro de Comédia, na rua Major Diogo. Das filas para comprar pão e carne nas madrugadas, durante a guerra e no período pós-guerra. Da alegria naquelas manhãs de cerração quando, ao longe, ouvia-se o badalar dos sininhos presos aos pescoços das cabritas que vinham amarradas, umas nas outras, para ser ordenadas pelo seu Manoel. Era só ficar na porta de casa e esperar para brincar com as cabritinhas, tomar o leite quentinho, tirado na hora e colocado nas nossas canecas.

Para contrapor, lembro-me das manhãs quentes de verão, quando buscávamos as barras de gelo, deixadas na porta, e as carregávamos até a geladeira, chupando pequenos pedaços de gelo. Ninguém ficava doente nem tinha dores de garganta. É bom saber que, antes de a geladeira elétrica chegar ao Brasil, as antigas eram refrigeradas por barras de gelo ou a motor movido por querosene. A nossa primeira geladeira elétrica foi comprada em 1953, durante a nossa mudança.

Não me esqueço da garoa que caía naquelas noites frias quando, friorentos, brincávamos de esconde-esconde. Do medo de passar nas casas mal-assombradas, como a casa da dona Severinha, na esquina da rua Major Diogo com o Jardim Heloísa. Nas noites claras ficávamos sempre atentos, esperando que uma estrela se mexesse no céu. E não se podia apontá-las, pois poderia nascer uma verruga na ponta do nariz, segundo os mais velhos, porém, quando alguma aparecia, era tratada com pedaços crus de toicinho, que depois de fritos transformavam-se em saborosos torresmos. Delícias de uma época em que a banha era derretida e feita em casa.

Na estação das chuvas, quando os vaga-lumes apareciam, às centenas, no quintal, nós os apanhávamos e colocávamos, um por um, em litros de leite transparente. Assim, fazíamos as nossas luzernas para passear, à noite, pelas ruas do bairro, mostrando aquelas maluquices.

Costumávamos, também, comer e dividir, com amigos e vizinhos, as frutas do nosso quintal, como goiaba, ameixa, laranja azeda – para fazer doce –, mamões e diversas frutinhas silvestres, além de manjericão, hortelã e outras ervas, sem falar da delícia de espremer limão-rosa sobre o alimento já pronto ou usá-lo para fazer refresco. Em um dos cantos do quintal havia uma plantação da batata-doce.

As gemadas eram feitas com ovos frescos, botados na hora pelas galinhas que passeavam livremente, entre gatos e cachorros. Era só esperar uma delas cacarejar mais alto para ir buscar o presente no ninho. Quantas bicadas eu levei por conta dessas tarefas!

Sempre havia alguma, chocando os seus ovos, e quando nasciam os pintinhos nossa alegria era imensa!

Existia no quintal, inclusive, um pequeno campo de futebol – se é que se poderia chamá-lo assim – em meio a várias flores que adornavam aquele saudoso lugar!

Apesar do nosso quintal, que era enorme, a rua era nossa. Éramos os verdadeiros meninos de rua. E hoje, quem são os meninos de rua?

Se eu fosse contar tudo da minha infância no Bixiga, até dezembro de 1953, quando nos mudamos para a Vila Clementino, onde continuaram as molecagens, teria matéria para um livro de mais de duzentas páginas.

Todas essas recordações ainda me acalentam.

Mas como é um curto artigo de reminiscências, com os pensamentos voltados às diabruras de criança e começo da puberdade, coloco aqui mais um ponto final! Será?





Roberto Stavale

Agosto de 2008

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