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Cartas-->18. ARMÊNIO -- 06/08/2002 - 07:03 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O meu nome foi muito comum há anos atrás. Sendo assim, não se pense que deverei ser descendente de árabes. Meus pais eram nordestinos e se encantaram com a sonoridade da palavra.

Não é difícil de compreender o que vim a ser, se disser que vim com eles para o Sul do país, tangidos pela seca.

Em São Paulo, a fome apertou, a criançada se dispersou, alguns foram trabalhar, outros, mendigar e um, eu, fui assaltar. Dei azar, peguei cadeia, embora menor, e ali terminaram meus dias, nas mãos de um sujeito que não queria compartilhar a cela com quem não lhe satisfizesse as vontades.

No etéreo, aos dezesseis anos, não me considerava jovem. Queria, na medida dos conhecimentos da personalidade nordestina, julgar-me adulto, já que tivera todas as impressões dos sentidos, no justo limite das possibilidades de quem é ignorante e bronco.

Mas as tias Clara e Josefa me obrigaram a ficar com elas, para não fosse arrastado para a escuridão. Ali havia passado uns tempos, nada que não pudesse suportar, conquanto presenciasse cenas estarrecedoras.

Hão de perguntar como é que um sujeito tão grosseiro na Terra possa vir dizer o que se passa do outro lado, dispondo de conhecimentos que me isentam da dor, da sofreguidão, do arremedo inconseqüente das mensagens dos companheiros. É que tenho tido a felicidade de contar com a orientação das benfeitoras familiares, que me perdoaram os crimes contra a fazenda alheia e que me ensinaram que nem sempre a pessoa que pratica atos contra a sociedade seja exatamente má. Pode ser impelida pelos exemplos, que se tornam o que há de mais natural, especialmente quando a família está a passar fome, enquanto muitos nos parecem indiferentes, no gozo de todos os bens.

Não vim fazer pregação de sublevação social. Nem nunca me lembro ter sido revolucionário. Fui ladrãozinho muito “pé-de-chinelo”, crente de que iria ficar impune. Nem julgado fui. Os companheiros de cela liquidaram comigo. E pronto! Rebelar-me? Contra quê?

Encontro-me em fase muito boa de aprendizado e trabalho. Não me revoltei contra os que me entregaram à vida de crimes nem contra os que me acabaram com a vida. Iria me prejudicar, agora que vejo o mundo, a realidade, com olhos que já divisaram o mistério? De forma alguma. Seria o mesmo que cuspir no prato em que se comeu. Seria injusto em relação à divina misericórdia.

Mas Clara e Josefa tiveram bastante trabalho para convencerem-me de que deveria participar do grupo de jovens. Explico por quê. Eu queria muito me tornar independente. Quando cheguei, observei que tudo tem horário e maneira certa. A disciplina é rígida. Meu pai, quando queria pôr ordem na casa, dava de relho. Eu era o mais velho e jamais fui tocado por ele. Era autônomo, se é que posso usar essa palavra. Minha mãe era submissa, mas dava opinião sobre todas as coisas. Ela não queria partir para o Sul, mas foi quem convenceu meu pai de que seria bem melhor, dado que estávamos sendo explorados.

Nessa época, eu tinha onze anos. Era analfabeto e trabalhava na lavoura, de sol a sol. Em São Paulo, a exploração era a mesma, embora mais sofisticada do ponto de vista da legalidade. Se, no Nordeste, o patrão mandava e desmandava, porque era ele quem queria assim, no Sul, o dinheiro a ser pago era estipulado conforme a vontade do patrão, que sempre tinha a quem dar o emprego, por aquele salário. Ninguém era obrigado a sujeitar-se, mas não havia outra oportunidade.

Aos doze anos, percebi que, se roubasse, iria obter muito mais. Minha mãe logo pôs os menorzinhos na rua, para estender a mão à caridade. E eles conseguiam muito mais que meu pai, na construção civil. A bebida rasgou o pano de fundo da moralidade e enegreceu a bílis do coitado, que se lamentava ao ver a família tão miserável.

Tudo o que roubei trouxe para casa, até que vi que de nada adiantava para o bom relacionamento das pessoas. Dos quatorze aos dezesseis anos, fiquei ao abandono das ruas. E é tudo o que posso afirmar para que entendam a razão de não aceitar vir a este grupo.

Foi preciso que minhas tias me levassem de volta ao lar terreno, para que compreendesse a brutalidade mental de todos, mesmo da mãezinha, que aceitava a situação e se especializava em preparar a criançada, para o efeito do peditório. Notei que havia economias guardadas no banco e pequena propriedade, totalmente quitada, mercê da mendicância. Como poderia considerar-me adulto, se não fora capaz de entender as transformações por que passavam aqueles espíritos?

Resignei-me à matrícula e adentrei a sala de aula muito desconfiado de tudo. Mestre José me chamou para dar explicações e me fez ver que os meus conhecimentos eram primaríssimos, quase naturais, a ponto de não saber sequer entender o que as palavras significavam. Era preciso partir do nível mais baixo da escolarização.

Quis saber qual fora a anterior encarnação, mas a memória não se abriu, como para a quase totalidade dos colegas. Estava na condição, mais ou menos, de quem se atreve a freqüentar a escola noturna, verdadeiras aulas de alfabetização de adultos.

Mas o aprendizado foi veloz. Interessei-me por superar as dificuldades e me atirei com denodo para assimilar os temas. A visita ao lar terreno me desvinculou da família, no sentido de não ter o que lhes ofertar. Se quisesse passar-lhes a melhor orientação, deveria aprender a proceder evangelicamente.

Mesmo assistindo às aulas e cumprindo as obrigações com os colegas, não me desliguei de Josefa e de Clara, que me elucidaram quanto ao que poderia ter ocorrido comigo em outras circunstâncias. Não só inventávamos enredos de vida, como íamos observar, sem outro interesse a não ser a avaliação da realidade, o que se passava, na Terra, com indivíduos de todas as camadas sociais, raças e credos religiosos.

Foi assim que pude entender que não é porque o sujeito está bem, em todos os sentidos, que irá realizar os ideais cristãos. Vi pessoas jovens desencarnarem, sem condições de serem imediatamente assistidas. Fiquei emocionadíssimo com o desencarne de banqueiros e capitães de indústria tragados imediatamente pelas trevas.

Se eu não aproveitasse a oportunidade, iria ter de bater a cabeça, desgraçadamente, não sei por quais paragens do submundo do mal.

Deveria extrair ensinamentos das experiências relatadas, mas estou fragílimo nesse sentido. Sei que devo trabalhar muitíssimo para chegar a elaborar mensagens completas. Por isso, vou terminar, rogando aos amigos para que me perdoem a pretensão de lhes vir trazer alguma lição. O melhor que todos sempre podemos fazer é pôr o destino nas mãos do Senhor, buscando fazer o bem, sem olhar a quem. Se tivermos regalias de vida, vamos levá-las aos que nada têm, mesmo que seja no sentido de lhes abrir os olhos para a realidade das leis cármicas. Jesus nos dará força para o trabalho solidário.

Graças a Deus!

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