Gosto das Marias
colocadas por Deus
em minha trilha,
tanto que resolvi
agregar a elas,
mais algumas delas.
Primeiro crio a Mortalha,
numa terça chuvosa,
de madrugada.
À seguir moldo a Preta
com a gota tão solta,
a dor e a careta.
E, enfim, pinto a Maré,
que bem nesse dia
esqueceu-se na fé!
E feito crianças,
feito meninas,
hoje, passeiam
entre os pilares
que agora sustentam
a minha estima.
--------------------------------------------------
Maria Maré
Entardecida, Maria Maré,
plantada no chão, firmada na fé,
trazia o pé fincado na areia,
a impedir a maré de cheias mais cheias.
Nos olhos brilhantes, duas luas inteiras,
no peito maduro, a vontade e meia:
- Que Deus me acate, atenda e acuda,
só hoje e sempre lhe peço a ajuda!
E Deus, que lhe dava a boa mãozinha,
nunca a deixava na praia sozinha,
com todo cuidado, zelo ou desvelo
trazia-lhe a água só pelo joelho.
Até que um dia, Maria folgou
e bem nesse dia a Deus não rezou!
Maria, a lua, fitou nesse instante
e o mar se achegou, então, ondulante,
Com força, as ondas se avolumaram,
bravas e impunes mais espumaram,
líquidas línguas lamberam o solo,
querendo deitar, de Maria, no colo.
Rugindo, o mar galgou-lhe as pernas
e pôs-se alargado em gotas eternas,
incauto, molhou-lhe o xale, a saia,
subindo às casas e ruas da praia.
Hoje as águas de vez soberanas
abundam com os pingos que ainda emanam
da estátua de sal que chora saudade,
compadecida da antiga cidade.
A lua no céu sorri zombeteira
e exalta o dia em que, sorrateira,
enlevando Maria, distraiu-lhe a fé,
fazendo perpétua a cheia maré.
ma.gla@uol.com.br
Maria da Graça Almeida
Todos os direitos reservados
|